Marsílio de Pádua: um democrata medieval

by Francisco on quarta-feira, 5 de maio de 2004

José Luiz Ames

A Idade Média é conhecida como o período das trevas. O cinema e a literatura, especialmente, são responsáveis por esta idéia. No imaginário das pessoas, este período foi dominado pela intolerância e superstição patrocinadas pela Igreja. Pouca, ou nenhuma, contribuição esta época teria fornecido à humanidade. Tão logo, porém, nos dedicamos à leitura dos grandes pensadores desta etapa da história humana, esta imagem se transforma. Notamos que não é possível fazer uma ponte entre o pensamento grego e moderno sem passar pelos medievais. É imprescindível abrir caminho pela Idade Média, porque ali, mais do que entre os antigos, foram gestadas as raízes da nossa cultura atual.

Na Filosofia Política medieval destacou-se, além de Tomás de Aquino, outro grande intelectual: o italiano Marsílio de Pádua. Nascido em torno de 1285, jamais pertenceu aos quadros da hierarquia da Igreja. Estudou Direito, Filosofia e Medicina. Aos 27 anos foi reitor da Universidade de Paris. Durante os anos em que passou na França, escreveu sua obra-prima: “O Defensor da Paz”, concluída em 1324. Três anos depois, foi convocado a apresentar-se diante da Cúria Romana para esclarecer as posições defendidas nesta obra. Temendo represálias, refugiou-se na corte do príncipe alemão Luís da Baviera.

Este príncipe alemão havia sido eleito Imperador em 1314. A tradição determinava que o Arcebispo de Colônia, representando o Papa, ungisse e coroasse o eleito, o que acabou não ocorrendo. Após a eleição do novo Pontífice romano, João XXII, em 1316, o bávaro apelou à Sua Santidade para solucionar o conflito. O Papa, porém, declarou vago e trono e avocou a si a administração do Império. Luís da Baviera resolveu, então, usar da força e invadiu a Itália. O Papa, por sua vez, decidiu usar das armas da doutrina e excomungou o príncipe. Durante estes acontecimentos Marsílio já estava junto à corte do nobre alemão. Uma vez conquistada Roma, o príncipe alemão, orientado por Marsílio, destituiu o Papa, ordenou a escolha de um antipapa pelo povo romano e fez-se coroar Imperador. Pouco mais de meio ano depois, porém, foi expulso da cidade e obrigado a retornar à Alemanha. O Papa João XXII voltou à cidade, excomungou Marsílio e proibiu a leitura de sua obra.

Marsílio permaneceu na corte do príncipe alemão até sua morte, ocorrida provavelmente em 1343. Os conflitos que envolveram a Igreja e o nobre alemão influenciaram o modo como esse grande intelectual italiano propôs sua solução ao clássico problema medieval da relação entre poder espiritual, representado pelo Papa, e poder temporal, representado pelo Imperador.

Nas próximas reflexões vamos mostrar que Marsílio defendeu vigorosamente a soberania do povo. O único poder legítimo, de qualquer natureza, pertence ao conjunto da população e a ninguém mais. Essa compreensão tornava ilegítima a pretensão do Papa tanto ao exercício do poder temporal, quanto espiritual. Nestas análises nos guiaremos pela obra mais importante de Marsílio de Pádua: “O Defensor da Paz”.

*José Luiz Ames é doutor em Filosofia e professor da UNIOESTE, Campus de Toledo.

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