Cartas Persas: crítica de Montesquieu à moral iluminista
by Francisco on sexta-feira, 10 de novembro de 2006
Francisco Antônio de Andrade Filho
Pensador crítico, Montesquieu conhece a realidade ético-política de seu tempo. A imoralidade do Iluminismo em nome da uma outra Moral. Ser ético-político a serviço da violação dos bons costumes. Com ele, é possível descobrir, em Cartas Persas, a importância da filosofia da linguagem estética. Escrita em 1721, em forma de romance epistolar, esta obra sofre influência da estética barroca que, na França, é caracterizada pela moderação com o maneirismo de Corneille e Rotrou.
Segundo alguns intérpretes (CHAUI: 136), Montesquieu serviu-se da linguagem estética para denunciar a realidade social, demonstrando através da literatura “os erros, desgraças, infâmia, angústia, opressões e violências (...) para despertar em nossa imaginação o desejo de mudança”.
Observamos que Montesquieu não se utiliza dos recursos imaginários da literatura para meramente reproduzir a realidade do século XVIII, justificando seu presente como inquestionável e inelutável. Mas, ao contrário, habilmente, e com muita arte, produz uma linguagem utópica para combater o imaginário social, ou seja, a ideologia vigente em sua realidade. Não dissimulou a verdade e não a ocultou, expressou-se comunicando o conhecimento, realizando a função de esclarecimento, e não a de sedução ou encantamento. Para tanto, destacamos alguns tópicos do diálogo tecido pelos personagens da referida epístola. O autor saliente o gosto pelos aspectos cruéis, dolorosos. As mulheres presas no serralho e os eunucos, constituem bons exemplos da miséria da condição humana mostrada no texto. O seguinte trecho da carta 161. Roxana a Usbek, pode representar bem esses aspectos:
Vou morrer: o veneno correrá em minhas veias. Pois o que me resta aqui, agora que o único homem que me prendia à vida já não existe? Estou morrendo; mas minha sombra parte bem acompanhada; acabo de mandar à minha frente esses guardas sacrílegos que derramam o mais belo sangue do mundo. (MONTESQUIEU, C. P, 161, P. 261).
Um outro traço muito constante em CARTAS PERSAS é o erotismo, o qual percebemos na Carta 7, por exemplo: Nem acreditarias, Usbek: é impossível viver assim, o fogo corre em minhas veias. Não consigo te exprimir o que sinto tão bem! E como sinto tão bem o que não posso te exprimir! Nesses momentos, Usbek, eu trocaria o império sobre o mundo por um só beijo teu. Como é infeliz a mulher que tem desejos tão violentos quanto está privada do único meio de saciá-los (...). (Idem, 7, p. 23). Há na obra, também, um contraste entre amor X sofrimento. Logo no início do livro (3º carta), podemos notar o drama de Zachi, uma das mulheres do harém de Usbek:
Eu me vi, invisivelmente, tornando-me senhora de teu coração; tu me tomas-te, depois me deixaste; voltaste novamente a mim, que soube te conservar (...).
Mas aonde divago? Aonde me leva esta vã narrativa? Não ser amada é uma desgraça, mas deixar de sê-lo é uma afrontar (...). (Idem, 3, p. 19-20).
Percebe-se, também, que a obra apresenta o conflito entre o homem santo x pecador da época:
Vejo aqui muitos que polemizam sem fim sobre a religião; mas me parece que ao mesmo tempo também competem para ver quem menos a respeitará.
Além de não serem os melhores cristãos, eles sequer são os melhores cidadãos; e é isso o que me impressiona; porque, em qualquer religião que se professe, a observância das leis, o amor aos seres humanos, a devoção filial sempre hão de ser os primeiros atos de fé. (Idem, 46, p. 78).
O autor procura humanizar o que antes era considerado sobrenatural. Essa característica aparece claramente na carta 125, quando ele, fala sobre as diversas visões do paraíso:
Li descrições do paraíso capazes de levar qualquer pessoa de bom senso a desistir dele: umas fazem essas almas bem-aventuradas tocarem flautas sem parar; outras as condenam ao suplício de passear por toda a eternidade (...). (Idem, 125, p. 203).
Montesquieu utiliza a sátira como recurso para desidealizar as afirmações, a falta de lógica dos poderes da época, tanto o poder religioso, como o temporal:
O rei da França é o mais poderoso príncipe da Europa. Não possui minas de ouro como o rei da Espanha, mas supera-o em riquezas porque ao extrair da vaidade de seus súditos, mais inesgotável do que as minas.
O que te conto desde príncipe não deve te espantar: há outro mago mais forte que ele, que manda em seu espírito tanto quanto ele nos demais. Esses magos chamam-se Papa. Ora ele faz acreditar que três são apenas um, ora que o pão que comem não é pão, que o vinho que bebem não é vinho, e mil coisas do gênero. (Idem, 24, p. 49).
Montesquieu ainda primou por construir uma linguagem estética para levantar questionamentos, através de uma linguagem simbólica, que sempre nos leva a conhecer a realidade criando uma outra semelhante à nossa, enfatizando a memória e a imaginação. Assim, Montesquieu soube servir-se brilhantemente do poder das palavras, considerando-as como feixe de significações ou símbolo e valores na interpretação do que entendemos como forças divinas, naturais, sociais e políticas, rompendo até com palavras-tabu do viver social que bloqueiam a livre expressão e a possibilidade de inserção do humano numa nova sociedade em que a linguagem é um instrumento concreto de mudança. E é através de uma linguagem natural com seus elementos afetivos, volitivos, perceptivos e imaginativos contrários à linguagem puramente lógica que Montesquieu atinge seu objetivo, passando a própria razão de ser de seus discursos pela multiplicidade de sentido que eles encerram.
Referências
MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, baron de la Brède et de, 1989 - 1755. Cartas Persas; tradução e apresentação de Renato Janine Ribeiro. São Paulo: Paulicéia, 1991.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 4. ed. São Paulo: Ática, 1995. p. 136-151.
ENCICLOPÉDIA BRASILEIRA GLOBO. 14. ed. Porto Alegre: Globo, 1975.
PROENÇA FILHO, Domício. Estilo de Época na Literatura. 14. ed. São Paulo: Ática, 1994, p. 169-70.
* Francisco Antônio de Andrade Filho é Doutor em Lógica e Filosofia da Ciência, na área de Filosofia Política, pela UNICAMP/SP. Professor Titular, aposentado da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Docente em Filosofia na Faculdade Maurício de Nassau, nos cursos de Administração, Direito e Enfermagem. Membro do Comitê de Ética de Pesquisas em seres humanos, do Hospital Oswaldo Cruz – UHOC-UPE. Avaliador do Curso de Filosofia/INEP/MEC.
2 comentários
"Com a implantação da monarquia os hebreus foram divididos em: família real, mercadores, servos e escravos. Até mesmo os homens cultos tinham de aprender um ofício.
A família patriarcal era a base da sociedade hebraica. O pai exercia a autoridade quase que absoluta sobre os filhos. O casamento era monogâmico, embora a poligamia era tolerada. Na herança, o direito da primogenitura era reconhecido.
A idolatria, a blasfêmia e o adultério eram severamente punidos e a pena de talião era aplicada na punição de certos crimes."
comentário editado: remoção dos trechos duplicados.
[Fonte? http://clhispo.v10.com.br/os_hebreus.htm]
by Anonymous on 18 de outubro de 2007 às 19:22. #
esse negosso é muito grande tem que resumir beijos pro seu proprio bem lele
by leticia on 14 de março de 2012 às 14:50. #