Pensar a Educação

by Francisco on segunda-feira, 28 de junho de 2004

Semíramis Alencar

Para pensar a educação, sob o pensamento de Lev Semenovich Vygotsky numa atuação dos professores, é importante destacar que enfrentaremos aqui a complexa relação entre propostas teóricas e práticas pedagógicas, tão relevante na área da educação.

A tensão entre a teoria e prática é uma constante na área da educação. A teoria pode alimentar a prática, mas não fornecer instrumentos metodológicos de aplicação imediata. O necessário é buscar em cada autor elementos que forneçam dados para a reflexão em torno da questão educacional.

Os processos de desenvolvimento e de aprendizagem e suas relações interligadas são o foco central do pensamento de Vygotsky. Sua abordagem é essencialmente genética, pois busca a origem e o desenvolvimento dos processos psicológicos, desdobrando-se nos níveis filogenéticos (desenvolvimento da espécie humana); ontogenético (desenvolvimento do indivíduo) e microgenético (desenvolvimento dos aspectos específicos do repertório psicológico dos sujeitos).

A importância que Vygotsky atribui à dimensão sócio-histórica do funcionamento psicológico e à interação social na construção do ser humano é igualmente central em sua concepção sobre o homem e suas relações com os indivíduos. A interação do sujeito com o mundo se dá através da mediação feita por outros sujeitos.

Para ele, a aprendizagem está relacionada ao desenvolvimento desde o inicio da vida humana. O percurso de desenvolvimento do ser humano é, em parte, definido pelos processos de maturação do organismo individual. Mas, é a aprendizagem que possibilita o despertar dos processos internos de desenvolvimento.

A concepção de ensino-aprendizagem de Vygotsky inclui dois aspectos relevantes: primeiro, a idéia de um processo que envolve, ao mesmo tempo, quem ensina e quem aprende não se refere necessariamente a situações em que haja um educador fisicamente presente. Segundo, quando a aprendizagem é um resultado desejável de um processo deliberado, explicito, intencional.

Para Vygotsky a escola é o lugar por excelência onde o processo intencional de ensino-aprendizagem ocorre: ela é a instituição criada pela sociedade letrada para transmitir determinados conhecimentos e formas de ação no mundo: sua finalidade envolve, por definição, processos de intervenção que conduzam à aprendizagem.

Na escola, o professor é uma pessoa real, fisicamente presente diante daquele que aprende, com o papel explicito de intervir no processo de aprendizagem (logo, de desenvolvimento).

O processo de ensino-aprendizagem ocorre às vezes de maneira informal, por meio da imersão do sujeito em situações da vida cultural. Às vezes acontece de forma deliberada, pela ação clara e voluntária de um educador que dirige este processo.

Embora processos de aprendizagem ocorram constantemente na relação do indivíduo com o meio, quando existe a intervenção deliberada de um outro social nesse processo, ensino e aprendizagem passam a fazer parte de um todo único, indissociável, envolvendo quem ensina, quem aprende e a relação entre essas pessoas.


Implicações para o ensino escolar

São três, as idéias básicas de Vygotsky para a questão do ensino escolar:

1. O desenvolvimento psicológico deve ser olhado de maneira prospectiva, isto é, para além do momento atual: a idéia de transformação na educação ganha um destaque posto que se interessa em compreender tudo aquilo que vem a ser de novo na trajetória do indivíduo, os “brotos” ou “flores” ao invés de seus frutos. (Vygotsky, 1884).

2. É fundamental para a educação que os processos de aprendizado movimentem os processos de desenvolvimento. A trajetória do desenvolvimento humano se dá “de fora para dentro”, por meio da internalização de processos interpsicológicos. As metas e os processos do desenvolvimento humano são sempre definidos culturalmente. Por exemplo, um indivíduo que passe toda a sua vida no interior de um grupo cultural àgrafo, jamais será alfabetizado, este é um exemplo claro de um processo de desenvolvimento que não ocorre se não houver situações de aprendizado que o provoquem.

3. A importância da atuação dos outros membros do grupo social na mediação entre a cultura e o indivíduo e na promoção dos processos interpsicológicos que serão posteriormente internalizados.


O indivíduo não tem instrumentos endógenos para percorrer sozinho, o caminho do pleno desenvolvimento. Não basta o contato com objetos de conhecimento ou a imersão em ambientes informadores porque não promove necessariamente o desenvolvimento balizado por metas culturalmente definidas.

A intervenção deliberada dos membros mais maduros da cultura no aprendizado das crianças é essencial ao seu processo de desenvolvimento.

A importância da atuação de outras pessoas no desenvolvimento individual é evidente em situações em que o aprendizado é um resultado claramente desejável nas interações sociais.

Os procedimentos regulares que ocorrem na escola – demonstração, assistência, fornecimento de pistas ou senhas, instruções, etc – são fundamentais para a promoção de um ensino capaz de promover o desenvolvimento. A intervenção do professor tem, pois, um papel central na trajetória dos indivíduos que passam pela escola.

A escola é um lugar social onde o contato com o sistema de escrita de escrita e com a ciência enquanto modalidade de construção de conhecimento se dá de forma sistemática e intensa, potencializando os efeitos dessas outras conquistas culturais sobre os modos de pensamento.


A questão da alfabetização

A escrita, sistema simbólico que tem um papel mediador na relação entre o sujeito e o objeto de conhecimento, é um artefato cultural que funciona como suporte para certas ações psicológicas, como instrumento que possibilita a ampliação da capacidade humana de registro, transmissão e recuperação de idéias, conceitos e informações. A escrita seria uma espécie de ferramenta complementar que possibilita uma maior capacidade de registro, de memória e de comunicação.

A escrita não é apenas um código de transcrição da língua oral, mas um sistema de representação da realidade e de que o processo de alfabetização é o domínio progressivo desse sistema, que começa muito antes da escolarização da criança.

Mesmo imersa em uma sociedade letrada, a criança não desabrocha espontaneamente como uma pessoa alfabetizada: a aprendizagem de um objeto cultural tão complexo como a escrita depende de processos deliberados de ensino. A mediação de outros indivíduos é essencial para provocar avanços no domínio desse sistema culturalmente desenvolvido e compartilhado.

Enquanto a teoria de Emília Ferreiro está centrada na natureza interna da escrita enquanto sistema, a de Vygotsky e de Luria centra-se nas funções desse sistema para seus usuários. O processo de Ferreiro investiga o processo pelo qual a criança adquire o sistema de escrita de sua natureza, articulação interna e regras de funcionamento. O trabalho de Vygotsky e Luria, por sua vez, volta-se para a investigação de como a criança apreende as funções da escrita e de como desenvolve a necessidade de utilizá-la como instrumento psicológico.


O processo de escrita da criança se dá em 4 fases à seguir:

1. A criança passa por uma fase de imitação do formato externo da escrita: faz “rabiscos” que imitam fisicamente a escrita do adulto, mas sem valor instrumental.

2. A criança passa a utilizar o que Luria chama de “marcas topográficas”: registros gráficos distribuídos pelo papel cuja posição no espaço poderá auxiliar na leitura posterior dessa escrita. É a escrita atuando como instrumento auxiliar da memória.

3. A criança passa a produzir uma escrita claramente ligada ao conteúdo da fala a ser registrada, fazendo diferenciações de acordo com o tamanho, a quantidade, a forma ou a cor do referente. A criança após esta fase será capaz de utilizar representações pictográficas como forma de escrita, produzindo desenhos simplificados para registrar diferentes conteúdos da fala.

4. A partir deste momento a criança, provavelmente já envolvida em situação de escolarização formal passará ao processo de apropriação do sistema convencional de escrita.


Portanto, podemos constatar que o indivíduo apresenta-se em cada situação de interação com o mundo social, num momento de sua trajetória particular, quando traz consigo determinadas possibilidades de interpretação e ressignificação do material que obtém dessa fonte externa.

Para os seres humanos, enquanto usuários da linguagem natural, é normal questionar ou afirmar relações entre pensamento e linguagem; quando os grupos humanos tornam-se letrados, passamos a refletir também sobre as conseqüências psicológicas da invenção da escrita e os efeitos da alfabetização.


Estudo baseado nos livros:
Pensamento e Linguagem - Lev Semeniovich Vygotsky
Pensar a Educação – Contribuições de Vygotsky – Martha Khol de Oliveira.

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