Para Cantar a Boa Nova

by Francisco on quinta-feira, 7 de dezembro de 2006

Aloízio Gomes Barbosa

Nossa grandeza ou nossa mesquinhez se encontram - como semente ou flor - em nosso coração. E só há uma ordem; só pode haver uma ordem: render-se à doçura e à justiça do
Amor.

O Amor é terrível contra os tiranos; é uma espada de luz contra os bajuladores; é a sarça que arde contra os corrompidos.

O Amor cega os que oprimem; abençoa a ternura dos amantes e lhes imprime alegria; incomoda os que atraiçoam; transtorna os que enganam a si mesmos e que, por isto, enganam os outros.

O Amor estende-se na relva e colhe a prata das chuvas; recolhe em seu seio os que foram humilhados, os que foram objeto de ironia e rejeição e os que enlouqueceram pelo desamor de tantos.

O Amor fecunda as flores e perfuma o mundo; estanca o sangue dos justos. Numa mão traz a cura, na outra, a justiça. Faz renascer a alma envelhecida, apaga os dissabores e as ilusões da mente.

O Amor ilumina a algazarra das crianças; o Amor nos despe de nossa arrogância; não nos julga pela nossa aparência, mas nos conhece pela nossa essência.

Quando nos sentimos mutilados, o Amor nos cobre com seu manto; é como um menino, descalço, descobrindo novas trilhas na escuridão do mundo.

O Amor não censura. O Amor não se omite. O Amor respeita as diferenças, mas denuncia as injustiças.

O Amor não é complacente com os que trazem na boca o beijo e, na mão, o punhal.

Assim, em seu caminho de Luz e Silêncio, de Som e Magia, o Amor cumpre o seu destino.

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Novo!
Ouça esta mensagem na voz do famoso locutor da "Voz do Brasil", Clemente Drago.

Cartas Persas: crítica de Montesquieu à moral iluminista

by Francisco on sexta-feira, 10 de novembro de 2006

Francisco Antônio de Andrade Filho

Pensador crítico, Montesquieu conhece a realidade ético-política de seu tempo. A imoralidade do Iluminismo em nome da uma outra Moral. Ser ético-político a serviço da violação dos bons costumes. Com ele, é possível descobrir, em Cartas Persas, a importância da filosofia da linguagem estética. Escrita em 1721, em forma de romance epistolar, esta obra sofre influência da estética barroca que, na França, é caracterizada pela moderação com o maneirismo de Corneille e Rotrou.

Segundo alguns intérpretes (CHAUI: 136), Montesquieu serviu-se da linguagem estética para denunciar a realidade social, demonstrando através da literatura “os erros, desgraças, infâmia, angústia, opressões e violências (...) para despertar em nossa imaginação o desejo de mudança”.

Observamos que Montesquieu não se utiliza dos recursos imaginários da literatura para meramente reproduzir a realidade do século XVIII, justificando seu presente como inquestionável e inelutável. Mas, ao contrário, habilmente, e com muita arte, produz uma linguagem utópica para combater o imaginário social, ou seja, a ideologia vigente em sua realidade. Não dissimulou a verdade e não a ocultou, expressou-se comunicando o conhecimento, realizando a função de esclarecimento, e não a de sedução ou encantamento. Para tanto, destacamos alguns tópicos do diálogo tecido pelos personagens da referida epístola. O autor saliente o gosto pelos aspectos cruéis, dolorosos. As mulheres presas no serralho e os eunucos, constituem bons exemplos da miséria da condição humana mostrada no texto. O seguinte trecho da carta 161. Roxana a Usbek, pode representar bem esses aspectos:

Vou morrer: o veneno correrá em minhas veias. Pois o que me resta aqui, agora que o único homem que me prendia à vida já não existe? Estou morrendo; mas minha sombra parte bem acompanhada; acabo de mandar à minha frente esses guardas sacrílegos que derramam o mais belo sangue do mundo. (MONTESQUIEU, C. P, 161, P. 261).


Um outro traço muito constante em CARTAS PERSAS é o erotismo, o qual percebemos na Carta 7, por exemplo: Nem acreditarias, Usbek: é impossível viver assim, o fogo corre em minhas veias. Não consigo te exprimir o que sinto tão bem! E como sinto tão bem o que não posso te exprimir! Nesses momentos, Usbek, eu trocaria o império sobre o mundo por um só beijo teu. Como é infeliz a mulher que tem desejos tão violentos quanto está privada do único meio de saciá-los (...). (Idem, 7, p. 23). Há na obra, também, um contraste entre amor X sofrimento. Logo no início do livro (3º carta), podemos notar o drama de Zachi, uma das mulheres do harém de Usbek:

Eu me vi, invisivelmente, tornando-me senhora de teu coração; tu me tomas-te, depois me deixaste; voltaste novamente a mim, que soube te conservar (...).


Mas aonde divago? Aonde me leva esta vã narrativa? Não ser amada é uma desgraça, mas deixar de sê-lo é uma afrontar (...). (Idem, 3, p. 19-20).


Percebe-se, também, que a obra apresenta o conflito entre o homem santo x pecador da época:

Vejo aqui muitos que polemizam sem fim sobre a religião; mas me parece que ao mesmo tempo também competem para ver quem menos a respeitará.


Além de não serem os melhores cristãos, eles sequer são os melhores cidadãos; e é isso o que me impressiona; porque, em qualquer religião que se professe, a observância das leis, o amor aos seres humanos, a devoção filial sempre hão de ser os primeiros atos de fé. (Idem, 46, p. 78).


O autor procura humanizar o que antes era considerado sobrenatural. Essa característica aparece claramente na carta 125, quando ele, fala sobre as diversas visões do paraíso:

Li descrições do paraíso capazes de levar qualquer pessoa de bom senso a desistir dele: umas fazem essas almas bem-aventuradas tocarem flautas sem parar; outras as condenam ao suplício de passear por toda a eternidade (...). (Idem, 125, p. 203).



Montesquieu utiliza a sátira como recurso para desidealizar as afirmações, a falta de lógica dos poderes da época, tanto o poder religioso, como o temporal:

O rei da França é o mais poderoso príncipe da Europa. Não possui minas de ouro como o rei da Espanha, mas supera-o em riquezas porque ao extrair da vaidade de seus súditos, mais inesgotável do que as minas.


O que te conto desde príncipe não deve te espantar: há outro mago mais forte que ele, que manda em seu espírito tanto quanto ele nos demais. Esses magos chamam-se Papa. Ora ele faz acreditar que três são apenas um, ora que o pão que comem não é pão, que o vinho que bebem não é vinho, e mil coisas do gênero. (Idem, 24, p. 49).


Montesquieu ainda primou por construir uma linguagem estética para levantar questionamentos, através de uma linguagem simbólica, que sempre nos leva a conhecer a realidade criando uma outra semelhante à nossa, enfatizando a memória e a imaginação. Assim, Montesquieu soube servir-se brilhantemente do poder das palavras, considerando-as como feixe de significações ou símbolo e valores na interpretação do que entendemos como forças divinas, naturais, sociais e políticas, rompendo até com palavras-tabu do viver social que bloqueiam a livre expressão e a possibilidade de inserção do humano numa nova sociedade em que a linguagem é um instrumento concreto de mudança. E é através de uma linguagem natural com seus elementos afetivos, volitivos, perceptivos e imaginativos contrários à linguagem puramente lógica que Montesquieu atinge seu objetivo, passando a própria razão de ser de seus discursos pela multiplicidade de sentido que eles encerram.

Referências

MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, baron de la Brède et de, 1989 - 1755. Cartas Persas; tradução e apresentação de Renato Janine Ribeiro. São Paulo: Paulicéia, 1991.

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 4. ed. São Paulo: Ática, 1995. p. 136-151.

ENCICLOPÉDIA BRASILEIRA GLOBO. 14. ed. Porto Alegre: Globo, 1975.

PROENÇA FILHO, Domício. Estilo de Época na Literatura. 14. ed. São Paulo: Ática, 1994, p. 169-70.

* Francisco Antônio de Andrade Filho é Doutor em Lógica e Filosofia da Ciência, na área de Filosofia Política, pela UNICAMP/SP. Professor Titular, aposentado da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Docente em Filosofia na Faculdade Maurício de Nassau, nos cursos de Administração, Direito e Enfermagem. Membro do Comitê de Ética de Pesquisas em seres humanos, do Hospital Oswaldo Cruz – UHOC-UPE. Avaliador do Curso de Filosofia/INEP/MEC.

Contentamento

by Francisco on quarta-feira, 8 de novembro de 2006

Aloízio Gomes Barbosa

Contento-me em ser
o que todos rejeitam:
Um homem que sonha como se vivesse
e que, de tanto sonhar,
termina vivendo.
Não sonho o que vejo,
Mas o que pressinto cá dentro, escondido,
como se eu já fosse, antes de haver nascido...

Francisco Andrade

by Francisco on quarta-feira, 18 de outubro de 2006

Francisco Antônio de Andrade Filho

Francisco Antônio de Andrade Filho é Doutor em Lógica e Filosofia da Ciência, na área de Filosofia Política, pela UNICAMP/SP.

Professor Titular, aposentado da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

Docente em Filosofia na Faculdade Maurício de Nassau, nos cursos de Administração, Direito e Enfermagem.

Membro do Comitê de Ética de Pesquisas em seres humanos, do Hospital Oswaldo Cruz–UHOC/UPE.

Avaliador do Curso de Filosofia/INEP/MEC.

Veja o currículo em .pdf.

A Significação Ideológica do Processo Pedagógico

by Francisco on domingo, 8 de outubro de 2006

Francisco Antônio de Andrade Filho

Qual a relação entre ideologia e educação? Entre uma e outra, qual a significação para o processo pedagógico? Que sentido ético existe nesse processo?

A idéia chave das ciências humanas é que a ideologia só pode surgir numa sociedade histórica, “uma sociedade para a qual o fato de ter uma origem, é uma questão.”1 Não existe ideologia em si mesma. Ela é sempre um fenômeno social. Surge em determinado contexto histórico-social como tomada de consciência coletiva de certos fatores operantes em tal contexto e de certos valores nele presentes.

Aqui, a ideologia aparece como sistemas de pensamentos, crenças e normas que participa constantemente da regulamentação social e que em ampla medida “se reproduz inconscientemente em cada um de nós.”2 Indica o sistema cultural que exprime e interpreta as idéias, as crenças, os comportamentos típicos pertencentes a um grupo humano. Surge como um elemento de consciência coletiva, dentro de uma estrutura social em processo de mudança:

É, pois, no interior da sociedade histórica que podemos circunscrever a emergência da ideologia. Na medida em que os agentes sociais e políticos não contam com o anteparo de um saber anterior à sua própria prática e que legitime a existência de certas formas de dominação, as representações que os sujeitos sociais e políticos farão acerca de sua própria ação vão construir o pano de fundo no qual os agentes sociais e políticos pensarão as relações de poder, pensarão as relações de dominação, pensarão o social e o político. 3

Por outro lado, a ideologia é sempre uma tentativa de racionalização, ou seja, de organização coerente em termos de razão social, dos fatores e dos valores, de sorte a apresentar uma interpretação que se crê racionalmente válida, do contexto social. Admite-se, portanto, que a ideologia se relaciona diferentemente com as ciências sociais e, de modo específico, com a ciência da história, que, seguindo alguns filósofos, é a única “capaz de nos fornecer os instrumentos para nos produzir um conceito de ideologia.”4

A análise das ideologias tem como marco teórico e prático, essa ciência das formações sociais em seu processo de modificação de dominância. Reafirmamos: as ideologias não são inteligíveis em si mesmas. A verdade surgirá apenas através da sua relação com as condições sociais de produção.

Para os pesquisadores do processo pedagógico colada na História, Marx e Engels5, por exemplo, só existem ideologias concretas, ligadas com as condições de existência, “que os homens devem estar em condições de poder viver a fim de fazer história [...] antes de mais nada beber, ter um teto onde se abrigar e usufruir dos bens culturais da sociedade.”

A ideologia consiste, então, em compreender que toda vida social e, portanto, histórica, é essencialmente prática, e consiste na atividade, no trabalho e na ação dos homens com a natureza e com os outros homens.

Um dos aspectos de natureza intrínseca de ideologia é a relação “ideologia-consciência”.6 De um lado, a base material da consciência e, por outro, a natureza falseadora ou ideologia como inversão da realidade, características da representação ideológica.

A ideologia é uma representação das realidades. É decisiva a relação do homem para com a natureza, para com as decisões materiais da sua existência. Não são as idéias filosóficas, religiosas, políticas, científicas, etc. que são consideradas como as forças motrizes da história e sim as “necessidades materiais dos homens” e, ainda “não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência”.

Representação das realidades, a ideologia é também falseadora. É um modo falso de pensar, no qual a realidade é vista de maneira distorcida, ficando, por assim dizer, invertida como numa “câmara escura.” Como afirmam os autores de “A Ideologia Alemã”:

E se em toda ideologia os homens e as suas relações nos surgem invertidos, tal como acontece numa “câmara obscura”, isto é, apenas o resultado do seu processo de vida histórico, do mesmo modo que a imagem invertida dos objetos que se forma na retina é uma conseqüência do seu processo de vida diretamente físico. 7

A ideologia é a inversão deformadora da realidade. Ela afirma e nega; expressa verdade das realidades numa imagem invertida. Ela as oculta, oferecendo aos homens uma representação mistificada do sistema social, para mantê-los em seu “lugar” no sistema de exploração de uns pelos outros. Necessariamente deformante e mistificadora numa determinada sociedade, a ideologia é produzida como tal ao mesmo tempo pela opacidade da determinação pela estrutura e pela existência da divisão e das desigualdades sociais.

A ideologia, assim, é recheada de uma significação ideológica do processo pedagógico. É a dimensão ética na formação do homem.

As instituições, para sobreviverem, são asseguradas por diversos mecanismos de produção e reprodução, chamados de “aparelhos ideológicos de Estado”8. A dominação política não se pode efetuar unicamente por intermédio da repressão: a dominação estatal implica a intervenção decisiva da ideologia que legitima essa repressão. As ideologias não existem somente nas “idéias.” Elas realizam-se e encarnam-se nas instituições ou aparelhos. São os aparelhos ideológicos do Estado, isto é, aparelhos que preenchem o papel de Estado sob o aspecto principal da inculcação ideológica: aparelho escolar, religioso, político, sindical, entre outros.

A escola9 é a instituição encarregada dessa formação ético-pedagógica, pelo conhecimento e valores que transmite. Para garantir a reprodução dos meios de produção, os sistemas políticos precisam garantir também a reprodução da força de trabalho, assegurada pelo sistema escolar, e pressupõe a submissão à ideologia dominante como meio de preservar os lugares sociais, de acordo com seu interesse.

A educação escolarizada é a responsável principal por esse processo pedagógico em todos os sujeitos das sociedades humanas e, conseqüentemente, pela reprodução das relações de bens político-econômicos que caracterizam estas sociedades. Esta educação é instrumento de reprodução das relações de força vigente na sociedade. Ela permite a reprodução da cultura em suas relações reais de poder, no interior das forças sociais.

Pelo exposto, de modo resumido, através da educação, ocorre um processo ideologicamente em dois níveis. Enquanto processo histórico, transmite e reproduz conteúdos culturais, impondo-os aos outros e, criando nelas um valor em aceitar a ação pedagógica da cultura.. É um instrumento que orienta suas ações. Por outro, como processo ideológico, é um sistema de pensamento que objetiva camuflar através do discurso articulado, as reais relações de violência material e de violência simbólica. É o pensamento pedagógico tentando mostrar sua autonomia e justificar sua validade.


Referências
1. CHAUÍ, Marilena. Crítica e Ideologia. in: Cadernos SEAF. Petrópolis: Vozes, ano. 1, n. 1, ago/1978, p. 18
2. ANSART, Pierre. Ideologias, conflitos e poder. (tradução de Aurea Weissemberg), Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978, p. 47.
3. CHAUÍ, Marilena. op. cit., p. 19.
4. ANDRADE FILHO, Francisco Antônio de. Igreja e Ideologias na América Latina. São Paulo: Paulinas, 1982, p. 131-165.
5. MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã, Lisboa: Presença, ed.3, p. 3-33, passim, s/d.
6. MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. op. cit., p. 48,50.
7. Idem, Ibidem, p. 25.
8. ALTHUSSER, Louis. Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado, São Paulo: Martins Fontes, s/d.
9. SEVERINO, Antônio Joaquim. Educação, Ideologia e Contra–Ideologia. São Paulo: EPU, 1986.

* Francisco Antônio de Andrade Filho é Doutor em Lógica e Filosofia da Ciência, na área de Filosofia Política, pela UNICAMP/SP. Professor Titular, aposentado da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Docente em Filosofia na Faculdade Maurício de Nassau, nos cursos de Administração, Direito e Enfermagem. Membro do Comitê de Ética de Pesquisas em seres humanos, do Hospital Oswaldo Cruz–UHOC/UPE. Avaliador do Curso de Filosofia/INEP/MEC.

Democracia delegativa

by Francisco on segunda-feira, 11 de setembro de 2006

José Luiz Ames

A América Latina, diferentemente do que aconteceu na Europa e nos EUA, passou nas últimas décadas por uma transição dos regimes autoritários dominados pelos governos militares para a democracia. No esforço de qualificar estas democracias, tem-se tentado adjetivá-las. Entre estas tentativas está a de denominar nossa experiência democrática atual de “democracia delegativa”.

No cerne do modelo democrático vigente em nosso meio está a idéia do sufrágio universal. O sufrágio universal faz com que impere na política a mesma lógica competitiva que domina na economia. A democracia é como um “mercado”, isto é, um mecanismo institucional para eliminar os mais fracos e para estabelecer os mais competentes na luta competitiva pelos votos e o poder. O papel central nesta competição está destinado à liderança política.

A liderança política é um método para chegar a decisões políticas, em que os indivíduos adquirem o poder de decidir por meio do voto do povo. A democracia fica reduzida a um procedimento de escolha mediante o qual o povo cria um governo elegendo um líder entre líderes que competem livremente pelo voto dos eleitores. É à liderança que cabe chamar à vida as massas, despertá-las e provocar suas opiniões e vontades. As lideranças são eleitas para decidir, inclusive para decidir sobre quais temas deverão ser tomadas decisões. A democracia fica restrita, então, à competição de lideranças enquanto as não-lideranças (os eleitores) participam da “coisa pública” unicamente nas eleições. Aquele que ganha a eleição está autorizado a governar como lhe parecer conveniente. Não fica submetido às promessas feitas no decurso da campanha. Depois da eleição, espera-se que os eleitores retornem à condição de espectadores passivos.... até a próxima eleição!

Por que os cidadãos (os “delegadores”) delegam? Fundamentalmente, devido ao seu desinteresse pela coisa pública, à irracionalidade frente à falta de informação e pela distância da responsabilidade. Como se explica que os governantes “salvadores da pátria” possam fazer o que quiserem sem sanção dos votantes? Basicamente por causa da idéia de que, mediante o voto, se firma um cheque em branco.

A democracia delegativa é fortemente individualista. Pressupõe-se que os eleitores elejam, independentemente de suas identidades e afiliações, a pessoa mais capacitada para cuidar dos destinos da coletividade. As eleições nas democracias delegativas são um processo extremamente emocional e que envolve altas apostas: vários candidatos competem para saber quem será o ganhador da delegação para governar sem quaisquer outras restrições, a na ser aquelas impostas pelas relações de poder.

A democracia delegativa, como vemos, transfere (“delega”) ao eleito o direito e a responsabilidade pelos destinos da coletividade. Os eleitores (“delegadores”) limitam sua participação política à eleição. Os cidadãos se comportam em relação aos candidatos como consumidores: escolhem o “produto” que melhor responde aos seus desejos. A propaganda eleitoral contribui decisivamente para a mercantilização da política. As lideranças apresentadas como candidatos recebem uma produção similar àquela que se faz para vender qualquer mercadoria: o consumidor (eleitor) compra (vota) pela embalagem. Por isso, o argumento de que o “mais capaz” é eleito é falso. Por causa da propaganda, o eleitor não tem como saber quem é o mais preparado. A grande diferença é que, enquanto o consumidor pode trocar a marca do produto no momento em que lhe aprouver, o eleitor só poderá trocar de governante depois de quatro anos de “uso”. Para completar a desgraça, na política ninguém é punido por propaganda enganosa.

*José Luiz Ames é doutor em Filosofia e professor da Unioeste/Campus de Toledo.

Educar sem medo

by Francisco on quinta-feira, 31 de agosto de 2006

Semíramis Franciscato Alencar Moreira

Desde os primórdios da educação, quando na Grécia um tipo de escravo, o “Paidós”, era encarregado da condução das crianças aos preceptores, havia censuras, castigos corporais e sanções psicológicas visando coibir qualquer manifestação espontânea do aluno.

Apesar do modelo educacional grego na antiguidade ser essencialmente dialógico, isso não significava que a liberdade de expressão ou de idéias fosse permitida. À todo momento na história da educação são encontrados resquícios de uma tradição conteudística docente. Até os dias atuais esta prática é amplamente difundida, ainda que haja teorias de vanguarda cujo intuito seja formar um alunado livre e capaz de interagir socialmente.

Posteriormente, a cultura do “decorum” teve seu apogeu na educação jesuítica e também no ensino do Alcorão: berço do ensino tradicional, o mais importante era a memorização dos pontos dados em aula. A idéia de uma livre expressão desse aluno, poderia se tornar uma ameaça para os sistemas educacionais em questão. O aluno é o ser sem-luz (alumni) portanto, incapaz de refletir acerca de sua própria existência.

Apesar de todos os avanços tecnológicos, científicos e filosóficos, o olhar revolucionário para a educação ainda se encontra limitado por forte influência tradicionalista. Talvez isso se deva aos métodos adotados pelos cursos de formação de professores.

Estes cursos ainda se utilizam de compêndios didáticos que valorizam o “decorum”, a sabatina, o professor como centro da atenção do aluno e detentor do saber.

Embora sejam mencionadas as práticas libertadoras como as mais precisas e desejáveis, o modelo aceito e irrevogável ainda é o método tradicional devido à comodidade que a transfusão traz aos professores se compararmos a educação formal com uma prática mais próxima da maiêutica socrática, onde o professor é uma ponte para cada entrevistado se conhecer.

Democracia e Representação

by Francisco on terça-feira, 29 de agosto de 2006

José Luiz Ames

A idéia de representação de um indivíduo por outro é, essencialmente, moderna. Entre os antigos ela não existia, porque o cidadão exercia pessoalmente o poder no Estado. O conceito de representação política é uma elaboração moderna cujo sentido pressupõe um duplo significado presente no termo “representação”. Por um lado, representar é uma ação segundo determinadas regras de comportamento. Assim, se diz que o parlamento representa o país (ou o estado, ou o município) no sentido de que os seus membros agem em nome e por conta dos eleitores. Por outro lado, representar é possuir certas características que espelham ou evocam as dos sujeitos ou objetos representados. Assim, se diz que o parlamento espelha o país (ou o estado, ou o município) no sentido de que seus membros refletem os interesses dos eleitores.

Uma democracia é representativa no duplo sentido: possui um órgão no qual as decisões coletivas são tomadas por representantes; e espelha, através dos representantes, os diferentes grupos de interesse que se formam na sociedade. Ainda que esta concepção de representação seja geralmente aceita, não há acordo sobre como se dá esta representação. Diferentes respostas foram dadas à pergunta sobre quais os direitos e obrigações do representante político (o eleito) em relação aos representados (os eleitores) durante o exercício de seu mandato. Os distintos modelos de representação nascem desta questão.

Conforme o modelo da delegação, o representante é concebido como um executor da vontade dos eleitores que deve decidir as questões rigorosamente segundo as instruções recebidas. É uma espécie de embaixador privado de autonomia para mudar de posições em relação às questões em discussão não dando aos representantes a margem de manobra necessária. É o modelo defendido por Rousseau.

O modelo fiduciário atribui ao representante total autonomia para decidir segundo sua consciência. O sistema representativo brasileiro funciona segundo este modelo. É o modelo proposto por Burke. Pelo fato de não haver mecanismo de controle sobre os representantes, este têm um poder arbitrário constituindo-se antes num governo iluminado do que num governo representativo.

O modelo da representação profissional atribui às organizações profissionais e ideológicas o papel de representação legítima da sociedade. Assim, os diferentes ramos da vida econômica, mas também os outros grupos sociais e de interesses, como as religiões, as etnias, as preferências sexuais, deveriam estar representadas no parlamento, pois seriam a expressão dos interesses da sociedade. Atualmente, a representação de interesses profissionais faz-se através dos grupos de pressão.

Os três modelos têm limitações que comprometem a adequada representação política. O mais adequado seria que o representante tivesse certa margem de autonomia para articular, para fazer composições com os demais, tal como o modelo fiduciário permite. Contudo, é importante que o representante permaneça com o vínculo de obrigação para com os eleitores, como exige o modelo da delegação, garantindo seu controle pelos eleitos. Enfim, que os diversos interesses da coletividade estivessem representados no poder, como quer o modelo da representação profissional.

No modelo de representação brasileiro, notamos a ausência de mecanismos de controle do eleito pelos eleitores. Os representantes têm absoluta liberdade para decidir, em geral de modo secreto, sem que os eleitores possam intervir no seu mandato. Com isso, em geral os representantes acabam desvinculados dos interesses dos cidadãos, em nome dos quais deveriam decidir.

*José Luiz Ames é doutor em Filosofia e professor da Unioeste/Campus de Toledo.

A Função dos Partidos Políticos nas Eleições

by Francisco

José Luiz Ames

Um pleito eleitoral chama a atenção por muitos aspectos. Quero comentar aqui a função (ou a ausência de função) dos partidos políticos na definição das propostas e dos resultados da eleição. Fica claro no material de propaganda o foco sobre o qual se deseja que os eleitores se concentrem: o perfil individual dos candidatos. O nome dos partidos, quando aparece, é grafado em letras minúsculas contrastando com o tamanho do rosto dos candidatos. Nas candidaturas a presidente, o rosto do vice fica invariavelmente recuado, num plano inferior e num tamanho menor ao do titular. Qual o significado dessa linguagem? Qual a mensagem que a propaganda eleitoral passa ao focar o candidato e não o partido e quando projeta o titular num plano mais elevado do que o do vice?

Cabe, inicialmente, ter presente o conceito mesmo de partido político: uma associação definida teórica e ideologicamente que tem em vista a conquista e manutenção do poder político para, por meio dele, realizar finalidades de interesse geral. Na história do pensamento político, a origem do partido remonta à primeira metade do século XIX. Foi, desde o princípio, o mecanismo de ampliação da participação das diferentes camadas da sociedade nas estruturas de poder do Estado. No decurso da história, o partido político foi o principal instrumento através do qual os grupos sociais puderam exprimir as próprias necessidades e participar da formação das decisões políticas. Graças à função exercida pelo partido, a sociedade civil encontrou um mecanismo eficaz para viabilizar suas reivindicações e para exercer o governo do Estado.

A representação política em base ao partido confere a esta estrutura o papel de filtrar as necessidades da sociedade civil e de viabilizá-las através dos processos eleitorais. As metas e propostas não são de um candidato, mas de um partido. Assim, a definição das propostas guarda maior sintonia com as aspirações dos eleitores e a sua execução é avalizada pelo partido, que garante a realização.

Quando observamos o papel do partido na prática política brasileira constatamos uma inversão em relação à sua função estabelecida conceitualmente. As letras miúdas com as quais, em geral, são identificados os partidos é indicador de sua desimportância. Raramente as propostas são identificadas como integrantes de um programa partidário. Considerando a propaganda eleitoral, partido político é apenas um detalhe legal. Todos projetam unicamente seu perfil pessoal. Pensam em ganhar o voto do eleitor apresentando o melhor de sua biografia e uma lista de promessas sem qualquer indicação de sua viabilidade concreta.

Quando os profissionais da política, aqueles que vivem da política em vez de viverem para ela, criticam o povo porque este espera que eles sejam salvadores, deveriam lembrar-se que a sua prática é a primeira responsável por esta visão. Ao projetarem unicamente a figura do candidato, reforçam a idéia de que ele pode fazer milagres. A própria postura dos candidatos, de que darão origem a um novo tempo de prosperidade a todos, contribui fortemente para isso.

A mesma desimportância do partido expressa na letra miúda dos cartazes é também da função do vice. Todos projetam em primeiro plano o perfil do candidato titular. O vice, coitado, permanece na sombra, recuado a um segundo plano. Este, por sinal, deve ser o seu papel. A linguagem dos “santinhos” distribuídos na campanha aponta para o verdadeiro lugar que o vice ocupará. O vice, segundo as imagens impressas na propaganda, não tem luz própria. Nele ninguém vota; dele ninguém espera nada de próprio. Ele é, tal como o partido, apenas um detalhe legal. Ao menos nisto os marqueteiros da campanha são muito precisos em traduzir o que de fato os candidatos pensam.

*José Luiz Ames é doutor em Filosofia e professor da Unioeste/Campus de Toledo.

Estudos de Jusfilosofia: iniciando o diálogo da filosofia com a ciência do direito

by Francisco on terça-feira, 22 de agosto de 2006

Francisco Antônio de Andrade Filho

No caminho que, juntos, iremos percorrer, destacam-se as questões específicas de filosofia em sua interface com a ciência jurídica nos dias de hoje. Filósofos e juristas clássicos em diálogo na produção do conhecimento.

Concebe-se, aqui, a filosofia como um modo de pensar, uma postura diante do mundo, voltada para qualquer objeto: pode pensar a ciência, seus valores, seus métodos, seus mitos, a religião, a arte, o homem, a tecnologia, a vida, as pessoas, culturas, mundo. Não é coisa de outro mundo, não. Todos nós somos filósofos. É questão de querer exercer sua atividade mental, própria do ser humano. Os filósofos indagam sobre as realidades de sua época, fizeram surgir novas possibilidades, comportamento e relação social.

Nesta perspectiva, pesquisadores jusfilósofos (MARTINS-COSTA, 2000: 230) se envolvem por uma “ dúvida crucial: como compatibilizar a reflexão ética propiciada pelos novos paradigmas científicos com a racionalidade “utilitarista comumente atribuída ao regimento jurídico”?

Ponderam ainda outros estudiosos e pesquisadores ( BARBOSA, 200: 213), assim:

“ O Direito não é somente um conjunto de regras, de categorias, de técnicas: ele veicula também um certo número de valores (...). Cabe ao Direito, através da lei, entendida como expressão da vontade da coletividade, definir a ordem social na medida em que dispôe dos meios próprios e adequados para que essa ordem seja respeitada...”.

TÉRCIO SAMPAIO (1977: 9 a 17) entra no debate para entender a Ciência do Direito como um “sistema de conhecimento sobre a realidade jurídica”. Ele capta a “expressão ciência jurídica” com questões especiais altamente discussivas no campo filosófico. Existe uma epistemologia crítica do Direito? Seria este saber apenas “uma ciência normativo-descritiva, que conhece e/ou estabelece normas para o comportamento” humano?

E responde:

“[...] Ela é vista pelos juristas como uma atividade sistemática que se volta principalmente para as normas [...] Ciência da norma, a Ciência do Direito desenvolveria, então, um método próprio que procuraria captá-la na sua situação concreta [...] A captação da norma na sua situação concreta faria então da Ciência Jurídica uma ciência interpretativa. A Ciência do Direito teria, neste sentido, por tarefa interpretar textos e situações a ela referidos, tendo em vista uma finalidade prática [...] à medida que a intenção básica do jurista não é simplesmente compreender um texto - como faz, por exemplo, um historiador que estabelece um sentido e o movimento no seu contexto -, mas também determinar-lhe a 'força e o alcance, pondo-o em presença dos dados atuais de um problema'.

Por sua vez, NADER (1997: 3 a 13) percebe, inteligentemente, a íntima relação da Filosofia com o Direito. E sustenta:

[...] Na Jurisprudência, o conhecimento filosófico tem por objeto de reflexão o conceito do Direito, os elementos constitutivos deste, seus postulados básicos, métodos de cognição, teleologia e o estudo crítico-valorativo de suas leis e institutos fundamentais”.
De outro, segundo o mesmo jurista, a Filosofia [...] “No seu pensar e no seu fazer abrem-se os caminhos para a Ciência e para a Filosofia. Enquanto que a primeira vai reunir um conjunto sistemático de conhecimentos, a segunda vai identificar-se como exercício da razão na busca perene da ordem do universo.

E, num diálogo aberto do Direito com a Filosofia, o mesmo jusfilósofo reafirma forte:

“A Filosofia caracteriza-se como indagação ou busca perene do conhecimento, mediante a investigação dos primeiros princípios ou últimas causas. O espírito filosófico não se satisfaz com a leitura dinâmica dos fatos ou com simples observações. Ele questiona sempre e, de cada resposta obtida, passa a novas perguntas, até alcançar a essência das coisas”.

E hoje, em plena era digital, qual a postura da Filosofia e do Direito diante dos avanços científicos?

Hoje (ANDRADE FILHO, 2006: 29 – 54), essas questões se colocam à luz dos atos tecnocientíficos. Nesse sentido, o conhecimento do “tempo global” tem priorizado a dimensão tecnológica, em estreita sintonia com as relações de mercado. O saber e o conhecimento no mundo globalizado parecem perder muito de sua função de busca de sentido para a vida, o destino humano e a sociedade – do conhecimento esse não do “sentir e simbolizar” –, para tornar-se “produto comercial de circulação” orientado pelo novo paradigma da aplicabilidade.

Os paradigmas da pós-modernidade, que ensejam rotas previstas para o desenho do futuro humano, estão em crise. Por isso, é cedo ainda afirmar-se a prepotência da globalização em seu progresso de ciência e tecnologia.

É nesse ambiente que a Bioética nasce como um novo domínio da reflexão e da prática, que toma como seu objeto específico as questões humanas na sua dimensão ética, tal como se formulam no âmbito da prática clínica, jurídica ou da investigação científica, e como método próprio o conhecimento de diversos modelos bioéticos (SGRECCIA, 1996) articulados dialeticamente com saberes diferentes (método-relação), mas fortemente entrelaçados.

Assim, a Bioética e o Biodireito, hoje, se situam entre as duas formas do conhecimento humano: o saber simbólico e o saber científico. Ganham vitalidade como paradigmas da relação entre as ciências e as tecnologias; do saber científico e do saber simbólico em suas recentes descobertas A Bioética e o Biodireito cuidam da dignidade da vida, procurando a convergência amistosa entre estes saberes. Vale ressaltar, entre Filosofia e Direito integrados com as ciências e tecnologias.

Nesta linha de reflexão, Sartori (2001: 48-52) avança progressivamente no desafio da interdisciplinaridade do Direito com a Filosofia. E discute, assim:

[...] pode-se definir a Ciência Jurídica como ciência normativa que verifica os fatores que determinam expressamente as condutas em normas. Sob essa orientação, a Ciência Jurídica se aproxima da Ética, ou seja, a primeira examina normas jurídicas e a outra normas morais [...] Seus elementos constitutivos são: ideais de justiça por alcançar, instituições normativas por realizar, ações e reações dos homens frente a esses ideais e instituições (...)

[...] Opondo-se ao Direito positivo, está o Direito Natural que pode ser definido como o pensamento jurídico que concebe a lei (a norma) quando esta esteja de acordo com a justiça. A pretensão do jusnaturalismo é a de conhecer como Direito o que é justo, ou seja, justiça como verdade evidente e demonstrável, dentro de um sistema de valores universais e imutáveis. Decorrente desses preceitos, a função do Direito não é comandar, mas, sim, qualificar as condutas como boas ou más (...)

[...] A velocidade do avanço das ciências da vida e a conseqüente necessidade de uma nova ética exigem uma resposta do Direito, ou seja, uma criação jurídica para positivar, regular e/ou reconhecer os Novos Direitos. Atualmente , são necessários princípios axiológicos que atendam à produção do conhecimento das últimas décadas do século XX e que se projetem no século XXI (...).


Suporte bibliográfico

ANDRADE FILHO, Francisco Antônio de. Bioética e cidadania: Interface da Filosofia com o Direito, in: REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO/FACULDADE MAURÍCIO DE NASSAU. Ano 1, n. 1, 2006: 29-54.
BARBOSA, Heloísa Helena. “Princípios da Bioética e do Biodireito”, in Bioética, REV do Conselho Federal de Medicina, vol. 8, n. 2 (2000): 209-216.
MARTINS-COSTA, Judith. “A Universidade e a Construção do Biodireito”, in Bioética _ Revista do Conselho Federal de Medicina, v. 8, n. 2 (2000): 229.
NADER, Paulo. Filosofia do direito. Rio de Janeiro: Florense, 1997.
SARTORI, Giana Lisa Zanardo. Direito e Bioética: O desafio da interdisciplinaridade. Erechim RS: EDIFAPES, 2001


* Francisco Antônio de Andrade Filho é Doutor em Lógica e Filosofia da Ciência, na área de Filosofia Política, pela UNICAMP/SP. Professor Titular, aposentado da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Docente em Filosofia na Faculdade Maurício de Nassau, nos cursos de Administração, Direito e Enfermagem. Membro do Comitê de Ética de Pesquisas em seres humanos, do Hospital Oswaldo Cruz – UHOC-UPE. Avaliador do Curso de Filosofia/INEP/MEC.

Democracia e eleições

by Francisco on quarta-feira, 16 de agosto de 2006

José Luiz Ames

O processo eleitoral é o mecanismo institucional de escolha de nossos representantes. O que é um representante? A idéia de representação consiste na possibilidade de um indivíduo delegar a outro o direito de decidir e agir em seu nome. No direito privado, é isso o que fazemos quando passamos uma procuração a alguém. É importante frisar que, neste caso, a qualquer momento o representado pode revogar os poderes de seu representante legal.

O Presidente da República, o Governador do estado, o Prefeito do município, senadores, deputados e vereadores são “representantes” da população. Isso significa que delegamos a eles o direito de decidir e de agir em nosso nome sobre todas as questões que dizem respeito à vida coletiva. É como se tivéssemos passado a eles uma procuração autorizando os atos deles em nosso nome.

As eleições são o mecanismo através do qual determinamos a representação política. Não é, porém, qualquer tipo de eleições. É preciso que elas sejam competitivas e com garantias de liberdade para a expressão do sufrágio. Somente dessa maneira o voto poderá ser manifestação de um juízo e de uma escolha e não simples aclamação e investidura plebiscitária.

Teoricamente, o juízo e a escolha podem exercer-se tanto sobre pessoas quanto sobre programas e ações políticas. Na prática, especialmente no sistema representativo brasileiro, incidem sobre os representantes eleitos. O que é apresentado à avaliação dos eleitores não é tanto a imagem partidária quanto a pessoa do candidato. Nossos partidos não possuem unidade ideológica consistente e, por isso, definem suas posições pela viabilidade eleitoral e não pela unidade programática. Essa é a razão pela qual ocorrem todos os tipos de composições durante as eleições e mesmo depois de efetivadas. É puramente a lógica da oportunidade e da conveniência que as regula.

A ausência de verdadeiros partidos políticos em nosso meio explica em grande parte a precariedade do sistema representativo brasileiro. Considerando que as eleições consistem num juízo e numa escolha, ambos se exercem sobre o comportamento individual. Nada mais inconstante e imprevisível do que a conduta humana. Quando votamos, julgamos pessoas e as confirmamos no seu posto de representantes ou revogamos seu mandato. Como nosso juízo é estabelecido totalmente sobre uma promessa, não há nada que garanta seu cumprimento. Se votássemos em propostas partidárias, haveria estruturas institucionais responsáveis pela realização dos planos.

Assim como no direito privado o representado pode revogar os poderes que delegou ao seu representante legal, é fundamental que na representação política também existam mecanismos de controle sobre a ação dos representantes eleitos pelo povo. No caso brasileiro, podemos constatar que os mecanismos de controle sobre a ação dos representantes são precários. Os eleitores não têm como revogar o mandato de seus representantes quando a ação destes se distancia da vontade daqueles que os elegeram. Mesmo que o Presidente, o Governador ou o Prefeito eleitos não realizem as obras com as quais se comprometeram na campanha, ou que os senadores, deputados e vereadores não cumpram uma única de suas promessas, nada há para ser feito a fim de destituí-los de suas funções. Com isso, fica comprometido o próprio conceito de representação política, que pressupõe a sintonia entre a ação do representante e a vontade do cidadão.

Para que se desenvolva em nosso meio o sentido legítimo de representação política, precisamos desenvolver a cultura participatória dos cidadãos, criar partidos políticos que não sejam simples clubes de conveniência e extinguir o governo do segredo (a política dos gabinetes).

* José Luiz Ames é doutor em Filosofia e professor da Unioeste/Campus de Toledo.

É possível o voto consciente?

by Francisco on segunda-feira, 14 de agosto de 2006

José Luiz Ames

Todos os candidatos cobram dos eleitores um “voto consciente”. Poucos, porém, se preocupam em detalhar esta exigência no sentido de mostrar o que entendem por isso. O que é um voto consciente? Em que condições é ele possível?

Todos os candidatos cobram dos eleitores um “voto consciente”. Poucos, porém, se preocupam em detalhar esta exigência no sentido de mostrar o que entendem por isso. O que é um voto consciente? Em que condições é ele possível?

Trata-se, sem dúvida, de um problema complexo cuja solução excede em muito o espaço desta reflexão. Penso, no entanto, poder contribuir para o seu esclarecimento e é com esse objetivo que faço as considerações a seguir. Realizar um ato consciente pressupõe a existência de três elementos: a) pleno conhecimento do seu conteúdo; b) liberdade para efetivá-lo; c) vontade deliberada de praticá-lo. No presente caso, a ação a ser levada a efeito é o voto. Cabe-nos, então, examinar se estes aspectos têm como se fazer presentes no exercício do voto.

Inicialmente, quanto ao conteúdo do voto: o que eu preciso saber para votar de forma consciente? Em primeiro lugar, é necessário conhecer as propostas do candidato. Quanto a isso, é preciso examinar, ao menos, o seguinte: as propostas são viáveis ou são promessas vazias? A quantidade das propostas é compatível com o volume de recursos e o tempo disponível? Respondem à ordem das prioridades e urgências de interesse da maioria ou são em benefício de grupos minoritários? O comportamento mais comum da parte dos candidatos é impressionar os eleitores com uma relação de propostas sem mostrar como será possível realizá-las. São, na verdade, promessas vazias. Em segundo lugar, é preciso conhecer a própria pessoa do candidato. Quais ações desenvolvidas por ele o credenciam para o exercício do cargo pleiteado? É somente uma pessoa de prestígio ou já demonstrou possuir capacidade administrativa para o exercício do cargo pretendido? Quais os valores que defende? É alguém de convicções firmes ou muda ao sabor das conveniências? Pode comprovar sua honestidade e integridade ou seus negócios estão repletos de sombras?

Quanto à liberdade de voto: um ato consciente requer a ausência de quaisquer constrangimentos para sua efetivação. Podem os eleitores decidir sem medo de retaliação futura? Quando há um candidato apoiado pela situação, cabe questionar: os servidores públicos podem externar sua opinião, quando contrária ao candidato situacionista, sem receios sobre sua situação futura? Afeta também a liberdade a oferta de bens ou serviços em troca do voto. O candidato que compra o voto constrange a liberdade do eleitor. A liberdade é comprometida ainda pela manipulação das informações durante a campanha. Isso pode acontecer através de diferentes modos: por pesquisas de intenção de voto “encomendadas” para iludir os eleitores e induzi-los à determinada opção; pelo emprego de técnicas de propaganda para realçar os aspectos mais atraentes e esconder os negativos; pela intimidação dos adversários.

Por fim, o voto consciente exige que o eleitor tenha a vontade deliberada de praticá-lo. Votamos porque estamos convencidos da importância do ato ou porque a lei nos obriga? Não parece ser possível votar de forma consciente quando se é constrangido a isso, ainda que o seja pela força da lei.

As considerações acima revelam as limitações da campanha política no sentido de levar o eleitor a um voto consciente. Ainda que ele acompanhe a propaganda eleitoral no rádio e na TV, participe dos debates, leia os materiais de divulgação, dificilmente estará suficientemente consciente de todos os aspectos envolvidos no voto. É bom que se diga que o problema não está na dificuldade de compreensão do eleitor, e sim na forma como os candidatos desenvolvem sua campanha.

Pessoalmente estou convencido de que o voto (ainda) é determinado muito mais por estratégias de êxito dos “marqueteiros” da campanha do que pela consciência dos eleitores. Num jogo de sombras e luzes, a eleição transformou-se num grande espetáculo no qual interessa convencer os eleitores e não expor a verdade. Dane-se a viabilidade das propostas, pensam candidatos! Afinal, quem se lembra ainda das promessas da eleição passada, feitas e não cumpridas? Quando o questionamento surge, sempre é possível uma boa explicação para a inexplicável omissão na execução das propostas. Basta um eficiente jogo de sombras e luzes. Vote consciente, se for possível!

* José Luiz Ames é doutor em Filosofia e professor da Unioeste/Campus de Toledo.

O público e o privado nas eleições

by Francisco on sexta-feira, 4 de agosto de 2006

José Luiz Ames

O horário da propaganda eleitoral no rádio e na TV dos candidatos, especialmente daqueles que disputam cargos executivos, em geral dedicam boa parte do tempo à exposição da sua vida privada. Por que os candidatos exploram essa questão no horário eleitoral? Qual importância tem para a atividade política a vida privada dos candidatos?

Colocar candidatos a falar de si mesmos, a apresentar suas supostas qualidades e a discorrer sobre os pontos altos das próprias biografias é uma estratégia comum de “marqueteiros políticos”. Estratégia comum, mas de escassa utilidade para o eleitor, pois cada candidato seleciona de sua biografia unicamente o que lhe parece possuir de melhor. Ninguém fala das suas limitações, muito menos dos aspectos que poderiam merecer críticas.

É exatamente sobre este último ponto que pretendo tecer minhas considerações. O que leva um candidato a expor a sua vida privada em público? Difícil acreditar que seja o desejo de se mostrar por inteiro aos eleitores. Como ninguém revela a intenção que está por detrás desta exposição, deixam caminho aberto a que especulemos sobre isso.

A exposição da vida privada transforma o horário de propaganda eleitoral num espetáculo patético. Ao exporem detalhes da vida íntima, os candidatos convidam os eleitores para adentrarem em todas as dependências de suas casas. Nem mesmo o quarto do casal, com seus segredinhos e suas cumplicidades, fica excluído. É uma invasão da privacidade, consentida e até solicitada pelos candidatos, que envergonha até as pessoas mais destituídas de pudor. Esta prática somente teria sentido se o pleiteante ao cargo executivo tivesse de ser para seus cidadãos um bom pai ou um bom marido. Suponho que nenhuma esposa e nenhum filho dos candidatos o desejaria “emprestar” para isso! Talvez seja, numa interpretação psicanalítica, o que se chama de “ato falho”: os candidatos revelam sua concepção paternalista do Estado. Na condição de “pais”, têm o dever de preocupar-se com a saúde espiritual, moral e material dos “filhos” e, portanto, o dever de intervir na formação de sua personalidade, a fim de dirigi-la no rumo do bem. Não é preciso muita inteligência para perceber que esta visão esconde a idéia de que os cidadãos são considerados eternos menores dependentes do “pai” governante. No fim das contas, é o que desemboca no despotismo. Infeliz o povo que tem governantes desse nível!

Ao misturarem o privado e o público, os candidatos passam a seguinte mensagem aos eleitores: todo seu passado da vida privada deve ser objeto de avaliação no momento do voto. Cada um, agora, está autorizado a pedir explicações da vida íntima deles. Além de ser uma invasão indevida na esfera privada, traduz o desconhecimento do significado de “homem público” que a função pleiteada implica. O espaço público, esfera em que o candidato eleito atua, diz respeito ao que é visível a todos, àquilo que é comum a todos. O homem público não torna públicas suas desavenças com a esposa, as discussões com os filhos, suas crises de fé. Faz em público apenas aquilo que o "público" está em condições de compreender, o que tem alguma função ou importância pública. Ou seja, aquilo que não exige que aquele que o ouve e vê o conheça e aquilo que pode interessar a quem não o conhece. Qualidades e defeitos morais que atingem o comportamento dos homens públicos como pais, maridos, fiéis de alguma igreja, têm importância unicamente na esfera privada.

Ao exporem suas vidas íntimas, os candidatos prestam um desserviço à formação da cidadania. Tomara que não seja uma estratégia para desviar os eleitores do principal: o que pensam da vida política, o que pretendem no exercício do cargo e como imaginam viabilizar suas propostas sem truques nem ilusões. Seria triste se o pretendido fosse um jogo de ocultação, pois a utilização de argumentos da vida privada para obter vantagens para a vida pública ou é irresponsabilidade ou é manipulação. Nos dois casos são confissões de inaptidão ao exercício de funções públicas.

* José Luiz Ames é doutor em Filosofia e professor da Unioeste/campus de Toledo.

Democracia e eleições: para que serve propaganda eleitoral?

by Francisco

José Luiz Ames

Nas democracias representativas ocidentais, o mecanismo eleitoral é o instrumento fundamental do exercício da soberania pelo povo. Nossa tradição democrática tem limitado, com raras exceções, o exercício do voto sobre candidatos e não sobre temas ou propostas. O problema que a existência de grandes aglomerados humanos levanta é como escolher dentre um vasto leque de candidatos aqueles que deverão representar o conjunto dos cidadãos. O mecanismo encontrado por nossos legisladores é o da instituição de um horário de propaganda eleitoral no rádio e na televisão. Imaginaram os legisladores que, desta maneira, cada candidato poderia se apresentar aos eleitores e discutir suas propostas. Qual é a impressão que o horário de propaganda eleitoral deixa?

O desfile de rostos e vozes através da propaganda eleitoral na TV e no rádio deixa uma sensação de desespero. É como se estivessem pedindo socorro à beira de um abismo. Voz e olhar são de súplica. Nos dez a quinze segundos que cada candidato dispõe, ele consegue dizer o seu nome, seu número, pedir o voto para si e pronunciar mais três a quatro palavras soltas. Ultimamente, exigiram deles ainda que durante os poucos segundos pedissem voto ao seu candidato ao cargo majoritário!

É preciso admitir que é difícil escolher alguém a partir do que se ouve e vê na propaganda eleitoral. Ao menos não em base ao que deveria ser o critério da decisão: as propostas dos candidatos. E por uma razão óbvia: ninguém apresenta propostas. As palavras soltas que se ouvem (“mais creches”, “mais saúde”, “mais educação”, “mais segurança”, etc.) são absolutamente inúteis para estabelecer um juízo.

Submeter candidatos à semelhante vexame é um insulto à decência. O eleitor fica com a impressão de que são todos ocos de propostas simplesmente porque o tempo de que dispõem não lhes permite dizer sequer uma frase completa com sentido. Os dois comportamentos mais freqüentes em relação ao horário da propaganda eleitoral que podem ser constatados, ambos inadequados dada a importância do evento, têm sido estes: desligar o rádio ou a TV durante os minutos do programa; ou manter os aparelhos ligados para fazer chacota das figuras que desfilam. Alguns, e me incluo entre eles, mantêm os aparelhos ligados, não para satisfazer a vontade de zombar, mas levados por um sentimento de tristeza: cada um diz que é amigo, que o conhecemos e quer nossa ajuda. Como não sabemos de que maneira podemos ajudar a todos e como não conseguimos escolher um preferido, nos deprimimos diante da nossa impotência.

Considero que a propaganda eleitoral no rádio e na TV, nos moldes atuais, é inútil para a finalidade para a qual foi criada. É vexatória para os candidatos e motivo de irritação para os eleitores. Nada acrescenta à formação do espírito de cidadania. Urge pensar um formato que permita a cada candidato dizer o que pensa e apresentar o que pretende, mesmo que, para tanto, possa fazer uma única aparição em todo período de propaganda eleitoral.

* José Luiz Ames é doutor em Filosofia e professor da Unioeste/campus de Toledo.

Democracia e segredo

by Francisco on terça-feira, 1 de agosto de 2006

José Luiz Ames

A democracia, como sabemos, significava nas suas origens gregas “poder do povo”. O povo exercia o poder diretamente na assembléia ao ar livre, decidindo as questões publicamente. Na passagem da democracia direta (dos antigos) para a democracia representativa (a atual), desaparece a praça, mas não a exigência de dar publicidade às decisões. Assim, podemos dizer que a idéia de democracia está intrinsecamente relacionada ao caráter público das decisões.

Paradoxalmente, o poder ama o segredo. Na sua forma mais autêntica, o poder político sempre foi concebido à imagem e semelhança do poder de Deus, que é onipotente exatamente porque Ele vê tudo sem ser visto por ninguém. Por isso, quem exerce o poder sente-se tanto mais seguro de obter os efeitos desejados quanto mais invisível se torna àqueles aos quais pretende dominar. Ocultar as intenções e dissimular os propósitos, parece ser a chave do êxito. Sempre foi considerada uma das virtudes do soberano o saber simular, isto é, fazer parecer aquilo que não é, e saber dissimular, isto é, não fazer parecer aquilo que é.

A técnica do poder secreto adota duas estratégias complementares: subtrair-se à vista do público no momento em que são tomadas deliberações contrárias à vontade do grande público; e a encenação quando é obrigado a apresentar-se em público. A encenação serve-se, sobretudo, da linguagem que, adequadamente usada, permite ocultar os verdadeiros propósitos. Esta ocultação pode ocorrer de duas maneiras: usando uma linguagem compreensível somente àqueles que pertencem ao círculo íntimo do poder; ou então usando uma linguagem comum para dizer o oposto daquilo que se pensa.

O desafio democrático é vencer a técnica do poder secreto. Democracia e segredo são inconciliáveis. A democracia somente é real quando os governos são obrigados a prestar contas das suas decisões ao público. Dessa maneira, tornam impossível a prática do “segredo de gabinete” próprio dos regimes despóticos. Kant, filósofo alemão do século XVIII, aponta para a razão fundamental da condenação à prática do segredo na política: “uma máxima que eu não possa confessar publicamente sem provocar a resistência imediata de todos contra o meu propósito não pode explicar essa reação necessária e universal de todos contra mim a não ser pela injustiça com a qual ela ameaça a todos” (À paz perpétua, p. 73).

O pressuposto dessa afirmação kantiana é claro: manter em segredo um propósito, um pacto, ou qualquer providência pública é, por si só, uma prova da sua ilicitude. A fim de que o princípio da publicidade possa ser realizado pelo político, é preciso que o poder público seja controlável. Esse controle, como sabemos, só é possível naquela forma de governo na qual o povo tem o direito de participar ativamente da vida política.

A visibilidade de todos os atos de governo é a característica mais nítida da democracia. Na estrutura física na qual funciona um governo democrático não deveriam existir gabinetes. Eles são o símbolo da ocultação, do segredo. Somente déspotas se escondem do povo. Apenas quem quer acobertar privilégios toma decisões em salas fechadas. A única coisa secreta numa democracia deveria ser o voto do cidadão.

* José Luiz Ames é doutor em Filosofia e professor da Unioeste.

Democracia e a regra da maioria

by Francisco

José Luiz Ames

A opinião comum é de que democracia e princípio majoritário são conceitos equivalentes. Esta sobreposição deriva da equivocada interpretação da definição clássica da democracia como governo da maioria. Contudo, quando Aristóteles define democracia como governo da maioria, ele quer dizer que o poder político está nas mãos de muitos em oposição ao poder de um só ou de poucos, mas não, em absoluto, que o poder político é exercido mediante a aplicação da regra da maioria.

Os argumentos a favor da regra da maioria para a tomada de decisão podem ser reduzidos a dois fundamentais. Conforme o primeiro argumento, a regra da maioria seria justa porque permitiria, melhor do que qualquer outra, a realização de alguns valores fundamentais como a liberdade e a igualdade. Aparece, pois, como um remédio contra a eleição de um autócrata que não respeita a liberdade dos cidadãos nem os reconhece como iguais. Conforme o segundo argumento, a regra da maioria seria justa porque permitiria chegar a uma decisão comum entre pessoas que têm opiniões distintas. Aparece, pois, como um expediente técnico e um remédio eficiente contra a exigência da unanimidade.

Em relação ao primeiro argumento, de que o que caracteriza a democracia é a autodeterminação ou o consenso do maior número, é preciso observar o seguinte. Para que se possa afirmar que um sistema é democrático não basta saber que a regra da maioria maximiza a autodeterminação e, portanto, o consenso, mas é necessário saber quantos e quem são aqueles que se beneficiam das vantagens do princípio da maioria. Quer dizer, é bem possível que uma decisão, mesmo quando tomada pela maioria, beneficie os interesses de grupos e não a universalidade. Isto é particularmente verdade, porque o voto pressupõe uma série de condições que raramente ocorrem na prática: garantia de liberdade de manifestação, pluralidade de formação política, voto secreto, etc.

Em relação ao segundo argumento, de que na democracia prevalece a vontade da maioria contra a da minoria, é preciso ponderar o seguinte. Ainda que o ideal do consenso unânime não seja possível e, por isso, a regra da maioria seja o único modo de formação de uma vontade coletiva, é preciso notar que ela não pode sufocar o dissenso. Quer dizer, é bem possível que uma decisão, mesmo que seja tomada pela maioria, não seja democrática. Isto é particularmente verdade quando ela implica na proibição da manifestação da minoria na defesa de seus interesses.

A regra da maioria não é sinônimo de democracia. Se fosse, teríamos que chamar Cuba de Fidel Castro de democracia, pois lá o Parlamento é eleito com números próximos à unanimidade! Para que a regra de maioria seja um instrumento democrático é preciso que a decisão possa ser tomada sem receio de punições, exista livre debate das posições antagônicas, e seja assegurado às minorias plenos direitos, inclusive de derrubar os dirigentes. Pelo voto! A decisão da maioria só é democrática quando expressa o interesse da coletividade. Decisões de maioria que criam privilégios são ofensas à democracia e deveriam ser desobedecidas. É a desobediência civil legítima.

* José Luiz Ames é doutor em Filosofia e professor da Unioeste, campus de Toledo.

Democracia e não-violência

by Francisco

José Luiz Ames

Quando falamos em democracia, o que nos vem à mente? A primeira coisa é o dia das eleições com suas longas filas de cidadãos a espera de sua vez para votar. Quando o noticiário apresenta a queda de uma ditadura, o anúncio de maior impacto é o da data das eleições dos novos governantes. Democracia, entre nós, está associada intrinsecamente ao voto. Não, porém, o voto para decidir, mas para eleger quem deverá decidir por nós!

Esta imagem de democracia é bem diferente daquela que dominava entre os antigos atenienses, na qual esta forma de governo nasceu. Para aquele povo, por volta do século V antes de Cristo, a idéia de democracia estava associada a uma praça, ou assembléia na qual os cidadãos eram chamados a tomar eles mesmos as decisões que lhes diziam respeito. Democracia significava o que a palavra designa literalmente: “poder do povo” e não o que significa hoje, “poder dos representantes do povo”.

Todas as constituições democráticas atuais, inclusive a nossa, afirmam que o povo é “soberano”. No entanto, de tudo aquilo que se decide ou se trama no subsolo da vida política, o “povo soberano” não sabe absolutamente nada, e aquilo que sabe está quase sempre errado. Assim, na medida em que é negado ao cidadão comum o acesso à decisão política, na prática ele passa de soberano a súdito.

As sociedades democráticas atuais estão construídas sobre um duplo fundamento. Primeiro, o pacto de não-agressão de cada um com todos os outros. Segundo, o dever de obediência às decisões coletivas tomadas com base nas regras do jogo de comum acordo preestabelecidas. Dentre estas regras, a principal é aquela que permite solucionar os conflitos que surgem em cada situação sem recorrer à violência recíproca. Para serem eficazes, as duas bases da democracia precisam ser garantidas por um poder comum, o Estado.

A democracia é a conservação e o aperfeiçoamento contínuo de determinadas instituições, particularmente as que oferecem aos governados a possibilidade de criticar os seus governantes e substituí-los sem derramamento de sangue. O principal instrumento democrático para dispensar os governantes e obter reformas sem recorrer à violência é a eleição geral. Na prática, só existem duas formas de governo: a democrática e a tirânica. O que as distingue é o fato de que somente na democracia é possível derrubar o governo sem recorrer à violência. A violência gera sempre maior violência. E as revoluções violentas matam os revolucionários e corrompem os seus ideais. Os sobreviventes são apenas os mais hábeis especialistas na arte de sobreviver.

Em essência, na base da sociedade democrática estão a liberdade e a justiça, mas nesta mesma ordem. Isto é, numa sociedade livre, mediante a crítica intensa e reformas sucessivas, também se poderá caminhar para a justiça, ao passo que, nas ditaduras e tiranias, onde não é possível a crítica, a justiça tampouco será alcançada. Neste tipo de sociedade, haverá sempre duas classes de homens: a minoria dos servos do tirano (privilegiados) e a maioria dos excluídos. Num ano em que teremos eleições gerais, isto é algo que nos deveria fazer pensar!

* José Luiz Ames é doutor em Filosofia e professor da Unioeste.

Perguntas super-interessantes sobre Software Livre

by Francisco on domingo, 11 de junho de 2006

Francisco Antônio de Andrade Filho

Neste novo tempo do Ciberespaço, descobrimos a habilidade de alunos e amigos se conectando em busca de informação, de novas formas de pensar, interagir e viver. Juntos, percebemos o poder e a fragilidade, com ética e sem ética, das tecnologias digitais da inteligência humana. Conseguimos registrar perguntas super-interessantes sobre Software Livre em confronto com o Software Proprietário. E à luz da Filosofia, indagamos e buscamos respostas em aberto. Diretor do HackerTeen, professor e aluno, tecemos um diálogo da cidadania digital.

O que representam para a inteligência e o conhecimento, os meios informáticos? Seriam valores, a capacidade técnica de fragmentar os modos de ser e pensar estabelecidos, hoje, e fazer emergir novos espaços para a cultura a serviço da Humanidade? Como é possível viver os desafios dos computadores inteligentes que incluem e excluem o homem do mercado de trabalho? Seria possível garantir a segurança computacional com as novas tecnologias da inteligência?

Os velhos, jovens, homens e mulheres de todas as idades, sabem muito bem que vivemos numa época singular, marcada pela enorme criação de riqueza, pela explosão das inovações e ao mesmo tempo marcada pelo sentimento agudo de alienação e isolamento, que ocorre quando os efeitos da informática, como, por exemplo, a economia globalizada, atingem os indivíduos que ainda não tiveram acesso à modernidade.

Destacamos um tópico de Ética, escrito por Baruch de Espinosa (1632-1677), assim:

Mas como os homens no começo, com instrumentos inatos, puderam fabricar algumas coisas muito fáceis, ainda que laboriosas e imperfeitamente, feito que, fabricaram outras coisas mais difíceis, com menos trabalho e mais perfeição, passando gradativamente das obras e instrumentos, para chegar a fazer tantas coisas e tão difíceis com pouco trabalho, também o intelecto, por sua forma nativa, faz para si instrumentos intelectuais e por meio deles adquirir outras forças para outras obras intelectuais, graças às quais fabrica outros instrumentos ou poder de continuar investigando, e assim prosseguindo gradativamente até atingir o cume da sabedoria. (Ética: 26).

E pesquisamos Uma questão de Liberdade: Software Livre versus Software Proprietário, artigo de Ricardo Amaro, disponível em , acessado em 30 Abril 2005. Atento, e com muita paixão, li este artigo, pensando e indagando como os nossos leitores. Seria ético, o Software “fechado”, com “total controle de todos os tipos de comunicação e dados de outrem”? O que podemos dizer sobre esses pensamentos do Ricardo?

Em tudo... Desde o software que recebe o pedido da mesa no restaurante, à transferência bancária via Internet, passando pela conversa amena no sistema de chat ou pelo curriculum que se escreve num processador de texto, os programas informáticos tocam os destinos de todos nós. [...] Por contraponto podemos falar de outro processador de texto, que faz exactamente a mesma coisa e mais um "par de botas", abre e guarda todos os formatos de texto, não custa nada a não ser o tempo de o instalar, podemos verificar o que o programa faz exactamente olhando para o seu código, podemos partilhá-lo com amigos, empresa, família e acima de tudo não nos obriga a registar o nosso nome nem os nossos dados.

No Netclass, do Programa HackerTeen (São Paulo), ministrava aulas de Ética, à distância, o Diretor Marcelo Marques desta Escola, e este professor, produzimos um diálogo com o aluno, Leandro Martins Morani, da Faixa Verde G02.

Questões inteligentes, respostas hábeis. Nenhuma delas, fechadas. Discutimos esta problemática do Software Livre versus Sofware Proprietário, assim:

- Francisco: O que representam para a inteligência e o conhecimento os meios informáticos? Seriam valores, a capacidade técnica de fragmentar os modos de ser e pensar estabelecidos, hoje, e fazer emergir novos espaços para a cultura a serviço da Humanidade?

- Leandro: Sim. A informática representa uma ferramenta prática a favor da evolução da inteligência e do conhecimento humano. Os meios informáticos permitem ao homem se aproximar de outras culturas, expandindo os horizontes do saber, derrubando fronteiras, unindo cada vez mais pessoas. Infelizmente, toda essa evolução se faz prejudicial para quem ainda não teve acesso à tecnologia. É importante um crescimento organizado e também o compartilhamento do conhecimento.

- Francisco: Como é possível viver os desafios dos computadores inteligentes que incluem e excluem o homem do mercado de trabalho?

- Leandro: Durante a História, o homem sempre se viu frente a desafios aparentemente impossíveis da serem superados, mas, na maioria das vezes, obteve sucesso. O desafio da nossa era é o uso cada vez maior dos computadores inteligentes, que incluem poucos e excluem muitos profissionais no mercado de trabalho. Vejo a solução no Software livre, que tem, hoje, um papel importante na inclusão digital.

- Francisco: Seria possível garantir a segurança computacional com as novas tecnologias da inteligência?

- Leandro: Sim. Toda mudança, não importa qual, traz riscos. Risco de não adaptação, risco de insegurança com o novo. O mundo está cada vez mais computadorizado. Esse novo estilo de vida traz, logicamente, seus riscos. Uma sociedade interconectada permite acesso fácil a muitos dados e informações, e, pessoas sem um pensamento em prol da evolução, aproveitam a fragilidade alheia para tomar posse do que não as pertence. Por outro lado, existem pessoas e entidades dispostas a formar cidadãos que tenham como objetivo garantir a segurança da sociedade. O HackerTeen é um exemplo, dentre tantos outros. Enquanto houver gente de bem, será possível garantir a segurança computacional.

- Francisco: O Software Livre é mais confiável? Deveria ter donos? E nos governos?

- Leandro: O Software Livre, como já disse anteriormente, pode ser a solução para a exclusão digital. Se ele é ou não mais confiável, é relativo, depende muito de quem usa. O Software Livre tem dono: a comunidade. Todos trabalhando para seu desenvolvimento, para torná-lo forte frente às poderosas corporações que dominam o mercado hoje. Os governos, de todas as cidades e países devem apoiá-lo. Não faz sentido que o dinheiro dos nossos impostos vá parar nas mãos de empresas. A política de software livre dentro dos governos permitirá melhores investimentos em saúde e educação.

- Marcelo Marques: As leis de patentes e direitos autorais utilizadas pelas empresas são utilizadas de forma ética?

- Leandro: De certa forma, sim. Os criadores têm direito de cobrar por suas criações. Porém, acho errado que se cobrem licenças de uso, fazendo o cliente pagar não só pelo produto, mas pagar “eternamente” pelo software adquirido. Vejo isso como exploração.

- Marcelo Marques: O Software Livre é mais ético que o software proprietário?

- Leandro: Acredito que sim. O Software Livre opera recursos que aproximam cada vez mais pessoas de diversas áreas do conhecimento, enquanto que o software proprietário não permite o auto-desenvolvimento dos seus clientes a partir do momento em que os usuários não têm acesso ao seu código-fonte. O Software Livre favorece o crescimento do homem como ser social.


E Software Livre e o Software Proprietário, os dois, serão fontes de felicidade humana. E o reino da liberdade se instalará, e com ética, na Aldeia Global.

* Francisco Antônio de Andrade Filho é Doutor em Lógica e Filosofia da Ciência, na área de Filosofia Política, pela UNICAMP/SP. Professor Titular, aposentado da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Docente em Filosofia na Faculdade Maurício de Nassau, nos cursos de Administração, Direito, Comunicação Social e Enfermagem. Membro do Comité de Ética de Pesquisas em seres humanos, do Hospital Oswaldo Cruz – UHOC-UPE.

Como a TV Influencia as Crianças no Mundo Atual

by Francisco on sexta-feira, 9 de junho de 2006

Stella Menegolo

O mundo vive rápidas transformações em função das revoluções tecnológicas, nas quais a televisão tem um papel preponderante. Entre outros fatores, nos quais podemos dizer que esses encantos fazem com que as crianças passem boa parte do tempo diante da TV.

A TV pode e até deve ser utilizada como meio didático, já que é através dela que a criança recebe informações. As exibições constantes de "traição, violência e outras degradações morais provocam um conformismo e os espectadores passam a achar tudo isso muito comum". Desta forma a TV altera as percepções e valores, onde as suas funções e conceitos e não estão de acordo com o que aprendemos, vemos e ouvimos.

Em sua função a TV também precisa ser estudada dialeticamente aonde, a questão fundamental é de saber como as mensagens e o sujeito se constituem e de que maneira se confrontam.

A criança quando nasce é uma "tábua rasa" que vai consecutivamente aprendendo informações resultante das sucessivas experiências vividas em contacto com o meio. Em geral as crianças começam a ver desenhos animados aos 02 anos de idade, aos 06 já estão habituadas a elas e aos 6-11 vão conquistando a maioria. As crianças mais novas vêm os desenhos animados de forma nítida, que ajudam em sua compreensão e prende a toda a atenção.

Inconscientemente a criança exorciza seus medos, desenvolvendo suas
estruturas mentais. A criança entende valores como justiça, esperança ou abandono na linguagem mágica do "faz-de-conta". As novelas também atraem as crianças pois elas falam sobre a identidade social, como por exemplo: a procura de um filho trocado na maternidade, problemas de incesto, problemas de vida e morte.

No que se diz respeito aos desenhos animados, uma grande quantidade de violência está presente neste tipo de programação e que afeta bastante, significando uma forte influência nas crianças. Essa influência pode acompanhá-la até uma idade avançada e mais tarde a cometer violência.

Com toda a influência desse meio de comunicação, consequentemente, mudaram-se os costumes e o cotidiano dos lares. talvez não seja atrevido dizer, com apoio absoluto da maior parte da população mundial, que a televisão é nada mais nada menos que a mídia mais importante no cotidiano das pessoas. A Televisão é cultura para uns, destruição e violência para os outros.

A TV constitui um objecto de culto para as crianças, e está sendo cada vez mais substituidas pelos pais, pois os mesmo não tempo; a TV ´pode ser assim chamada de Babysistter, que desperta a atenção. Mas cabe aos pais, prestar atenção ao que seu filho assistia na Tv, impondo-lhe ordens.

As crianças interagem com a TV e elaboram suas representações de acordo com seu universo biopsicossocial. E partindo dessa influência que a TV exerce, principalmente em desenhos animados para as crianças, é importante que os pais saibam o que o seu filho está assistindo e interpretando sobre o desenho. Pois em sua maioria, os desenhos animados remetem conteúdos de:

- vencedor/perdedor

- bem/mal, etc... podendo prejudicar na educação familiar.

Objetivos:

De fornecer alternativas para o intercâmbio cultural entre Universidades, Escola e Sociedades.

Objetivos Especificos

1. Levantar referencial teórico atualizado sobre a relação TV/criança

2. Identificar os diferentes tipos de produção cultural presente na televisão.

3. Investigar as diferentes formas de manifestações dos folguedos infantis, antes e depois do advento da TV.


Considerações Finais

A criança substitui a falta de criatividade e a rigidez da escola pela beleza da cor e do movimento da TV. As imagens recolhidas pela criança têm um papel preponderante na sua formação e nos seus comportamentos futuros.

*Stella Menegolo é aluna do Iº Período do Curso de Direito da Faculdade Maurício de Nassau/Recife-PE.

Maquiavel: A Vitória sem Memória

by Francisco on terça-feira, 6 de junho de 2006

José Luiz Ames

Na aurora do Estado moderno um problema crucial era conseguir manter o poder num quadro institucional em que, no lugar do Direito, prevalecia a força. A conquista do mando supremo acontecia às custas da eliminação física dos outros pretendentes ao cargo. Num tal contexto, qual a maneira mais eficaz de lidar com os inimigos políticos? Maquiavel coloca-se este problema e mostra como ele tem sido resolvido pelos governantes que alcançaram êxito. Não se trata de uma recomendação moral. O que está em questão é saber como manter sob controle o poder conquistado.

A tese de Maquiavel é a seguinte: quem conquistou o poder numa luta ferrenha contra seus antigos ocupantes, “deve observar duas regras: extinguir os antigos governantes e manter as leis e os tributos” (O Príncipe, cap. III). Como acabar com os antigos governantes? Está ali a segunda parte da “regra de êxito” do florentino: não se pode tomar meias medidas. Nas palavras do florentino, “é preciso mimar ou aniquilar os homens, porque eles se vingarão de pequenas ofensas, mas não poderão vingar-se de agressões definitivas” (O Príncipe, cap. III). O governante que pretende vencer não pode olhar para os meios que emprega. Quando ele persegue os antigos ocupantes do poder e seus simpatizantes, deve ser drástico. Para ganhar precisa matar toda lembrança antiga. Não pode deixar pedra sobre pedra. Precisa praticar a política da “terra arrasada”.

Maquiavel ainda se encarrega de avisar aqueles que, porventura, forem tomados de escrúpulos diante do tamanho da injustiça que precisam praticar para ganhar: “tem uma regra geral que nunca ou quase nunca falha: quem se torna instrumento para que outro se torne poderoso se arruína” (O Príncipe, cap. III). O governante que não destrói a lembrança do antigo mandatário não faz seu sucessor. Mais: ao deixar espaço para o inimigo, fornece alimento para que cresça e reconquiste o poder perdido.

Na atualidade, a eliminação física dos adversários políticos é exceção. Afinal, vivemos num Estado de Direito em que prevalece a lei no lugar da força. No entanto, a lógica que comanda a mudança no mando do poder de Estado permanece a mesma, em todas as esferas da administração pública. A primeira iniciativa do novo Prefeito, Governador ou Presidente, especialmente quando é de oposição, é apagar toda lembrança da gestão anterior. Para tanto, substituem-se todas as pessoas que ocuparam cargos gerenciais na estrutura de poder, mudam-se as placas de inauguração, trocam-se os nomes dos prédios e dos projetos, abandonam-se as obras que deram certo, difamam-se as pessoas que ocuparam o poder. Enfim, destroem-se todos os símbolos que possam evocar a lembrança da gestão anterior. É verdade, ninguém é morto. No entanto, há uma morte simbólica tanto das pessoas que atuaram na gestão precedente, quanto dos projetos por elas desenvolvidos.

Maquiavel escreveu isso olhando para a política tal como ela efetivamente acontecia. Ele jamais disse que “seria bom” se todos agissem assim. Infelizmente, muitos dos que o leram o interpretaram dessa maneira. Escondem-se atrás de uma falsa “Ciência Política” para encobrir sua ambição sem medida. Dizem que a “política é assim mesmo”, como se fosse uma fatalidade. Tudo passa a girar em torno da conquista do poder pelo poder. Em vez de a política ser um instrumento a serviço do bem-estar de todos, torna-se um fim em si mesma. Com isso ela se degrada e perde sua originária força organizadora do bem comum. Os seus agentes, os “políticos”, são execrados como parasitas, algumas vezes não sem razão.

* José Luiz Ames é doutor em Filosofia e professor da Unioeste, Campus de Toledo.

Maquiavel: É Melhor Prevenir ou Remediar?

by Francisco

José Luiz Ames

Como deve agir o governante em relação aos problemas que enfrenta na administração? Maquiavel procura iluminar essa questão comparando o trabalho do político com o do médico. O problema enfrentado pelo dirigente é semelhante à doença enfrentada pelo médico. A comparação é a seguinte: “no princípio, uma doença é fácil de ser curada, mas difícil de ser diagnosticada. Com o passar do tempo, não tendo sido nem reconhecida nem medicada, torna-se mais fácil diagnosticá-la, mas também mais difícil de curá-la” (O Príncipe, cap. III). Quando o câncer é diagnosticado logo no seu início, as chances de cura são praticamente plenas. Já quando está em estágio avançado....

Na política, explica Maquiavel, acontece algo semelhante. “Quando se percebe com antecedência os males que surgem, eles são curados facilmente. Quando, porém, por não terem sido identificados, se deixa que cresçam a ponto de todos passarem a conhecê-los, não há mais remédio” (O Príncipe, cap. III). Os problemas na política são como um câncer no corpo: quando o governante os deixa crescer, destroem os melhores planos que ele porventura possa ter.

A imagem utilizada por Maquiavel para explicar o modo de agir de um político é muito apropriada para entender nosso cotidiano. Notamos muitos dirigentes que parecem incapazes de perceber a gravidade de um problema. Estão inteiramente voltados às grandes metas de sua administração. Na verdade, os problemas não podem ser separados entre si conforme o tamanho. Tal como um câncer, o perigo está naquilo que o problema pode causar ao projeto político. Basta, por exemplo, uma licitação mal explicada para comprometer a honestidade de toda administração...

A verdadeira inteligência política está naqueles que têm a sensibilidade de perceber os grandes problemas no seu nascedouro. Estes são políticos predestinados ao sucesso, porque combatem os obstáculos na sua raiz. Os medíocres, infelizmente a maioria, “empurram com a barriga”. Pensam que “deixando rolar” as coisas se acomodem sozinhas. É o que geralmente acontece, só que da pior forma: como numa doença não tratada, amplia o quadro de deterioração da comunidade política.

O dirigente incompetente, aquele que não resolve no começo os problemas, é também perigoso. Assim como o médico que não diagnostica a doença em tempo pode levar o paciente à morte, o governante que não combate as dificuldades no nascedouro prejudica toda comunidade. Do mesmo modo que o conselho de classe cassa o diploma do médico fajuto, deveria existir um mecanismo para cassar o mandato do dirigente incompetente. O primeiro leva à morte uma pessoa. O último, conduz a coletividade inteira à falência!

* José Luiz Ames é doutor em Filosofia, e professor da Unioeste, Campus de Toledo.

A Bioética nos Serviços Público de Emergência: relato de uma experiência

by Francisco on segunda-feira, 6 de março de 2006

Gercineide Maria Jesus de Lemos

A Bioética nos serviços de emergência surge como forma de reflexão para os profissionais de saúde associada a ação integrada da tecnologia do saber. Os avanços tecnológicos motivam os que fazem saúde, a buscar aprimoramento profissional utilizando técnicas avançadas em pacientes que podem dar respostas satisfatórias a determinados procedimentos terapêuticos, rejeitando aqueles que são considerados sem “CHANCE”, justificado pela necessidade de proteger a vida humana.

Com os avanços tecnológicos surge novos paradigmas para a Bioética, os pesquisadores do mundo contemporâneo recorrem a novas conhecimentos técnicos. Observamos avanços na área da Biomedicina (Bernard, 1998), entre outros.

O serviço de emergência na sua maioria hoje passa por um processo desordenado de pessoas que necessitam de assistência á saúde, originárias de diversos lugares detentoras dos mais variados graus de instrução. Na maioria dos serviços públicos da SUS (Sistema Único de Saúde), informam ter déficit de servidores para o atendimento humanizado o que observamos são pessoas vestidas de branco por ser ali também campo da pratica de diversos cursos de saúde que ainda não encontram-se devidamente capacitados para um atendimento qualificado como é necessário em situações de emergência onde a vida e a morte se encontra lado a lado.Aos olhos de quem precisa de atendimento existe pessoas vestidas de branco e que podem atender as suas necessidade porem os abandonam encima de macas, cadeiras de rodas, bancos de madeira, papelão forrando o chão, gritam reclamam, mas sua voz não consegue chegar aos ouvidos de quem cuida, justificado por excesso de pacientes, trabalho.

É neste ambiente marcado pela dor, sofrimento, medo da morte, ansiedade, desejo de ser atendido como pessoa e não com simples objeto da pratica do fazer que surge transformação no agir humano, processo reflexivo da pratica do atendimento ao ser humano em sua totalidade, apoiado no seu objeto próprio da ética. A humanização na saúde precisa ser resgatada urgentemente.

Entendemos que a bioética precisa ser incorporada a todas as áreas de atendimento reforçando o agir humano, nas situações de emergência sua aplicabilidade é fundamental uma vez que o paciente ao chegar para atendimento recebe um cadastro e muitas vezes fica a espera nas condições desumanas já relatadas chegando mesmo a morte sem ter o direito de ser atendido como merecia ou o caso exigia, tomamos como exemplo um ato cirúrgico ou necessidade de Tratamento Intensivo ficando em cima de uma maca sem os devidos tratamentos requerido chegando a ser considerado sem condições de ir para a UTI por ser considerado em fase final. Ora se a eutanásia no Brasil é crime o que estamos assistindo afinal?

Torna-se imprescindível que os profissionais de saúde e as autoridades envolvidas façam uma avaliação do que está acontecendo com a saúde, refletindo sobre a luz da ética profissional e da bioética.


*Enfermeira, Psicóloga, Mestre, Professora da disciplina Ética Profissional do Curso de enfermagem da Faculdade Mauricio de Nassau. Coordenadora gestora do Curso de Enfermagem da Faculdade Mauricio de Nassau. Profª. de Ética e Deontologia e Enfermagem da Fun.de Ens. Sup. de Olinda FUNESO.

Desafios para a Educação de Alunos com Necessidades de Atenção Especial: o problema dos portadores do TDA/H

by Francisco on quarta-feira, 15 de fevereiro de 2006

José Luiz Ames

A “necessidade especial”, sobre a qual pretendo tecer algumas considerações, é chamada, tecnicamente, “Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade”. Este problema afeta, segundo os estudiosos, de 5 a 7 por cento das pessoas em idade escolar. A presente comunicação é muito mais uma reflexão sobre uma experiência de vida do que uma análise abstrata a partir de teorias educacionais. Embora esteja centrada na análise de uma “necessidade especial” específica, grande parte das considerações pode perfeitamente ser expandido para outras “necessidades especiais”.


1) Como se comporta um portador do TDA/H

O diagnóstico organiza os critérios conforme três “tipos” principais cujas características, no entanto, se confundem: o desatento, o hiperativo e o impulsivo. Os indivíduos manifestam níveis distintos do transtorno.

1.1) O desatento

a) Tem pouca atenção e, com freqüência, comete erros em trabalhos escolares e avaliações escritas por puro descuido. Examinando a prova que ela mesma fez, é capaz de apontar os próprios erros e até se aborrecer por ter cometido falhas tão tolas.

b) É comum perder a atenção no que o professor está falando e ficar pensando em coisas bem distantes das aulas. Costuma-se dizer que “voa” ou “viaja” nesses momentos. Essa mesma perda constante de concentração é o que dificulta, por exemplo, a leitura de um livro recomendado pela escola. Com freqüência precisa voltar a ler do início da página, pois é como se tivesse “dado um branco” no momento em que estava lendo um trecho.

c) Outras vezes, quando está fazendo algo que é do seu interesse (como ver TV, jogar videogame, etc.), é capaz de ficar tão concentrado que parece não escutar quando é chamado. Isso significa que o portador do TDA/H é capaz de ficar hiper-concentrado (se estiver interessado) ou, então, ficar desconcentrado (quando não tiver interesse).

d) Tem grande dificuldade de fazer as tarefas escolares sozinho, porque se distrai a todo instante, interrompe e leva muito tempo. Isso faz desses momentos verdadeiras batalhas entre pais e filhos.

e) Só funciona sob pressão, seja no que diz respeito às tarefas escolares, seja para estudar para provas. Essa pressão pode ser tanto a dos pais como a do tempo. Quer dizer, estuda apenas quando percebe que praticamente não tem mais tempo suficiente para fazer determinada atividade e se não fizer vai redundar em prejuízo.

f) É facilmente distraído daquilo que está fazendo. Por exemplo, basta que alguém chame o seu nome ou que ocorra um ruído diferente para que se perca quase completamente da tarefa que estava realizando, em especial se era uma leitura ou aula.

g) É em geral muito desorganizado com seus pertences e na maneira com que tenta fazer as coisas. Por isso, está freqüentemente perdendo objetos, como lápis, livros, etc. Costuma fazer várias coisas ao mesmo tempo, mas dificilmente completa alguma. Não lê um livro por completo, mas começa vários e lê partes de cada um.

h) Quando se pede a alguém com TDA/H que efetue 2 ou 3 tarefas ao mesmo tempo, ou que transmita um recado, freqüentemente haverá esquecimento de algumas das tarefas solicitadas.


1.2) O hiperativo

i) É muito ativo, inquieto, tem dificuldade de ficar sentado na sala de aula. Quando é forçado a ficar sentado, fica se revirando na cadeira o tempo todo.

j) Fala muito, é barulhento a ponto de perturbar a classe e ser freqüentemente advertido pelos professores.

k) Não consegue esperar sua vez, seja em jogos, filas, etc. Fala quando não deve, interrompe as pessoas, responde sem ouvir a pergunta por inteiro. Muitas vezes revela falta de tato, dizendo coisas inadequadas, que saem de supetão.

l) Apresenta um comportamento de busca constante de novidades e fortes emoções, como esportes radicais e outros desafios.

m) Costumam ser estabanados, derrubando os objetos por onde passam.

1.3) O impulsivo

n) Tem baixa tolerância à frustração. Insistentes, não suportam uma resposta negativa.

o) Impaciente, toma decisões precipitadas, e muitas vezes se arrepende logo em seguida. Impulsivo também para dirigir. Quando adulto muda freqüentemente de trabalho, relacionamentos ou residência.

p) É muito emotivo, tem freqüentes oscilações de humor e se irrita com facilidade.

q) No trabalho tem um rendimento abaixo do que seria capaz.

r) Tem baixa auto-estima.



2) Como a escola deveria lidar e como geralmente lida com esses alunos

Para facilitar a compreensão do que pretendo dizer, aquilo que está em itálico corresponde àquilo que penso ser a maneira como a escola efetivamente lida com os alunos portadores de TDA/H.

a) Treinamento e conhecimento sobre TDA/H

É essencial que os professores estejam conscientes que o problema é fisiológico e biológico por natureza. Essas crianças não estão deliberadamente tentando incomodá-los. Seu comportamento não é planejado para deixá-los loucos. Essa conscientização ajuda a manter a paciência, senso de humor e habilidade em lidar com comportamentos indesejáveis de uma maneira positiva.

A informação teórica dos professores é praticamente nula. Os cursos de licenciatura, no máximo, oferecem uma noção geral desse e de outros tipos de distúrbios. É, no entanto, insuficiente para embasar uma ação pedagógica conseqüente. Em virtude do fato de não conhecerem o assunto, escola e professores tratam esses alunos, muitas vezes, como indisciplinados, rebeldes, desleixados, incapazes e desinteressados. Os pais são chamados constantemente à escola devido ao comportamento do filho. Isto evidencia que não entenderam a diferença própria dessa forma de agir humana.

b) Estrutura escolar adequada

Alunos com problemas de atenção precisam de uma sala de aula estruturada. Eles precisam ter as tarefas escolares organizadas de maneira tal que possam ser divididas em partes, com o professor instruindo e mostrando como fazê-las diretamente a eles. Requer a presença de um monitor, isto é, de um auxiliar do professor para acompanhar a execução das tarefas dos alunos de modo individualizado. A escola precisa ter um serviço de apoio psico-pedagógico para auxiliar o professor e o aluno na resolução dos problemas.

Como a escola funciona? Não existe atenção individualizada. O professor atende seus alunos como se fossem uma massa informe. Tudo o que destoa da massa é convertido em indisciplina e remetido à coordenação ou direção. Não existem auxiliares de ensino para as situações em que ocorre a presença de alunos com necessidade de atenção especial.

c) Flexibilidade, comprometimento e vontade do professor em trabalhar com o aluno num nível pessoal

Isso significa disponibilizar tempo, energia e esforço extra para realmente escutar os alunos, dar apoio e fazer as mudanças e acomodações necessárias. O professor precisa adequar a metodologia de ensino às peculiaridades da pessoa.

Em geral, nossos professores são verdadeiras “máquinas ambulantes”: correm de uma sala para outra, de uma escola a outra. Muitos não conseguiriam confirmar sequer quantos alunos têm, muito menos conhecê-los um a um. Como, nestas condições, esperar que conheça e se envolva afetivamente com seus alunos?

d) Modificar tarefas, reduzir o trabalho escrito, rever a finalidade do sabido

Aquilo que uma criança comum leva 20 minutos para fazer, freqüentemente custa ao aluno portador de TDA/H horas para completar (especialmente os trabalhos escritos). É preciso permitir que o aluno faça um número razoável de exercícios e não necessariamente todos aqueles que estão na apostila ou que são exigidos dos demais colegas. Propiciar mais tempo para a execução das tarefas. Esses alunos muitas vezes sabem a informação, mas não conseguem escrevê-la, principalmente em testes. É necessário ser flexível e permitir que os alunos com essa dificuldade tenham tempo extra para fazer testes e/ou possibilitar que sejam testados oralmente ou, ainda, avaliá-los pelo conjunto de suas atividades. Diminuir os trabalhos e projetos escritos para esses alunos. Ser sensível ao extremo esforço físico que representa para eles escrever algo que parece muito simples para você ou os demais colegas.

Nossa educação é conteudista. O ensino médio, particularmente, está focado no vestibular, não na preparação para a vida. As escolas, de certa forma, estabelecem um “ranking” segundo o número de aprovações que seus alunos obtiveram no vestibular. Basta observar as faixas afixadas orgulhosamente na frente das escolas por ocasião em que são publicados os resultados dos vestibulares. Qual a importância daquilo que aprendemos? Para que serve mesmo? Um teste interessante é tentar resolver os exercícios da apostila de nosso filho. Se não sabemos, é porque não precisamos daquele saber. Honestamente, é difícil responder à pergunta do filho: “Para que preciso estudar isso?” Se não quisermos enganá-lo, deveríamos simplesmente dizer: “para passar no vestibular!”.E depois, para que serve? Se tivermos de ser absolutamente sinceros, “para ser descartado”. Significa que lidamos com conhecimentos descartáveis. Aprendemos uma montanha de coisas que jamais utilizaremos na vida. Aprendemos para jogar fora tão logo sua finalidade tenha se realizado. As baixas notas desmotivam e levam o portador da TDA/H a abandonar os estudos.

e) Limitar a quantidade de tarefas para casa

Tipicamente, nas casas de pessoas portadoras de TDA/H, a hora da tarefa é um pesadelo. Muitos professores mandam para casa todo trabalho que não foi terminado em sala de aula. É preciso lembrar que, se o aluno foi incapaz de completar a tarefa durante a aula, provavelmente não vai completá-la em casa.

f) Sensibilidade do professor para não constranger ou humilhar alunos na frente de seus colegas

A auto-estima das pessoas portadoras de TDA/H é frágil. Alunos com TDA/H normalmente se consideram fracassados, porque seu rendimento escolar é baixo. E é baixo por todos os motivos vistos acima: dificuldade de concentração, de atenção, de manter o interesse continuado, etc. É preciso evitar o ridículo. Preservar a auto-estima é o fator primordial para realmente ajudar esses alunos a serem bem sucedidos na vida. É preciso elogiar antes de criticar. O portador do TDA/H geralmente tem comportamento agressivo, “pavio curto”. É particularmente avesso à autoridade, seja esta de que natureza que for: pais, professores, direção da escola, Deus, e até mesmo entes físicos que se mostram impermeáveis à modificação, como um programa de computador (o Windows)! Diante de uma grosseria que um aluno com TDA/H profere, contra o professor ou algum colega, o modo mais eficiente de desarmá-lo não é, em absoluto, revidar com a força da autoridade: alterando a voz, ameaçando (expulsar da sala, encaminhar à coordenação, etc), ou através de comandos negativos (fica quieto, cala a boca, senta, etc.). É preciso apelar à inteligência dele e desenvolver a empatia. Mostrar empatia significa ter sentimentos e fazer declarações que reflitam um reconhecimento sincero dos sentimentos do aluno e uma preocupação real para com eles. Além de mostrar que, como professor, se importa com o aluno, esse aspecto da empatia enfatiza "Eu quero o melhor para você"; “eu me importo contigo”.

Creio oportuno lembrar aqui um exemplo referido para explicar como funciona a psicanálise. A história é a seguinte. Numa reunião de amigos, um deles sugeriu uma brincadeira: tomar 5 palitos de fósforo e formar figuras. Os demais deveriam adivinhar o número formado pelos palitos. Começou, então, colocando 4 palitos com a cabeça voltada num sentido e um quinto no sentido contrário. Qual o número? Três! A lógica imaginada pelos presentes: 4 palitos menos 1 é igual a 3. Aos poucos, porém, quase ninguém mais acertava. Até que um dos presentes passou a acertar todas. Qual era o segredo? O arrumador dos palitos estendia, atrás da figura formada pelos palitos, a quantia de dedos de sua mão correspondentes ao número formado!

Significa: muitas vezes olhamos unicamente para o óbvio e não vemos aquilo a que aponta. Não vemos os dedos atrás da figura formada pelos palitos. Quando o portador do TDA/H diz uma grosseria, por exemplo, tendemos a agir como os amigos da brincadeira dos palitos. Só vemos a grosseria e nos confrontamos com o aluno sobre as palavras e gestos praticados por ele. Não vemos o que isso significa. Não interpretamos. Tal como os amigos da brincadeira não viam a mão estendida atrás dos palitos, não vemos o pedido de socorro por afeto, carinho, atenção, reconhecimento, ocultos na grosseria. Quando o professor o expulsa da sala ou revida a agressão com outra agressão, mostra-se, na verdade, cego para entender o mais profundo e real significado do gesto.

g) Valorizar as diferenças dos alunos e ajudar a ressaltar seus pontos fortes

É de fundamental importância propiciar muitas oportunidades para que os portadores de TDA/H possam demonstrar aos colegas aquilo que eles sabem fazer bem. Em outras palavras, é necessário reconhecer a diversidade dos estilos de aprendizagem e as diferenças individuais na sala de aula. Promover o esforço e ressaltar as capacidades do aluno portador de TDA/H. Destacar aquilo que ele sabe fazer bem é permitir que se sinta capaz. Somente assim elevaremos sua auto-estima. Sempre evitar a comparação com colegas. Jamais permitir o reforço negativo: “você nunca vai conseguir!” “Porque não faz como fulano?” “Se fulano conseguiu, porque não faz também?” etc.

Nossa educação está centrada em respostas. Valorizamos as verdades absolutas, inquestionáveis. Nossos livros-texto estão organizados de maneira a desenvolver no aluno a capacidade de reproduzir e memorizar um conjunto de informações tidas por essenciais. Não estimulamos a inteligência.Basta conferir a importância dada ao tipo dos exercícios de “preencher” ou de “assinalar”. Não provocamos no aluno a dúvida. Oferecemos a ele a resposta certa, irrefutável. Em vez de afirmar categoricamente “É”, deveríamos levá-lo a questionar “por quê?” , “como?”, “qual o fundamento disso?”


3) Conclusão

Penso que nossas escolas oferecem ensino para pessoas que aprendem sozinhas. Elas não estão preparadas para ensinar aqueles que realmente precisam de ajuda. Não vêem rostos, histórias. Não desenvolvem sentimentos, emoções. Vêem alunos, isto é, massa. Quando surge a diferença, por exemplo, quando aparece alguém que não aprende sozinho, ou que altera a ordem das coisas com seu comportamento diferenciado, descobrimos toda a fraqueza da escola e da formação do professor. Nossos professores, quando muito, conhecem o conteúdo de sua disciplina. Poucos, pouquíssimos mesmo, têm domínio das diversas dimensões da vida humana que transcendem a sua disciplina específica. O mais triste é que muitos, mesmo quando desafiados a se aprofundar, ou quando se defrontam com um problema concreto, se escondem no altar de seu saber como se fosse um refúgio inexpugnável. A universidade não prepara em profundidade para todas as situações que o futuro profissional encontra. Isso é, até mesmo, impossível. O que é necessário, é que a formação que ela oferece seja tal que crie no aluno a disposição de retornar à universidade quando se defrontar concretamente com um problema e se aprofunde naquela questão.

A escola, por sua vez, tem uma estrutura eficiente, quando muito, nos aspectos administrativos. Mantém a limpeza, a disciplina, a organização escolar. Os aspectos psico-pedagógicos são tratados como de menor importância. Isso pode ser facilmente confirmado pela ausência de equipes multidisciplinares para atender as necessidades de atenção especial requeridas pelos alunos. Igualmente pelo pouco espaço dado à discussão e análise das questões que vão além dos conteúdos disciplinares. As “reuniões pedagógicas”, além de esparsas, geralmente se limitam a constatações sobre o desenvolvimento intelectual dos alunos. Não têm como dinâmica a contínua análise e discussão em profundidade dos problemas constatados e o encaminhamento de soluções para aquelas questões que transcendem a simples assimilação das informações.

A conclusão a que chego é a seguinte: infeliz é a vida do aluno com necessidades especiais. A escola só ensina aqueles que seriam capazes de aprender mesmo sem ela. Quem realmente precisa do professor e da escola está órfão. E maltratado!


Bibliografia

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Sam Goldstein, PhD* Compreensão, Avaliação e Atuação: Uma Visão Geral sobre o TDAH. In: http://www.hiperatividade.com.br/
TAYLOR, John. Corrigir Sem Criticar. http://www.hiperatividade.com.br/article.php?sid=69
RIEF, Sandra. Fatores Importantes no Trabalho com Alunos com TDAH. http://www.hiperatividade.com.br/
RIEF, Sandra. Sete elementos-chaves para o sucesso na sala de aula.
Maria Cristina Bromberg. TDAH e a Escola. http://www.hiperatividade.com.br/
Maria Cristina Bromberg. TDAH e a Profissão. http://www.hiperatividade.com.br/