José Luiz Ames
A democracia, como sabemos, significava nas suas origens gregas “poder do povo”. O povo exercia o poder diretamente na assembléia ao ar livre, decidindo as questões publicamente. Na passagem da democracia direta (dos antigos) para a democracia representativa (a atual), desaparece a praça, mas não a exigência de dar publicidade às decisões. Assim, podemos dizer que a idéia de democracia está intrinsecamente relacionada ao caráter público das decisões.
Paradoxalmente, o poder ama o segredo. Na sua forma mais autêntica, o poder político sempre foi concebido à imagem e semelhança do poder de Deus, que é onipotente exatamente porque Ele vê tudo sem ser visto por ninguém. Por isso, quem exerce o poder sente-se tanto mais seguro de obter os efeitos desejados quanto mais invisível se torna àqueles aos quais pretende dominar. Ocultar as intenções e dissimular os propósitos, parece ser a chave do êxito. Sempre foi considerada uma das virtudes do soberano o saber simular, isto é, fazer parecer aquilo que não é, e saber dissimular, isto é, não fazer parecer aquilo que é.
A técnica do poder secreto adota duas estratégias complementares: subtrair-se à vista do público no momento em que são tomadas deliberações contrárias à vontade do grande público; e a encenação quando é obrigado a apresentar-se em público. A encenação serve-se, sobretudo, da linguagem que, adequadamente usada, permite ocultar os verdadeiros propósitos. Esta ocultação pode ocorrer de duas maneiras: usando uma linguagem compreensível somente àqueles que pertencem ao círculo íntimo do poder; ou então usando uma linguagem comum para dizer o oposto daquilo que se pensa.
O desafio democrático é vencer a técnica do poder secreto. Democracia e segredo são inconciliáveis. A democracia somente é real quando os governos são obrigados a prestar contas das suas decisões ao público. Dessa maneira, tornam impossível a prática do “segredo de gabinete” próprio dos regimes despóticos. Kant, filósofo alemão do século XVIII, aponta para a razão fundamental da condenação à prática do segredo na política: “uma máxima que eu não possa confessar publicamente sem provocar a resistência imediata de todos contra o meu propósito não pode explicar essa reação necessária e universal de todos contra mim a não ser pela injustiça com a qual ela ameaça a todos” (À paz perpétua, p. 73).
O pressuposto dessa afirmação kantiana é claro: manter em segredo um propósito, um pacto, ou qualquer providência pública é, por si só, uma prova da sua ilicitude. A fim de que o princípio da publicidade possa ser realizado pelo político, é preciso que o poder público seja controlável. Esse controle, como sabemos, só é possível naquela forma de governo na qual o povo tem o direito de participar ativamente da vida política.
A visibilidade de todos os atos de governo é a característica mais nítida da democracia. Na estrutura física na qual funciona um governo democrático não deveriam existir gabinetes. Eles são o símbolo da ocultação, do segredo. Somente déspotas se escondem do povo. Apenas quem quer acobertar privilégios toma decisões em salas fechadas. A única coisa secreta numa democracia deveria ser o voto do cidadão.
* José Luiz Ames é doutor em Filosofia e professor da Unioeste.