José Luiz Ames
Quando falamos em democracia, o que nos vem à mente? A primeira coisa é o dia das eleições com suas longas filas de cidadãos a espera de sua vez para votar. Quando o noticiário apresenta a queda de uma ditadura, o anúncio de maior impacto é o da data das eleições dos novos governantes. Democracia, entre nós, está associada intrinsecamente ao voto. Não, porém, o voto para decidir, mas para eleger quem deverá decidir por nós!
Esta imagem de democracia é bem diferente daquela que dominava entre os antigos atenienses, na qual esta forma de governo nasceu. Para aquele povo, por volta do século V antes de Cristo, a idéia de democracia estava associada a uma praça, ou assembléia na qual os cidadãos eram chamados a tomar eles mesmos as decisões que lhes diziam respeito. Democracia significava o que a palavra designa literalmente: “poder do povo” e não o que significa hoje, “poder dos representantes do povo”.
Todas as constituições democráticas atuais, inclusive a nossa, afirmam que o povo é “soberano”. No entanto, de tudo aquilo que se decide ou se trama no subsolo da vida política, o “povo soberano” não sabe absolutamente nada, e aquilo que sabe está quase sempre errado. Assim, na medida em que é negado ao cidadão comum o acesso à decisão política, na prática ele passa de soberano a súdito.
As sociedades democráticas atuais estão construídas sobre um duplo fundamento. Primeiro, o pacto de não-agressão de cada um com todos os outros. Segundo, o dever de obediência às decisões coletivas tomadas com base nas regras do jogo de comum acordo preestabelecidas. Dentre estas regras, a principal é aquela que permite solucionar os conflitos que surgem em cada situação sem recorrer à violência recíproca. Para serem eficazes, as duas bases da democracia precisam ser garantidas por um poder comum, o Estado.
A democracia é a conservação e o aperfeiçoamento contínuo de determinadas instituições, particularmente as que oferecem aos governados a possibilidade de criticar os seus governantes e substituí-los sem derramamento de sangue. O principal instrumento democrático para dispensar os governantes e obter reformas sem recorrer à violência é a eleição geral. Na prática, só existem duas formas de governo: a democrática e a tirânica. O que as distingue é o fato de que somente na democracia é possível derrubar o governo sem recorrer à violência. A violência gera sempre maior violência. E as revoluções violentas matam os revolucionários e corrompem os seus ideais. Os sobreviventes são apenas os mais hábeis especialistas na arte de sobreviver.
Em essência, na base da sociedade democrática estão a liberdade e a justiça, mas nesta mesma ordem. Isto é, numa sociedade livre, mediante a crítica intensa e reformas sucessivas, também se poderá caminhar para a justiça, ao passo que, nas ditaduras e tiranias, onde não é possível a crítica, a justiça tampouco será alcançada. Neste tipo de sociedade, haverá sempre duas classes de homens: a minoria dos servos do tirano (privilegiados) e a maioria dos excluídos. Num ano em que teremos eleições gerais, isto é algo que nos deveria fazer pensar!
* José Luiz Ames é doutor em Filosofia e professor da Unioeste.