Aristóteles: a defesa de interesses é a destruição da vida política

by Francisco on segunda-feira, 8 de março de 2004

José Luiz Ames

Aristóteles refere um sábio dispositivo da constituição dos atenienses: quando a assembléia delibera sobre assuntos que envolvem a possibilidade de uma guerra com um Estado vizinho, os habitantes da zona fronteiriça são excluídos da votação. O motivo dessa medida é que eles poderiam não votar sem que os seus interesses particulares se impusessem aos interesses gerais.

Isso mostra uma concepção política oposta à mentalidade moderna. Nossos parlamentares organizam-se em “blocos” para defender interesses particulares. Assim, temos a “bancada ruralista”, a “bancada evangélica”, a “bancada da bola”, etc. Qual a conseqüência desse tipo de prática política nos dias atuais? Nossos representantes perderam de vista o interesse geral. Eles se reconhecem como representantes de determinados setores ou grupos da sociedade. Os acordos e negociações, próprios da prática política, acabam se transformando em troca de favores. Os privilégios concedidos a um grupo redundam em prejuízo da coletividade.

Todo problema começa já na campanha para conquistar o voto dos eleitores. Os candidatos se apresentam com a promessa de defenderem os interesses de uma região (um bairro, uma comunidade rural, um município) ou grupos (jovens, agricultores, mulheres, funcionários públicos). A afirmação desses interesses tem como conseqüência a fragmentação do espaço político. Em vez de ser a discussão do interesse público (de todos), torna-se a defesa do interesse privado (de alguns). Desse tipo de prática nascem as aberrações legais: leis que concedem privilégios àqueles que possuem determinada cor de pele, que desempenham determinada função sexual, que moram em determinada área geográfica, que realizam certa atividade profissional, etc. Ninguém quer abrir mão de um “direito adquirido”, como se pudessem existir direitos privados opostos ao interesse público!

Deveríamos aprender com os gregos: proibir que aqueles que estão identificados com determinados interesses de grupos pudessem votar em propostas que dizem respeito a esses grupos: que a “bancada ruralista” não pudesse votar em propostas sobre agricultura e pecuária; a “bancada da bola”, sobre questões do esporte; a “bancada feminista”, sobre temas que envolvem as mulheres; e assim por diante.

Isso implica na reeducação para a política. Hoje nossos representantes ficam orgulhosos quando conseguem provar que atenderam os “interesses de suas bases”! Imaginam que cumpriram integralmente sua missão quando defenderam os interesses privados daqueles que os elegeram. Compreendem-se como representantes de grupos e não da coletividade! São uma espécie de “despachantes de luxo”. Os eleitores, do mesmo modo, cobram dos eleitos o cumprimento de promessas miúdas, aquelas que lhes concedem favores e privilégios. Sem uma reeducação política, nossa vida coletiva continuará sendo uma luta selvagem pelo interesse privado. O privilégio, meu direito adquirido de hoje, é a destruição do direito de todos amanhã. Se houver amanhã.

*José Luiz Ames é doutor em Filosofia e professor da UNIOESTE, Campus de Toledo.

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