José Luiz Ames
Na aurora do Estado moderno um problema crucial era conseguir manter o poder num quadro institucional em que, no lugar do Direito, prevalecia a força. A conquista do mando supremo acontecia às custas da eliminação física dos outros pretendentes ao cargo. Num tal contexto, qual a maneira mais eficaz de lidar com os inimigos políticos? Maquiavel coloca-se este problema e mostra como ele tem sido resolvido pelos governantes que alcançaram êxito. Não se trata de uma recomendação moral. O que está em questão é saber como manter sob controle o poder conquistado.
A tese de Maquiavel é a seguinte: quem conquistou o poder numa luta ferrenha contra seus antigos ocupantes, “deve observar duas regras: extinguir os antigos governantes e manter as leis e os tributos” (O Príncipe, cap. III). Como acabar com os antigos governantes? Está ali a segunda parte da “regra de êxito” do florentino: não se pode tomar meias medidas. Nas palavras do florentino, “é preciso mimar ou aniquilar os homens, porque eles se vingarão de pequenas ofensas, mas não poderão vingar-se de agressões definitivas” (O Príncipe, cap. III). O governante que pretende vencer não pode olhar para os meios que emprega. Quando ele persegue os antigos ocupantes do poder e seus simpatizantes, deve ser drástico. Para ganhar precisa matar toda lembrança antiga. Não pode deixar pedra sobre pedra. Precisa praticar a política da “terra arrasada”.
Maquiavel ainda se encarrega de avisar aqueles que, porventura, forem tomados de escrúpulos diante do tamanho da injustiça que precisam praticar para ganhar: “tem uma regra geral que nunca ou quase nunca falha: quem se torna instrumento para que outro se torne poderoso se arruína” (O Príncipe, cap. III). O governante que não destrói a lembrança do antigo mandatário não faz seu sucessor. Mais: ao deixar espaço para o inimigo, fornece alimento para que cresça e reconquiste o poder perdido.
Na atualidade, a eliminação física dos adversários políticos é exceção. Afinal, vivemos num Estado de Direito em que prevalece a lei no lugar da força. No entanto, a lógica que comanda a mudança no mando do poder de Estado permanece a mesma, em todas as esferas da administração pública. A primeira iniciativa do novo Prefeito, Governador ou Presidente, especialmente quando é de oposição, é apagar toda lembrança da gestão anterior. Para tanto, substituem-se todas as pessoas que ocuparam cargos gerenciais na estrutura de poder, mudam-se as placas de inauguração, trocam-se os nomes dos prédios e dos projetos, abandonam-se as obras que deram certo, difamam-se as pessoas que ocuparam o poder. Enfim, destroem-se todos os símbolos que possam evocar a lembrança da gestão anterior. É verdade, ninguém é morto. No entanto, há uma morte simbólica tanto das pessoas que atuaram na gestão precedente, quanto dos projetos por elas desenvolvidos.
Maquiavel escreveu isso olhando para a política tal como ela efetivamente acontecia. Ele jamais disse que “seria bom” se todos agissem assim. Infelizmente, muitos dos que o leram o interpretaram dessa maneira. Escondem-se atrás de uma falsa “Ciência Política” para encobrir sua ambição sem medida. Dizem que a “política é assim mesmo”, como se fosse uma fatalidade. Tudo passa a girar em torno da conquista do poder pelo poder. Em vez de a política ser um instrumento a serviço do bem-estar de todos, torna-se um fim em si mesma. Com isso ela se degrada e perde sua originária força organizadora do bem comum. Os seus agentes, os “políticos”, são execrados como parasitas, algumas vezes não sem razão.
* José Luiz Ames é doutor em Filosofia e professor da Unioeste, Campus de Toledo.