Aristóteles: os partidos e o governo do Estado

by Francisco on quinta-feira, 18 de março de 2004

José Luiz Ames

Para Aristóteles, somente é cidadão aquele que participa efetivamente da administração do Estado. O melhor administrador dos poderes do Estado é o povo no seu conjunto. A lição que nos ocupa aqui é entender o argumento de Aristóteles contra as pretensões universalistas dos “partidos”, isto é, os grupos que disputam o poder no Estado.

Antes de qualquer coisa, é preciso observar que, no tempo de Aristóteles, não existiam partidos políticos na forma como os conhecemos hoje. Na Grécia daquele tempo existiam “facções” ou “grupos” que se comportavam de modo semelhante aos modernos partidos políticos. Por isso, parece adequado designá-los pelo mesmo nome.

Os “partidos”, diz Aristóteles, fundamentam sua reivindicação de exercerem o poder do Estado no princípio da justiça distributiva. Este princípio diz o seguinte: cada um deve receber proporcionalmente àquilo a que tem direito segundo a qualidade que lhe é própria. O problema todo, como é fácil notar, é pôr-se de acordo sobre essa “qualidade”. Por exemplo, na eleição para Reitor numa Universidade pública, os alunos poderiam argumentar que a “qualidade” comum a todos é o fato de todos serem igualmente membros da comunidade acadêmica. Logo, o voto de cada membro deve ter o mesmo peso. Os professores, por outro lado, poderiam argumentar que eles são responsáveis pelos fins (ensino, pesquisa e extensão) da Universidade. Logo o voto deles deve valer mais do que o dos outros.

No Estado, os diferentes partidos raciocinam de modo semelhante. Cada um deles pensa que a qualidade da qual se acha possuidor é a única da qual a coletividade necessita para alcançar o bem estar de todos. Sob o ponto de vista dos fatos, diz Aristóteles, é inegável que cada partido tem credenciais suficientes para exercer o poder soberano no Estado. Sob o ponto de vista do direito, os argumentos de cada um deles são refutáveis. De que maneira?

Aplicando-se o princípio “a cada um segundo o valor de suas qualidades”, temos uma conseqüência que ninguém aceita. Se as qualidades de um partido, seja ele qual for, possuir sozinho mais valor do que o resto da comunidade tomada em seu conjunto, o poder soberano lhe deveria ser entregue por justiça. Neste caso, este partido deveria governar sozinho. Eis o que ninguém aceita.

Aristóteles examina a hipótese de que o partido em questão seja um indivíduo excepcional. Se os defensores dos demais partidos fossem totalmente fiéis ao princípio defendido, deveriam ceder o poder a este único homem. Por quê? Porque o princípio diz: “a cada um segundo o valor de sua qualidade”. Se as qualidades deste único homem fossem superiores à soma das qualidades de todos os demais partidos, então ele deveria governar sozinho!

A lição de Aristóteles é de que nenhum partido tem razão no seu argumento. O Estado não deve ser governado por uma “parte”. A administração da comunidade política é tarefa do conjunto dos cidadãos. Nenhum partido pode pretender substituir a coletividade inteira no exercício do poder. Quando um partido faz isso, exclui aqueles que não pertencem a ele do direito de participarem da administração do Estado. Neste caso, a comunidade deixa de ser “política” para ser “despótica”. Quer dizer, deixa de ser uma forma de exercício dos poderes em vista do bem geral para tornar-se o exercício do poder em favor dos interesses privados. Em que isto poderia ser útil aos nossos partidos de hoje em dia?

*José Luiz Ames é doutor em Filosofia e professor da UNIOESTE, Campus de Toledo.

Um comentário

De facto esta é uma matéria que precisa de um bom esclarecimento, mais a vossa pagina aqui dá uma explicação precisa. obrigado

by Orlando Buta on 25 de junho de 2008 às 11:34. #

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