Estudos de Jusfilosofia: iniciando o diálogo da filosofia com a ciência do direito
by Francisco on terça-feira, 22 de agosto de 2006
Francisco Antônio de Andrade Filho
No caminho que, juntos, iremos percorrer, destacam-se as questões específicas de filosofia em sua interface com a ciência jurídica nos dias de hoje. Filósofos e juristas clássicos em diálogo na produção do conhecimento.
Concebe-se, aqui, a filosofia como um modo de pensar, uma postura diante do mundo, voltada para qualquer objeto: pode pensar a ciência, seus valores, seus métodos, seus mitos, a religião, a arte, o homem, a tecnologia, a vida, as pessoas, culturas, mundo. Não é coisa de outro mundo, não. Todos nós somos filósofos. É questão de querer exercer sua atividade mental, própria do ser humano. Os filósofos indagam sobre as realidades de sua época, fizeram surgir novas possibilidades, comportamento e relação social.
Nesta perspectiva, pesquisadores jusfilósofos (MARTINS-COSTA, 2000: 230) se envolvem por uma “ dúvida crucial: como compatibilizar a reflexão ética propiciada pelos novos paradigmas científicos com a racionalidade “utilitarista comumente atribuída ao regimento jurídico”?
Ponderam ainda outros estudiosos e pesquisadores ( BARBOSA, 200: 213), assim:
“ O Direito não é somente um conjunto de regras, de categorias, de técnicas: ele veicula também um certo número de valores (...). Cabe ao Direito, através da lei, entendida como expressão da vontade da coletividade, definir a ordem social na medida em que dispôe dos meios próprios e adequados para que essa ordem seja respeitada...”.
TÉRCIO SAMPAIO (1977: 9 a 17) entra no debate para entender a Ciência do Direito como um “sistema de conhecimento sobre a realidade jurídica”. Ele capta a “expressão ciência jurídica” com questões especiais altamente discussivas no campo filosófico. Existe uma epistemologia crítica do Direito? Seria este saber apenas “uma ciência normativo-descritiva, que conhece e/ou estabelece normas para o comportamento” humano?
E responde:
“[...] Ela é vista pelos juristas como uma atividade sistemática que se volta principalmente para as normas [...] Ciência da norma, a Ciência do Direito desenvolveria, então, um método próprio que procuraria captá-la na sua situação concreta [...] A captação da norma na sua situação concreta faria então da Ciência Jurídica uma ciência interpretativa. A Ciência do Direito teria, neste sentido, por tarefa interpretar textos e situações a ela referidos, tendo em vista uma finalidade prática [...] à medida que a intenção básica do jurista não é simplesmente compreender um texto - como faz, por exemplo, um historiador que estabelece um sentido e o movimento no seu contexto -, mas também determinar-lhe a 'força e o alcance, pondo-o em presença dos dados atuais de um problema'.
Por sua vez, NADER (1997: 3 a 13) percebe, inteligentemente, a íntima relação da Filosofia com o Direito. E sustenta:
[...] Na Jurisprudência, o conhecimento filosófico tem por objeto de reflexão o conceito do Direito, os elementos constitutivos deste, seus postulados básicos, métodos de cognição, teleologia e o estudo crítico-valorativo de suas leis e institutos fundamentais”.
De outro, segundo o mesmo jurista, a Filosofia [...] “No seu pensar e no seu fazer abrem-se os caminhos para a Ciência e para a Filosofia. Enquanto que a primeira vai reunir um conjunto sistemático de conhecimentos, a segunda vai identificar-se como exercício da razão na busca perene da ordem do universo.
E, num diálogo aberto do Direito com a Filosofia, o mesmo jusfilósofo reafirma forte:
“A Filosofia caracteriza-se como indagação ou busca perene do conhecimento, mediante a investigação dos primeiros princípios ou últimas causas. O espírito filosófico não se satisfaz com a leitura dinâmica dos fatos ou com simples observações. Ele questiona sempre e, de cada resposta obtida, passa a novas perguntas, até alcançar a essência das coisas”.
E hoje, em plena era digital, qual a postura da Filosofia e do Direito diante dos avanços científicos?
Hoje (ANDRADE FILHO, 2006: 29 – 54), essas questões se colocam à luz dos atos tecnocientíficos. Nesse sentido, o conhecimento do “tempo global” tem priorizado a dimensão tecnológica, em estreita sintonia com as relações de mercado. O saber e o conhecimento no mundo globalizado parecem perder muito de sua função de busca de sentido para a vida, o destino humano e a sociedade – do conhecimento esse não do “sentir e simbolizar” –, para tornar-se “produto comercial de circulação” orientado pelo novo paradigma da aplicabilidade.
Os paradigmas da pós-modernidade, que ensejam rotas previstas para o desenho do futuro humano, estão em crise. Por isso, é cedo ainda afirmar-se a prepotência da globalização em seu progresso de ciência e tecnologia.
É nesse ambiente que a Bioética nasce como um novo domínio da reflexão e da prática, que toma como seu objeto específico as questões humanas na sua dimensão ética, tal como se formulam no âmbito da prática clínica, jurídica ou da investigação científica, e como método próprio o conhecimento de diversos modelos bioéticos (SGRECCIA, 1996) articulados dialeticamente com saberes diferentes (método-relação), mas fortemente entrelaçados.
Assim, a Bioética e o Biodireito, hoje, se situam entre as duas formas do conhecimento humano: o saber simbólico e o saber científico. Ganham vitalidade como paradigmas da relação entre as ciências e as tecnologias; do saber científico e do saber simbólico em suas recentes descobertas A Bioética e o Biodireito cuidam da dignidade da vida, procurando a convergência amistosa entre estes saberes. Vale ressaltar, entre Filosofia e Direito integrados com as ciências e tecnologias.
Nesta linha de reflexão, Sartori (2001: 48-52) avança progressivamente no desafio da interdisciplinaridade do Direito com a Filosofia. E discute, assim:
[...] pode-se definir a Ciência Jurídica como ciência normativa que verifica os fatores que determinam expressamente as condutas em normas. Sob essa orientação, a Ciência Jurídica se aproxima da Ética, ou seja, a primeira examina normas jurídicas e a outra normas morais [...] Seus elementos constitutivos são: ideais de justiça por alcançar, instituições normativas por realizar, ações e reações dos homens frente a esses ideais e instituições (...)
[...] Opondo-se ao Direito positivo, está o Direito Natural que pode ser definido como o pensamento jurídico que concebe a lei (a norma) quando esta esteja de acordo com a justiça. A pretensão do jusnaturalismo é a de conhecer como Direito o que é justo, ou seja, justiça como verdade evidente e demonstrável, dentro de um sistema de valores universais e imutáveis. Decorrente desses preceitos, a função do Direito não é comandar, mas, sim, qualificar as condutas como boas ou más (...)
[...] A velocidade do avanço das ciências da vida e a conseqüente necessidade de uma nova ética exigem uma resposta do Direito, ou seja, uma criação jurídica para positivar, regular e/ou reconhecer os Novos Direitos. Atualmente , são necessários princípios axiológicos que atendam à produção do conhecimento das últimas décadas do século XX e que se projetem no século XXI (...).
Suporte bibliográfico
ANDRADE FILHO, Francisco Antônio de. Bioética e cidadania: Interface da Filosofia com o Direito, in: REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO/FACULDADE MAURÍCIO DE NASSAU. Ano 1, n. 1, 2006: 29-54.
BARBOSA, Heloísa Helena. “Princípios da Bioética e do Biodireito”, in Bioética, REV do Conselho Federal de Medicina, vol. 8, n. 2 (2000): 209-216.
MARTINS-COSTA, Judith. “A Universidade e a Construção do Biodireito”, in Bioética _ Revista do Conselho Federal de Medicina, v. 8, n. 2 (2000): 229.
NADER, Paulo. Filosofia do direito. Rio de Janeiro: Florense, 1997.
SARTORI, Giana Lisa Zanardo. Direito e Bioética: O desafio da interdisciplinaridade. Erechim RS: EDIFAPES, 2001
* Francisco Antônio de Andrade Filho é Doutor em Lógica e Filosofia da Ciência, na área de Filosofia Política, pela UNICAMP/SP. Professor Titular, aposentado da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Docente em Filosofia na Faculdade Maurício de Nassau, nos cursos de Administração, Direito e Enfermagem. Membro do Comitê de Ética de Pesquisas em seres humanos, do Hospital Oswaldo Cruz – UHOC-UPE. Avaliador do Curso de Filosofia/INEP/MEC.
Um comentário
Texto muito bom, enxuto, explicaivo e didático.
Parabéns.
by João Tadeu Lessa on 13 de junho de 2008 às 05:16. #