O público e o privado nas eleições

by Francisco on sexta-feira, 4 de agosto de 2006

José Luiz Ames

O horário da propaganda eleitoral no rádio e na TV dos candidatos, especialmente daqueles que disputam cargos executivos, em geral dedicam boa parte do tempo à exposição da sua vida privada. Por que os candidatos exploram essa questão no horário eleitoral? Qual importância tem para a atividade política a vida privada dos candidatos?

Colocar candidatos a falar de si mesmos, a apresentar suas supostas qualidades e a discorrer sobre os pontos altos das próprias biografias é uma estratégia comum de “marqueteiros políticos”. Estratégia comum, mas de escassa utilidade para o eleitor, pois cada candidato seleciona de sua biografia unicamente o que lhe parece possuir de melhor. Ninguém fala das suas limitações, muito menos dos aspectos que poderiam merecer críticas.

É exatamente sobre este último ponto que pretendo tecer minhas considerações. O que leva um candidato a expor a sua vida privada em público? Difícil acreditar que seja o desejo de se mostrar por inteiro aos eleitores. Como ninguém revela a intenção que está por detrás desta exposição, deixam caminho aberto a que especulemos sobre isso.

A exposição da vida privada transforma o horário de propaganda eleitoral num espetáculo patético. Ao exporem detalhes da vida íntima, os candidatos convidam os eleitores para adentrarem em todas as dependências de suas casas. Nem mesmo o quarto do casal, com seus segredinhos e suas cumplicidades, fica excluído. É uma invasão da privacidade, consentida e até solicitada pelos candidatos, que envergonha até as pessoas mais destituídas de pudor. Esta prática somente teria sentido se o pleiteante ao cargo executivo tivesse de ser para seus cidadãos um bom pai ou um bom marido. Suponho que nenhuma esposa e nenhum filho dos candidatos o desejaria “emprestar” para isso! Talvez seja, numa interpretação psicanalítica, o que se chama de “ato falho”: os candidatos revelam sua concepção paternalista do Estado. Na condição de “pais”, têm o dever de preocupar-se com a saúde espiritual, moral e material dos “filhos” e, portanto, o dever de intervir na formação de sua personalidade, a fim de dirigi-la no rumo do bem. Não é preciso muita inteligência para perceber que esta visão esconde a idéia de que os cidadãos são considerados eternos menores dependentes do “pai” governante. No fim das contas, é o que desemboca no despotismo. Infeliz o povo que tem governantes desse nível!

Ao misturarem o privado e o público, os candidatos passam a seguinte mensagem aos eleitores: todo seu passado da vida privada deve ser objeto de avaliação no momento do voto. Cada um, agora, está autorizado a pedir explicações da vida íntima deles. Além de ser uma invasão indevida na esfera privada, traduz o desconhecimento do significado de “homem público” que a função pleiteada implica. O espaço público, esfera em que o candidato eleito atua, diz respeito ao que é visível a todos, àquilo que é comum a todos. O homem público não torna públicas suas desavenças com a esposa, as discussões com os filhos, suas crises de fé. Faz em público apenas aquilo que o "público" está em condições de compreender, o que tem alguma função ou importância pública. Ou seja, aquilo que não exige que aquele que o ouve e vê o conheça e aquilo que pode interessar a quem não o conhece. Qualidades e defeitos morais que atingem o comportamento dos homens públicos como pais, maridos, fiéis de alguma igreja, têm importância unicamente na esfera privada.

Ao exporem suas vidas íntimas, os candidatos prestam um desserviço à formação da cidadania. Tomara que não seja uma estratégia para desviar os eleitores do principal: o que pensam da vida política, o que pretendem no exercício do cargo e como imaginam viabilizar suas propostas sem truques nem ilusões. Seria triste se o pretendido fosse um jogo de ocultação, pois a utilização de argumentos da vida privada para obter vantagens para a vida pública ou é irresponsabilidade ou é manipulação. Nos dois casos são confissões de inaptidão ao exercício de funções públicas.

* José Luiz Ames é doutor em Filosofia e professor da Unioeste/campus de Toledo.

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