Democracia e a regra da maioria

by Francisco on terça-feira, 1 de agosto de 2006

José Luiz Ames

A opinião comum é de que democracia e princípio majoritário são conceitos equivalentes. Esta sobreposição deriva da equivocada interpretação da definição clássica da democracia como governo da maioria. Contudo, quando Aristóteles define democracia como governo da maioria, ele quer dizer que o poder político está nas mãos de muitos em oposição ao poder de um só ou de poucos, mas não, em absoluto, que o poder político é exercido mediante a aplicação da regra da maioria.

Os argumentos a favor da regra da maioria para a tomada de decisão podem ser reduzidos a dois fundamentais. Conforme o primeiro argumento, a regra da maioria seria justa porque permitiria, melhor do que qualquer outra, a realização de alguns valores fundamentais como a liberdade e a igualdade. Aparece, pois, como um remédio contra a eleição de um autócrata que não respeita a liberdade dos cidadãos nem os reconhece como iguais. Conforme o segundo argumento, a regra da maioria seria justa porque permitiria chegar a uma decisão comum entre pessoas que têm opiniões distintas. Aparece, pois, como um expediente técnico e um remédio eficiente contra a exigência da unanimidade.

Em relação ao primeiro argumento, de que o que caracteriza a democracia é a autodeterminação ou o consenso do maior número, é preciso observar o seguinte. Para que se possa afirmar que um sistema é democrático não basta saber que a regra da maioria maximiza a autodeterminação e, portanto, o consenso, mas é necessário saber quantos e quem são aqueles que se beneficiam das vantagens do princípio da maioria. Quer dizer, é bem possível que uma decisão, mesmo quando tomada pela maioria, beneficie os interesses de grupos e não a universalidade. Isto é particularmente verdade, porque o voto pressupõe uma série de condições que raramente ocorrem na prática: garantia de liberdade de manifestação, pluralidade de formação política, voto secreto, etc.

Em relação ao segundo argumento, de que na democracia prevalece a vontade da maioria contra a da minoria, é preciso ponderar o seguinte. Ainda que o ideal do consenso unânime não seja possível e, por isso, a regra da maioria seja o único modo de formação de uma vontade coletiva, é preciso notar que ela não pode sufocar o dissenso. Quer dizer, é bem possível que uma decisão, mesmo que seja tomada pela maioria, não seja democrática. Isto é particularmente verdade quando ela implica na proibição da manifestação da minoria na defesa de seus interesses.

A regra da maioria não é sinônimo de democracia. Se fosse, teríamos que chamar Cuba de Fidel Castro de democracia, pois lá o Parlamento é eleito com números próximos à unanimidade! Para que a regra de maioria seja um instrumento democrático é preciso que a decisão possa ser tomada sem receio de punições, exista livre debate das posições antagônicas, e seja assegurado às minorias plenos direitos, inclusive de derrubar os dirigentes. Pelo voto! A decisão da maioria só é democrática quando expressa o interesse da coletividade. Decisões de maioria que criam privilégios são ofensas à democracia e deveriam ser desobedecidas. É a desobediência civil legítima.

* José Luiz Ames é doutor em Filosofia e professor da Unioeste, campus de Toledo.

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