Aristóteles: é melhor que o povo governe ou o povo governa melhor?

by Francisco on segunda-feira, 15 de março de 2004

José Luiz Ames

As duas idéias colocadas no título aparentemente não têm maior diferença entre si. Será que não têm mesmo? A pergunta que Aristóteles se coloca é a seguinte: quem pode exercer de modo mais justo o governo num Estado? Em princípio, os diferentes partidos que existem no Estado pleiteiam esta condição. São eles, então, todos iguais e é indiferente quem exerce o poder soberano no Estado? Aristóteles pensa que não. Ele não tem dúvida de que a política é algo que diz respeito a todos. Logo, cabe ao povo exercer o poder soberano no Estado.

No entanto, cabe ao povo porque é melhor que ele governe, ou porque o povo governa melhor? Quando dizemos que “é melhor que o povo governe” estamos dizendo que apenas um “partido”, a massa, é capaz de realizar um governo justo. Agora, quando dizemos que “o povo governa melhor” estamos defendendo a idéia de que o governo exercido pelo povo resolve com maior eficiência os problemas em favor do interesse de todos. Não é possível, porém, dizer que, por princípio, ele é mais justo do que o governo de qualquer outro partido. Aristóteles fica com a segunda alternativa, porque pensa que o povo, tomado como um conjunto, é superior aos indivíduos, mesmo que estes sejam os melhores.

Por que as deliberações coletivas são melhores do que aquelas dos indivíduos, mesmo que sejam os mais sábios? Acontece que a deliberação feita pelo povo no seu conjunto é a única capaz de ver as coisas de múltiplos pontos de vista. Diante da objeção “tecnocrata”, de que deve decidir aquele que é competente, o especialista, Aristóteles responde: há assuntos, e a política é um deles, que devem ser decididos pelos usuários. Quer dizer, os destinatários da política são os cidadãos no seu conjunto. Somente eles sabem o que é bom ou não para eles. Pensar o contrário seria como afirmar que é o cozinheiro quem deve dizer se a comida é saborosa ou não.

Aristóteles mostra que a superioridade da democracia não está tanto nos motivos práticos, que ele próprio destaca: é o mais estável e equilibrado dos regimes e o único a permitir a alternância real dos cargos entre os cidadãos. Hoje vemos somente estas vantagens. O pensador grego mostra que o principal não está ali. O decisivo é que o povo governa melhor. Somente quando o poder está nas mãos de todos os cidadãos, e não de um grupo, existe um sentimento de amor à comunidade. Somente nesta situação a política é algo que diz respeito “a nós” e não “aos outros”, os políticos profissionais.

Se levássemos a sério esta reflexão de Aristóteles, acabaria a picaretagem política. Hoje prevalece a idéia de que bom político é aquele que realiza os interesses dos grupos dos quais se diz representante. Se o Estado tivesse estruturas que possibilitassem a participação efetiva da coletividade, estes pretensos representantes perderiam sua importância em favor do sujeito principal da política, o cidadão.

*José Luiz Ames é doutor em Filosofia e professor da UNIOESTE, Campus de Toledo.

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