Indignação Ética Contra a Violência do Arcebispo de Olinda e Recife

by Francisco on quinta-feira, 12 de março de 2009

Francisco Antônio de Andrade Filho


Era quarta-feira, 11 de março de 2009. A imprensa do Brasil e do mundo inteiro divulga a violência eclesiástica contra uma menina de nove anos, grávida de gêmeos. Foi na Arquidiocese de Olinda e Recife. A mãe da adolescente e os profissionais de saúde foram simbolicamente queimados por um arcebispo católico. Dom José Cardoso Sobrinho, herdeiro dos poderes sacros e podres da Inquisição Medieval, representa Deus neste massacre. Deus? Deus é vida. Violência do bispo é encarnação do mal, inferno na terra. E por que ele absolve o pedófilo-padrasto estuprador da mesma criança, grávida de gêmeos?

De outro, autoridades políticas, filósofos e teólogos; representantes de diversos movimentos sociais e feministas manifestaram indignação ética contra a ingerência e desobediência de um bispo da Igreja Católica nas leis constitucionais do Estado laico. Estranha conduta essa, prioridade ao Código do Direito Canônico? E onde fica o Direito Civil da Ordem Constitucional no Brasil?

A Excomunhão nas sábias palavras do Presidente da República do Brasil – Lula expressa sua indignação ética, nestes termos: “Como cristão e como católico, lamento profundamente que um bispo da Igreja Católica tenha um comportamento conservador como esse. Não é possível permitir que uma menina estuprada pelo padrasto tenha esse filho, até porque ela corria risco de vida. Acho que, neste aspecto, a medicina está mais correta do que a Igreja. A Medicina fez o que tinha que ser feito: salvar a vida de uma menina de 9 anos”.

O agir ético de repúdio ao poder sacro-podre do arcebispo, nas declarações de organizações feministas e institucionais - Elaine Patrícia Cruz, Agência Brasil/Aão Paulo, registra a crítica das mulheres: “Pregar sua doutrina no interior dos templos é um direito legítimo de todos os religiosos. Agora, quando um representante da Igreja Católica Apostólica Romana tenta interferir nas decisões da Justiça, ou faz essas declarações à imprensa, está claramente procurando exercer inapropriada influência pública sobre o Estado laico, construindo um discurso de intolerância e intransigência oposto à idéia de vida que alega defender”.

Por sua vez, Fórum de Mulheres de Pernambuco, em Recife, entrevistada por Camila Souza Ramos, Joana Pereira afirma categórica e corajosamente: “São fatos concretos que retratam esse posicionamento fundamentalista. Defendemos a laicidade do Estado, ou seja, que o Estado mantenha seu lugar político de defender o direito da população e que não haja nenhuma intervenção de nenhuma religião sobre a decisão ou proposição política do Estado.

Além disso, médicos, filósofos, teólogos e outros pesquisadores reagiram bem contra a ditadura medieval – seria “ditabranda”? -, na violência simbólica daquele arcebispo católico romano. Neste bom combate, Pedro Couto, Kotscho e eu nos alinhamos com outros amigos na blogosfera entre outros meios de comunicação.

Pedro Couto critica o arcebispo de Olinda e Recife: “A Igreja Católica, nos últimos anos, a começar pela Arquidiocese de Boston, foi atingida por casos de pedofilia. Os autores foram excomungados? Agora, tampouco o estuprador o foi. A mãe da menina, por ter autorizado a interrupção, sim, os médicos idem. Francamente não faz sentido. Dom José Cardoso voltou ao passado. Retornou às trevas da intolerância. Um desastre para todos de modo geral. E para o Vaticano em particular”.

Kotscho expressa sua indignação com esta sentença::” Clama aos céus que o que está em jogo não são as leis, nem dos homens nem da Igreja, mas apenas a vida de uma menina indefesa, ainda mais num país em que a legislação autoriza o aborto em vítimas de estupro até a 20ª semana de gravidez, sem autorização judicial”.

Sergio Cabral, diretor médico da maternidade, responsável pelo procedimento, explicou com todas as letras: “O risco maior seria a continuidade dessa gravidez. Uma criança de nove anos não tem ainda os órgãos formados. Se tudo correr bem, ela deve ter alta ainda esta semana”.

Eu, Francisco Antônio de Andrade Filho, convido Dom José Sobrinho Cardoso a uma meditação. Indague diante de Jesus Cristo, trancado no Sacrário de sua Catedral ou no seu Palácio Episcopal; pegue no crucifixo de ouro, postado no seu pescoço, feche os olhos e responda seriamente:

1. Em nome de Cristo, na Idade Média, a Inquisição da Igreja Católica queimava as bruxas, perseguiu e matou o frei Jordano Bruno, entre outros religiosos, só porque não aceitava os erros desta mesma Igreja. E hoje, o que fiz com essa excomunhão? Sou arcebispo e Deus? Será que Deus é vida? E isso é tudo?

2. Leia a obra de Baruch de Espinosa (1632-1677). A Ética - esse hino à vida livre -, juntamente com o Tratado Teológico-Político e outras obras clássicas desse pensador, constituem-se fontes inesgotáveis para o filosofar nos espaços de livre expressão como o de agora. É o livre exercício do juízo crítico em questões religiosas e político-institucionais. Por causa delas e com elas, ter valorizado a tal ponto o ser humano, Espinosa encontrou na sua frente a mais fantástica campanha do silêncio, perseguição e censura, proveniente daquelas mesmas instituições religiosas e políticas, católicas e protestantes.

3. Logo depois da leitura e meditação do pensamento do referido filósofo, veja o que nossa Igreja Católica, unida na perversidade com outros cristãos e judeus, assinou o “AUTO DE EXCOMUNHÃO DE BENTO ESPINOSA” pronunciada a 27 de Julho de 1656, cujo teor se pode ver no texto, a seguir.

4. “Os dirigentes da comunidade levam ao conhecimento desta que desde há muito tempo tinha notícias das equivocadas opiniões e errada conduta de BARUCH de ESPINOSA, tendo por diversos meios e advertências procurado afastá-lo do mau caminho. Como não obtiveram nenhum resultado e, bem pelo contrário, foram aumentando as horríveis heresias que o mesmo pregava e ensinava, bem como a sua conduta inaudita, resolveram as referidas autoridades de acordo com o Rabino, na presença de testemunhas fidedignas e do próprio ESPINOSA, que este fosse excomungado e expulso do POVO de ISRAEL, segundo os termos do seguinte Decreto de Excomunhão: Por decisão dos Anjos e o juizo dos Santos, excomungamos, expulsamos, execramos e maldizemos a BARUCH de ESPINOSA, com a aprovação do SANTO DEUS e de toda a sua SANTA COMUNIDADE, ante os SANTOS LIVROS da LEI com as suas 613 prescrições; com a excomunhão com que JOSUÉ excomungou Jericó, com a maldição com que ELISEU maldisse seus filhos e com todas as execrações escritas na LEI. Maldito seja de dia e maldito seja de noite; maldito seja quando se deite e maldito quando se levante; maldito seja quando saia e maldito quando regresse. Que o SENHOR não o perdoe. Que a cólera e a repulsa do SENHOR caiam sobre este homem e lancem sobre si todas as maldições escritas no livro da LEI. O SENHOR apagará o seu nome sob os céus e o expulsará de todas as TRIBOS de ISRAEL, abandonando-o e entregando-o ao poder do MALIGNO com todas as maldições do céu escritas no livro da LEI. Mas, quanto a vós, que sois fieis ao SENHOR vosso DEUS vivei em paz. Ordenamos que ninguém mantenha com ele laços de comunhão oral ou escrita, que ninguém lhe preste nenhum favor, que ninguém permaneça com ele sob o mesmo teto, e mantenha com ele uma distância nunca inferior a quatro jardas e que não leia nada escrito ou transcrito por ele”

5. Recomendo a leitura de minha conferência, no VI Congresso Brasileiro de Alzheimer, em Recife/PE, entre os dias 13 a 16 de agosto de 2008: “Ética e Espiritualidade no Final da Vida”, in http://www.orecado.org/?p=135.

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