José Luiz Ames
A idéia de representação de um indivíduo por outro é, essencialmente, moderna. Entre os antigos ela não existia, porque o cidadão exercia pessoalmente o poder no Estado. O conceito de representação política é uma elaboração moderna cujo sentido pressupõe um duplo significado presente no termo “representação”. Por um lado, representar é uma ação segundo determinadas regras de comportamento. Assim, se diz que o parlamento representa o país (ou o estado, ou o município) no sentido de que os seus membros agem em nome e por conta dos eleitores. Por outro lado, representar é possuir certas características que espelham ou evocam as dos sujeitos ou objetos representados. Assim, se diz que o parlamento espelha o país (ou o estado, ou o município) no sentido de que seus membros refletem os interesses dos eleitores.
Uma democracia é representativa no duplo sentido: possui um órgão no qual as decisões coletivas são tomadas por representantes; e espelha, através dos representantes, os diferentes grupos de interesse que se formam na sociedade. Ainda que esta concepção de representação seja geralmente aceita, não há acordo sobre como se dá esta representação. Diferentes respostas foram dadas à pergunta sobre quais os direitos e obrigações do representante político (o eleito) em relação aos representados (os eleitores) durante o exercício de seu mandato. Os distintos modelos de representação nascem desta questão.
Conforme o modelo da delegação, o representante é concebido como um executor da vontade dos eleitores que deve decidir as questões rigorosamente segundo as instruções recebidas. É uma espécie de embaixador privado de autonomia para mudar de posições em relação às questões em discussão não dando aos representantes a margem de manobra necessária. É o modelo defendido por Rousseau.
O modelo fiduciário atribui ao representante total autonomia para decidir segundo sua consciência. O sistema representativo brasileiro funciona segundo este modelo. É o modelo proposto por Burke. Pelo fato de não haver mecanismo de controle sobre os representantes, este têm um poder arbitrário constituindo-se antes num governo iluminado do que num governo representativo.
O modelo da representação profissional atribui às organizações profissionais e ideológicas o papel de representação legítima da sociedade. Assim, os diferentes ramos da vida econômica, mas também os outros grupos sociais e de interesses, como as religiões, as etnias, as preferências sexuais, deveriam estar representadas no parlamento, pois seriam a expressão dos interesses da sociedade. Atualmente, a representação de interesses profissionais faz-se através dos grupos de pressão.
Os três modelos têm limitações que comprometem a adequada representação política. O mais adequado seria que o representante tivesse certa margem de autonomia para articular, para fazer composições com os demais, tal como o modelo fiduciário permite. Contudo, é importante que o representante permaneça com o vínculo de obrigação para com os eleitores, como exige o modelo da delegação, garantindo seu controle pelos eleitos. Enfim, que os diversos interesses da coletividade estivessem representados no poder, como quer o modelo da representação profissional.
No modelo de representação brasileiro, notamos a ausência de mecanismos de controle do eleito pelos eleitores. Os representantes têm absoluta liberdade para decidir, em geral de modo secreto, sem que os eleitores possam intervir no seu mandato. Com isso, em geral os representantes acabam desvinculados dos interesses dos cidadãos, em nome dos quais deveriam decidir.
*José Luiz Ames é doutor em Filosofia e professor da Unioeste/Campus de Toledo.