por Francisco Antônio de Andrade Filho
Livre e atento, li mais uma obra de Rubem Alves “O infinito na palma de sua mão: O sonho divino ao nosso alcance” da Editora VERUS, Campinas, SP, 2007. Deste livro, produzi uma conversa com esse escritor sobre o significado da oração em nossa busca eterna de Deus ou Natureza. Na fala aqui delineada, destaquei o segundo item “Sobre deuses e rezas” do referido livro, p. 18 a 21. Ligado pela luz da vida, desejo descobrir a riqueza da verdade nesse encontro com o autor do livro. Seria esse o caminho que nos leva à fonte divina no infinito dos Universos?
Aconteceu no aeroporto lotado de viajantes. Sobre deuses e rezas, já estava escrito “na palma de sua mão”. Rubem Alves lança o olhar numa “figura destoante”, cujo corpo revelava uma alma que “não mais ligava para sua condição de mulher: não se importava com ser bonita”. Esquecida de si mesma, ela não brilhava mais. Vivia a vida do outro. Presa, vivia em gaiolas das religiões organizadas. Não era mais “uma moça bonita que ria e brincava e para quem olhávamos com olhares de cobiça”. Distante de suas próprias energias, aquela infeliz pessoa perdeu sua beleza. Sem auto-estima, não atraiu o melhor para si mesma.
E o teólogo-escritor, habilmente fotografou a postura da crente, assim: “Quando vi que tinha uma Bíblia na mão, compreendi tudo: ela se imaginava possuidora de conhecimentos sobre Deus que os outros não possuíam e tratava de salvar a alma”.
Calmo, Rubem a reconheceu e chamou alto o seu nome. De súbito, assustada e sem escutar Deus na Sagrada Escritura, inicia seu falatório. Sábias palavras deste autor jogam luzes na tagarelice da missionária de Jesus Cristo. Com extrema delicadeza e respeito, ele busca chegar ao coração e à mente da pregadora. Desperta-a para o agora, acordando um desejo de viver de forma diferente: de aproveitar cada instante; de valorizar cada minuto de suas vidas; de celebrar a beleza da verdade e da leveza na busca do divino.
Nessa busca de Deus – vejam-se trechos das páginas 19 a 21, assim -, os dois, em diálogo, tocam o corpo e a alma de um no outro e de seus leitores. Revelam suas experiências e desvelam o vivido do outro, também entrelaçado de desejos de encontrar uma “Fonte Divina” em evolução:
- Eu sou o Rubem!
- Você continua firme na fé! – ela afirmou interrogativamente!
- Mas de jeito nenhum – respondi. – Então você deixou de ler a Bíblia? Pois lá está dito que Deus é espírito, vento impetuoso que sopra em todo lugar, o mesmo vento que ele soprou dentro da gente para que respirássemos, fôssemos leves e pudéssemos voar. Quem está no vento não pode estar firme. Firmes são as pedras, as tartarugas, as âncoras. Você já viu um papagaio firme? Papagaio firme é papagaio no chão, não voa. Pois eu estou mais é como urubu, lá nas alturas, flutuando ao sabor do imprevisível Vento Sagrado, sem firmeza alguma, rodando em largos círculos [...]
Segundo esse artista da letra, ela ficou toda atordoada por ter ouvido resposta tão estranha. Como se estivesse no púlpito, com seu poder sacro e sua roupa largada, a pastora desembestou a falar de Deus maravilhoso. Pediu a Jesus Cristo a salvação da alma do filósofo ateu. Que o Espírito Santo o ilumine para se livrar da Geena do Inferno!
- Acho que quem não está firme em Deus é você – eu disse. – Olha, passei a noite toda respirando desde que acordei e juro que agora é a primeira vez que penso no ar. Não pensei nem falei no ar, porque somos bons amigos. Ele entra e sai do meu corpo quando quer, sem pedir licença [...] Pois Deus é como o ar. Quando a gente está em boas relações com ele, não é preciso falar. Mas, quando a gente está atacado de asma, então é preciso ficar gritando por Deus. Do jeito como o asmático invoca o ar. Quem fala com Deus o tempo todo é asmático espiritual. E é por isso que sempre anda com Deus engarrafado em Bíblia e noutros livros e coisas de função parecida. Só que o vento não pode ser engarrafado...
- Aí ela viu que minha alma estava perdida mesmo [...] e disse que oraria muito por mim.
- Então eu protestei, implorei que não o fizesse. Disse-lhe que eu tinha medo de que Deus ficasse ofendido. Pois há rezas e orações que são ofensas [...]
- Mas está lá nos salmos e nos evangelhos que Deus sabe tudo antes que a gente fale qualquer coisa. Ora, se a gente fica no falatório, é porque não acredita nisso. Não acredito em oração em que a gente fala e Deus escuta. Acredito mesmo é na oração em que a gente fica quieto para ouvir a voz que se faz ouvir no meio do silêncio [...]
- Quem reza demais acha que Deus não funciona bem da cabeça. Acho que ele ficaria mais feliz se, em vez de meu falatório, eu lhe oferecesse uma sonata de Mozart ou um poema da Adélia.
A exemplo desse escritor, desejo voar. Conversei com Rubem Alves “sobre deuses e rezas”. Percebi que ele vê Deus ao contrário daquilo que aprendemos em Filosofia e Teologia. Com ele, tomo a liberdade de acrescentar dois tópicos para comentários:
I – De verdade, surge um debate importante para os dias de hoje e no mundo religioso. Com o nascimento da teologia de libertação, pesquisava-se uma nova práxis da fé cristã que fosse fator de transformação e libertação. Exigia-se uma nova prática da mensagem do bem em contraposição a do mal. Surgia um novo tipo de inteligência da fé, uma reflexão sobre os compromissos assumidos pelos cristãos em situação de conflitos sociais. As injustiças, a miséria, a falta de respeito para com a riqueza social e as liberdades da coletividade, praticadas pela oligarquia política e religiosa levam a América Latina tomar consciência de seus direitos e deveres.
II - Quando da visita do Papa Bento XVI a este País, maio de 2007, os católicos curvavam-se aos pés e veneravam o pastor-magistrado na cidade paulista. É o poder eclesiástico, identificado como autoridade divina. É o mito dos pastores divinos. E, segundo Platão, é o Deus-Pastor em sua relação com o rebanho, dando-lhe e garantindo uma terra. Exerce o poder sobre ele. Reúne, guia e conduz seu rebanho. Garante a salvação. Toma decisões no interesse de todos. Pois, segundo o mesmo filósofo, “… em se tendo por pastor a divindade, a humanidade não precisava de constituição política”. Deus providenciava tudo: frutos da terra, moradia, vida. Não era preciso se preocupar com nada. Deus satisfazia suas necessidades materiais.