A liberdade como expressão ética no pensamento político de Baruch de Espinosa

by Francisco on sexta-feira, 30 de setembro de 2005

Francisco Antônio de Andrade Filho

A ética no pensamento político de Baruch de Espinosa (1632-1677) foi produzida nas suas conhecidas obras clássicas intituladas: a Ética (1660) e o Tratado Teológico-Político (1670). Entre outros, esses textos constituem, segundo Hegel, o "ponto alto da filosofia moderna". Autor materialista, filósofo judeu-holandês, do século XVII, Espinosa influenciou a vida moderna, chega até hoje, e permanecerá enquanto a filosofia for praticada pelos homens e mulheres. Por ter valorizado o ser humano, defendido a liberdade humana, Espinosa é julgado, excomungado, expulso, execrado e maldito pelas instituições religiosas e políticas, católicas, protestantes e judaicas daquele tempo.

Recordemo-nos do seu conceito de liberdade como uma expressão ética no plano noético e dos atos. A tese central de Espinosa, nas supramencionadas obras, é a de que “ Deus ou Natureza “ (Deus sive Natura) "é causa livre de todas as coisas (...) nos concede um intelecto determinado e uma vontade indeterminada". Liberdade, aqui, não significa neutralidade face ao erro e ao mal, à falsidade e à falta de solidariedade.

Quando conhecemos “Deus sive Natura” e todas as verdades, somos livres, menos quando falam em nós as paixões, sobretudo a de mando sobre nossos semelhantes. Se atinamos com verdades claras e distintas, com laborioso trabalho do intelecto determinado - e não infinito como a vontade -, podemos ter alguma base para a nossa força livre sem imposição sobre os demais corpos e mentes.

Na fala espinoseana, afirma-se que, na própria essência divina, existe o alento para a nossa vida. Escreve ele: "basta-nos saber que somos livres e podemos sê-lo; sem oposição alguma que venha do querer divino, que, de outro lado, somos causa do mal" - neste sentido de que nenhum ato poderia ser chamado mau, salvo do ponto de vista de nossa liberdade.

A Ética - esse hino à vida livre -, juntamente com o Tratado Teológico-Político e outras obras clássicas desse pensador, constituem-se fontes inesgotáveis para o filosofar nos espaços de livre expressão como o de agora. É o livre exercício do juízo crítico em questões religiosas e político-institucionais. Por causa delas e com elas, ter valorizado a tal ponto o ser humano, Espinosa encontrou na sua frente a mais fantástica campanha do silêncio, perseguição e censura, proveniente daquelas mesmas instituições religiosas e políticas, católicas e protestantes.
Ainda hoje, busca-se a fonte de argumento apologético desta ou daquela seita do espírito, religiosa ou laica, católica ou civil.

Com Espinosa na Academia de Heidebberg, e hoje, nas academias de ensino, pesquisa e extensão, pode-se tematizar exaustivamente o relacionamento entre autoridade, ação livre e pensamento facultado a todos. Existe, hoje, a violência simbólica do poder político. Pior ainda, em nome de uma política minoritária, quer de partidos, em todas as suas cores, quer de poderes legislativos, executivos e judiciários, procura expor os membros de um coletivo à conformação de suas palavras aos desejos de mando e de jugo de uns pelos outros. Infelizmente, nos dias de ontem contra Espinosa, e de hoje, contra outros pensadores críticos e inovadores, aqueles poderes podres encobrem o domínio das mentes e corpos finitos, no dito do filósofo, "transformam homens racionais em animais ou em autômatos", interessados em troca de favores pessoais. É o massacre da liberdade humana em troca de prestígio material e de poder na administração pública e privada de alguns setores privilegiados. E tudo isso "em nome de Deus".

* Francisco Antônio de Andrade Filho. Doutor em Lógica e Filosofia Política/IFCH/UNICAMP/CAMPINAS/SP, 1994. É professor de Filosofia na Faculdade Maurício de Nassau e Membro do Comitê de Ética no Hospital Oswaldo Cruz/Recife.

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