Tomás de Aquino e o direito à revolução

by Francisco on quarta-feira, 16 de junho de 2004

José Luiz Ames

Tomás de Aquino não tem dúvidas de que a vida social precisa de uma autoridade sem o que se dispersaria na anarquia. Qual a forma de autoridade preferida de Tomás? É aquela, diz ele, que combina o princípio das três formas justas de governo: a monarquia, a aristocracia e a democracia. Esta forma é encontrada na monarquia hereditária (princípio monárquico), controlada por conselhos de homens sábios e prudentes (princípio aristocrático) eleitos pelo povo (princípio democrático). O problema que Tomás se coloca é: quando um povo é governado por um tirano em lugar de um monarca justo, é lícito derrubá-lo pela força? É o problema do direito à revolução.

Na solução do problema, Tomás lembra sua filosofia social. A posse das coisas materiais corresponde ao direito natural do homem de servir-se dos bens para sua preservação. No entanto, a posse não pode excluir dessa utilização aqueles que dependem dela para sua sobrevivência. Assim, numa situação de necessidade extrema, pode o homem tirar de outro, se ninguém o socorre, o necessário à vida. Por exemplo, se alguém passa fome e ninguém o socorre, ele pode tomar de quem possui aquilo de que necessita para continuar vivendo. Não é furto, pois a existência de pessoas que passam fome é resultado do abuso de propriedade. Alguns passam fome, porque outros acumulam mais bens materiais do que necessitam para viver.

Na política, a pergunta se o homem pode resistir às leis injustas é respondida deste modo por Tomás: estas leis não são verdadeiras leis, mas perversões, violências. O poder tirânico é ilegítimo: do mesmo modo que o direito à propriedade cessa com o seu abuso, o governante que não zela pela suficiência dos bens materiais para a prática da virtude, perde o direito de exercer a autoridade sobre o seu povo. Assim, um movimento para depor o tirano pela força pode ser justo.

Tomás condiciona o direito à revolução a certas condições. Primeiramente, a ação contra o tirano não pode ser individual, mas pública. Em segundo lugar, antes de agir pela força é preciso esgotar todos os outros meios possíveis. Em terceiro lugar, o movimento não deve acarretar males maiores do que a tirania. Finalmente, é preciso ter certeza de que o governo seguinte à insurreição será melhor do que o deposto.

A propósito deste último ponto, Tomás de Aquino conta a história da bondosa velhinha de Siracusa, que orava diariamente pela conservação da vida do tirano Dioniso. Informado do fato, o tirano mandou chamá-la e a interrogou sobre a razão desse comportamento, já que ele sabia ser por todos execrado. A boa senhora respondeu: “quando eu era menina, estávamos sujeitos a um grave tirano, cuja morte eu desejava; uma vez morto, sucedeu-lhe um outro ainda mais duro, e eu não via a hora de nos vermos livres dele. E começamos a ter um terceiro governante, mais intolerável, que és tu. Portanto, se fores derrubado, sucederá um pior no teu lugar”.

A narrativa dispensa explicações e sua atualidade não poderia ser maior. Conhecemos pela história passada da América Latina e do Brasil a seqüência de regimes autoritários que parecem justificar a preocupação da velhinha de Siracusa lembrada por Tomás de Aquino. Mesmo nos dias atuais, nossas democracias não parecem mais alvissareiras. Nossos governantes são depostos por um processo eleitoral, mas o decepcionante é constatar que o sucessor escolhido muitas vezes é pior do que o antecessor. Talvez o receio da velhinha de Siracusa explique porque o povo reeleja governantes que critica.

* José Luiz Ames é doutor em Filosofia e professor da UNIOESTE, Campus de Toledo.

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by Nao me interessou on 28 de abril de 2009 às 15:21. #

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