José Luiz Ames
A América Latina, diferentemente do que aconteceu na Europa e nos EUA, passou nas últimas décadas por uma transição dos regimes autoritários dominados pelos governos militares para a democracia. No esforço de qualificar estas democracias, tem-se tentado adjetivá-las. Entre estas tentativas está a de denominar nossa experiência democrática atual de “democracia delegativa”.
No cerne do modelo democrático vigente em nosso meio está a idéia do sufrágio universal. O sufrágio universal faz com que impere na política a mesma lógica competitiva que domina na economia. A democracia é como um “mercado”, isto é, um mecanismo institucional para eliminar os mais fracos e para estabelecer os mais competentes na luta competitiva pelos votos e o poder. O papel central nesta competição está destinado à liderança política.
A liderança política é um método para chegar a decisões políticas, em que os indivíduos adquirem o poder de decidir por meio do voto do povo. A democracia fica reduzida a um procedimento de escolha mediante o qual o povo cria um governo elegendo um líder entre líderes que competem livremente pelo voto dos eleitores. É à liderança que cabe chamar à vida as massas, despertá-las e provocar suas opiniões e vontades. As lideranças são eleitas para decidir, inclusive para decidir sobre quais temas deverão ser tomadas decisões. A democracia fica restrita, então, à competição de lideranças enquanto as não-lideranças (os eleitores) participam da “coisa pública” unicamente nas eleições. Aquele que ganha a eleição está autorizado a governar como lhe parecer conveniente. Não fica submetido às promessas feitas no decurso da campanha. Depois da eleição, espera-se que os eleitores retornem à condição de espectadores passivos.... até a próxima eleição!
Por que os cidadãos (os “delegadores”) delegam? Fundamentalmente, devido ao seu desinteresse pela coisa pública, à irracionalidade frente à falta de informação e pela distância da responsabilidade. Como se explica que os governantes “salvadores da pátria” possam fazer o que quiserem sem sanção dos votantes? Basicamente por causa da idéia de que, mediante o voto, se firma um cheque em branco.
A democracia delegativa é fortemente individualista. Pressupõe-se que os eleitores elejam, independentemente de suas identidades e afiliações, a pessoa mais capacitada para cuidar dos destinos da coletividade. As eleições nas democracias delegativas são um processo extremamente emocional e que envolve altas apostas: vários candidatos competem para saber quem será o ganhador da delegação para governar sem quaisquer outras restrições, a na ser aquelas impostas pelas relações de poder.
A democracia delegativa, como vemos, transfere (“delega”) ao eleito o direito e a responsabilidade pelos destinos da coletividade. Os eleitores (“delegadores”) limitam sua participação política à eleição. Os cidadãos se comportam em relação aos candidatos como consumidores: escolhem o “produto” que melhor responde aos seus desejos. A propaganda eleitoral contribui decisivamente para a mercantilização da política. As lideranças apresentadas como candidatos recebem uma produção similar àquela que se faz para vender qualquer mercadoria: o consumidor (eleitor) compra (vota) pela embalagem. Por isso, o argumento de que o “mais capaz” é eleito é falso. Por causa da propaganda, o eleitor não tem como saber quem é o mais preparado. A grande diferença é que, enquanto o consumidor pode trocar a marca do produto no momento em que lhe aprouver, o eleitor só poderá trocar de governante depois de quatro anos de “uso”. Para completar a desgraça, na política ninguém é punido por propaganda enganosa.
*José Luiz Ames é doutor em Filosofia e professor da Unioeste/Campus de Toledo.
5 comentários
Parte-se do pressuposto de que os eleitores conhecem o candidato e suas propostas, além do "histórico" deste. Creio que problema não é da democracia delegativa, mas sim da falta de informação e consciência de quem vota. Se, teoricamente, a maioria dos "delegadores" procurar se informar do candidato e suas pretensões, a democracia delegativa funcionará bem.
Além disso, tomando como exemplo o Brasil, nossa Constituição Federal apresenta mecanismos para que a vontade popular possa ser expressa. O plebicito e o referendo servem como exemplos.
Nosso país tem uma democracia delegativa que ainda engatinha, mas que, espero, trará boas surpresas para futuras gerações.
by Thiago on 12 de setembro de 2006 às 20:43. #
hols quiero saber q es delegativa porfavor com esta compuesto......
by natalia on 21 de fevereiro de 2007 às 07:37. #
Nossa ... um defensor da democracia delegativa ???
Eu não concordo com o comentário do Thiago...
A democracia delegativa já é um paradoxo em seu nome .. como é democracia se apenas um toma decisões ?? o problema é sim a forma em que está enraizada nossa política, os governantes usam desse sistema eleitoral apenas para legitimar suas vontades monística de governo.
e tem gente que aplaude de pé !!!
Estou fazendo um trabalho que tenta demonstrar como é possível mudar da nossa democracia delegativa para uma democracia participativa !!
E veremos que temos muitos meios de se ter uma política de governo, com a preocupação da accontabilitiy e efetivação da vontade popular, mais economicamente viável que o plebicito e referendo.
by Jorge Casseb on 3 de dezembro de 2008 às 18:14. #
Uma visão esclarecedora sobre a democracia delegativa. Obrigado pelas informações, eu precisava de uma definição do tema para compreender um texto de políticas públicas.
by Daniel Ferro on 11 de setembro de 2009 às 20:04. #
Me diga as diferenças entre seu texto e a tese de O'Donnell?
by Jéssica Sol on 25 de novembro de 2011 às 07:18. #