Semíramis Alencar
Tudo no mundo está revestido de ideologias. A pedagogia não é diferente. Ela, como uma ciência social ou como uma ciência da educação também tem ideologias que se convergem ou divergem entre si.
Apresenta-se nas formas conservadoras, radicais e democráticas tal e qual nossa sociedade através dos tempos. Ora estimulam às massas pela luta de classes, ora mantém-se inerte face às opressões das oligarquias. Todas as esferas da pedagogia, de certo modo, valorizam os conteúdos sejam eles abstratos, concretos, intelectuais ou científicos, culturais ou sociais. Portanto, é uma ciência em constante mutação. Não é uma filosofia: ela se constitui de várias filosofias na arte de conduzir as sociedades.
Cabe ao professor, passar o conhecimento, seja qual for a teoria utilizada. Mas, cabe ao pedagogo elaborar os conteúdos, verificando os métodos de ensino o qual o professor deverá aplicar (isto sem contar que, somos também técnicos em psicologia, em enfermagem e em direito educacional). Enfim, o professor não existe sem o pedagogo e o pedagogo sem o professor é nulo, pois não adianta um aglomerado de teorias, se na prática a aplicação é insuficiente e os educandos se tornam as vítimas deste processo.
Por mais que se tente afastar a escola dos fatores políticos e sociais, é impossível, porque a escola é o centro formador da sociedade. É a escola que contribui para o progresso de um país, tanto na difusão da história, quanto na manutenção do conhecimento filosófico, na estimulação e introdução do conhecimento científico, ou seja, a escola é a formadora de indivíduos que zelarão pela história, pela política, pelo ensino, pela saúde e tecnologia de um país.
Para quê pedagogia? Talvez para lembrar a sociedade que a educação é fonte de vigília permanente no que se refere aos instrumentos de manipulação da sociedade. Ela atua como elemento investigativo não apenas elaborando novas teorias educacionais, mas também está, (embora muitas vezes confinada nas salas de aula ou nas administrações escolares) envolvida na defesa dos direitos da classe dos educadores e nas injustiças cometidas aos educandos, educandos estes que são futuros agentes formadores que transformarão um dia esta mesma sociedade que os manipula tanto cultural, política ou ideologicamente.
Semíramis Alencar
A escola de meus sonhos eu ainda não vi.
Ela está no sonho dos alunos, dos professores dedicados que conheci;
A escola dos meus sonhos não se fará com estruturas futuristas, nem com apelos modernistas ou tendências tradicionais.
Ela se fará com carisma e a ousadia de ouvir os educandos e guiá-los para uma humanidade mais justa, que se preocupa com os demais.
Uma escola que usa o bom senso, no momento de avaliar seus discípulos e escolher seu corpo docente;
Orientando-os a uma prática de ensino coerente.
Educadores que entendam que o ser e o saber dos educandos precisam ser respeitados.
Que nunca permitam que seus pupilos sejam desmoralizados
Por não saberem o conteúdo de uma disciplina ou por suas diferenças.
Educadores que saibam diminuir as desavenças.
Pois amam seu ofício e se entregam à vocação,
E sabem que educar é conquistar o coração.
Antes de tudo, esta escola onírica deve estar em constante revisão de suas metas estabelecidas,
Para não cair na mesmice de outras já falidas.
Será uma escola crítica, assim, seu principal compromisso será com a verdade.
Uma vez que é fundamental o diálogo, a troca de experiências e a confrontação com a realidade.
A realidade dos que tem fome de saber, de viver, fome de cidadania.
Esta é a escola que desejo um dia.
Semíramis Alencar
Demerval Saviani afirma que “A educação coincide com as origens do próprio homem (...) As origens da educação se fundem com as origens do próprio homem”.
Com base nesta afirmativa observa-se que a educação e o trabalho estão intimamente ligados e interdependentes por um ser indispensável à existência do outro e esta interdependência se faz vital para a humanização do homem.
Enquanto trabalha, o homem transforma seu ambiente e altera sua visão de mundo e de si mesmo, se auto-produzindo e se auto gerando participando ativamente do cíclico processo de globalização e capitalismo.
O homem enquanto beneficiado por seu trabalho e conhecedor deste processo cíclico, cria a consciência de liberdade. Não apenas a liberdade de gerir e usufruir de seu capital, mas de transformar a natureza criando bens de consumo para ele ou para o outro e ainda manifesta sua liberdade como autodeterminação, buscando partir os grilhões que a natureza o impunha, aumentando-lhe a capacidade de crescer.
O projeto de emancipação humana não poderá ser pautado em bases utópicas. Não será possível o homem se libertar enquanto ele não exercer o trabalho que o fará desenvolver suas forças físicas e espirituais no contato com o meio social para interagir entre outros homens, para o bem comum.
“Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, inversamente, o seu ser social que determina sua consciência” (Karl Marx) O homem ao passar por privações, reflete em seu arcabouço psicológico suas necessidades em forma de passividade, ignorância, rudez e violência.
A verdadeira conscientização da sociedade para o valor do trabalho vem da escola, daí esta relação íntima entre sociedade, trabalho e educação.
No entanto, observa-se que a escola está se distanciando cada vez mais desta obrigação, pois ao seu ver, não é de sua competência educar para a cidadania e para o trabalho, para a formação de futuros trabalhadores e cidadãos.
É necessário entender que hoje a educação deve estar pautada para a formação profissional. Os sistemas educacionais que propõe a liberdade (em tempos em que esta não existia) e as novas metodologias de ensino, que prometem um próspero futuro para quem as seguem, acabaram por criar uma desculpa padrão para educadores que preferem reclamar de tudo: do governo, da LDB, dos planos educacionais, das secretárias regionais de educação, ao invés de propor um planejamento educacional que forme para o trabalho. Não os cursos técnicos de formação para o trabalho que obtiveram êxito nas décadas de 70 e 80, mas na educação que conscientiza o aluno, orientando e esclarecendo aos progenitores destes quanto à necessidade de procurar por seus direitos.
O Brasil precisa voltar a pensar a educação no seu sentido primordial (educação, do latim educere , que significa: ato de conduzir). A educação é o que guia a sociedade, ou nos dizeres de Paulo Freire em Pedagogia da autonomia “Educar não é transferir conhecimento (...) educar exige compreender que a educação é uma forma de intervir no mundo (...) não posso ser professor se não percebo, que por não poder ser neutra, minha prática exige de mim uma definição. Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais. Sou professor contra a ordem capitalista vigente que inventou esta aberração: a miséria na fartura”.
Hoje todo mundo é bom: quando uma empresa abre concurso para estagiários, a fila de candidatos capacitados daria para encher um estádio de futebol. E aí, de cada 100 inscritos, 99 – todos com diploma, idiomas e alguns com MBA – serão descartados na primeira entrevista, sem a chance de mostrar tudo o que aprenderam. Com a globalização e neoliberalismo o mercado mudou. Substituiu e vai substituir cada vez mais os empregados fixos por consultores ou prestadores autônomos de serviço. Por esta razão, no século XXI, “pensar grande” não é mais pensar num grande emprego. É pensar como não depender de um.
Este é o caminho das relações entre escola, trabalho e sociedade esquecer a formação teórica que visa apenas os circuitos fechados das grandes empresas, caindo no pessimismo de formar educandos que guardarão seus diplomas de científico, de graduação e pós graduação no fundo da gaveta. É formar o aluno para a prestação de serviços e consultoria técnica para que não dependam eternamente das benesses capitalistas.
Fontes pesquisadas:
• ANDRADE FILHO. Francisco Antônio - Relação entre trabalho e educação - Trabalho a expressão fundante da humanização. In: symposium, ano3, numero especial, jun.99, p.73-81. http://www.orecado.cjb.net
• FREIRE. Paulo. Pedagogia da autonomia – Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996
• GEHRINGER. Max O que é... desemprego? - Revista Você S/A , Abril, ed. 68, fevereiro de 2004.
• SAVIANI. Demerval. O trabalho como principio educativo frente às novas tecnologias. In: FERRETI,Celso João et al. Novas tecnologias, trabalho e Educação: um debate multidisciplinar. Petrópolis: Vozes, 1994.
Francisco Antônio de Andrade Filho
Aristóteles (383-322 a.C.), observando a cidade de Atenas, neste olhar para a história, emite juízos de valores em suas duas obras clássicas: O Político e Ética a Nicômaco. Esses textos se entrelaçam numa mesma dimensão política, na constituição de uma cidade feliz e livre.
Na abertura da Ética a Nicômaco, Aristóteles aplica o termo política a um assunto único - a ciência da felicidade humana - subdividido em duas partes: a primeira é a ética e a segunda é a política propriamente dita. A felicidade humana consistiria em uma certa maneira de viver, e a vida de um homem é resultado do meio em que ele existe, das leis, dos costumes e das instituições adotadas pela comunidade à qual ele pertence. A meta da política é descobrir primeiro a maneira de viver (bios) que leva a felicidade humana, e depois a forma de governo e as instituições sociais capazes de assegurar aquela maneira de viver. A primeira tarefa leva ao estudo do caráter (ethos), objeto da Ética a Nicômaco; a última conduz ao estudo da constituição da cidade-estado, objeto da Política. Esta, portanto, é uma seqüência da Ética, e é a segunda parte de um tratado único, embora seu título corresponda à totalidade do assunto.
A Política é, assim, aquela ciência cujo fim é "o bem propriamente humano" e este fim é o bem comum. Por isso, Aristóteles considera a política e a ciência prática "arquitetônica", isto é, que estrutura as ações e as produções humanas.
A afirmação aristotélica, segundo a qual o "homem é naturalmente um animal político" (politikón zoõn), deve ser levada a sério, pois ela define o humanismo que Aristóteles reconhece e propõe. Aquele que "fosse incapaz de integrar-se numa comunidade (koinonia), o que seja auto-suficiente a ponto de não ter necessidade de faze-lo, não é parte de uma cidade (polis), por ser um animal selvagem ou um deus".
A ética grega é uma ética natural, finalista procura um fim, um bem determinado: a felicidade. Essa finalidade só se encontra na comunidade política de Aristóteles.
Para os gregos o ser humano é natural. Mas infelizmente, hoje, nós perdemos essa idéia de natural, porque temos todo o artificio científico. Para Aristóteles o homem é um animal (bicho) como todos os outros. Mas esse bicho tem uma grande diferença: ele pensa. Ele tem a mesma dimensão de um animal, porém pensante. Um animal que se auto-direciona graças a sua inteligência e sua liberdade, isto é, ele é capaz de se propor uma direção de vida. Os outros seres são fatalmente submetidos às leis biológicas. O animal humano segue uma trajetória em direção a sua realização.
O ser humano é aquele que nasce o mais imperfeito de todas as criaturas e os outros animais nascem mais ou menos com tudo aquilo que eles precisam e alguns já nascem até capazes de providenciar sua subsistência. Eles nascem completos no seu roteiro biológico. Já os Seres Humanos nascem muito mais incompletos. Isto é o Ser Humano nasce com capacidade de alcançar sua meta. Essa meta é uma potencialidade que está em mim. Eu posso realizá-la ou destruí-la.
Dessa forma, o homem é um animal perigoso e muito limitado num ponto absolutamente importante: sua finalidade (fim) ou como se diz no jargão filosófico: ele tem que realizar a sua causa final.
Portanto, a realização do homem está entregue em suas mãos. Ele nasce sem sua finalidade conquistada. Muito pelo contrário, está tudo por começar. Por isso ele segue uma trajetória em direção à sua felicidade a ser conquistada. Essa trajetória passa pela família (primeira educação, a raiz), pela aldeia (o agrupamento humano, seria o tronco) e finalmente chega à comunidade política (que seria a copa da árvore). A convivência política é onde o homem se realiza perfeita e plenamente. Só assim é que ele alcança a plenitude da sua natureza.
O homem só alcança sua plenitude na comunidade. Ninguém alcança a felicidade solitariamente. Ninguém é feliz sozinho. Nós somos sempre felizes na solidariedade da comunidade política. Nós precisamos da sociedade e Aristóteles tem uma palavra maravilhosa que poderia estar na Bíblia: "o homem que não precisa da sociedade ou é um Deus, ou é um besta".
A ética individual é a ética das virtudes morais e pessoais. Está subordinada à ética pública, ou seja, à comunidade política. Ela se guia pela única virtude que é a da justiça. Para Aristóteles, a Política é uma ciência arquitetônica ou, em linguagem mais comum, um grande guarda-chuva que abriga e comanda todos os saberes da comunidade.
A meta da ética e da política é única: a felicidade, ou seja, a vida boa e virtuosa. É a realização do Ser Humano. A vida feliz não é uma simples satisfação ou contemplação interior. Não é uma satisfação da alma, minha, privativa. A felicidade não é meramente contemplação, ela é uma conquista, uma construção árdua e muito difícil. Exige o autodomínio. A formação do caráter.
Notem bem que Aristóteles não perde, na sua ética, a eliminação da paixão. É importante ter sensualidade, ter paixões, mas moderada, disciplinada. A coragem, por exemplo, é a virtude, o meio termo entre a covardia e a audácia. A virtude da coragem, por exemplo, equilibra o medo. A virtude da justiça modera a paixão pelo lucro. Enfim, a virtude é um meio termo, é o termo de equilíbrio entre excessos. Quem tem virtudes conquista a si mesmo. É o triunfo da razão sobre a sensibilidade, é a conquista da harmonia.
Diz Aristóteles que "o homem não é apenas um animal racional é, sobretudo, um animal político que convive com os outros". Ou seja, ninguém vive, é feliz ou virtuoso por si. Ninguém é ético diante do espelho. O homem precisa da comunidade política, pois ela visa ao bem de todos, ao bem público. A política não trata do indivíduo feliz, mas do cidadão integrado na sociedade, onde encontra sua plenitude.
A sociedade nos pode fornecer elementos para realizar as nossas competências, habilidades e desejos. Aristóteles analisa uma virtude que é única e exclusiva da sociedade: a virtude da JUSTIÇA, isto é, a virtude da cidadania, de um bem para todos. Toda cidadania está ligada a um conceito de justiça. Então, não adianta que eu reivindique ao Estado direitos, se eu não convivo numa comunidade onde todos não se tratam com justiça. Dessa forma, nunca haverá tribunais suficientes para resolver nossas causas, porque cada um de nós trapaceia o outro assim que puder. Isso não é uma convivência justa.
A comunidade política é regida por uma única virtude, que é a da justiça. Reguladora das relações entre os cidadãos livres e iguais, que se respeitam a partir do conceito de justiça. Para Aristóteles, cidadão justo é aquele que cumpre a lei e respeita a igualdade entre os outros. A justiça é a virtude da cidadania, na qual, cada um, por sua própria formação trata todos igualmente. Se praticássemos essa virtude os tribunais teriam muito pouco a fazer. Se eles existem e são tão solicitados, é porque nós não estamos praticando a virtude da justiça, da cidadania. Ética é justiça (PEGORARO, 2000). Bioética é justiça. Biodireito é justiça.
* Francisco Antônio de Andrade Filho. Doutor em Lógica e Filosofia Política/IFCH/UNICAMP/CAMPINAS/SP, 1994. É professor de Filosofia na Faculdade Maurício de Nassau e Membro do Comitê de Ética no Hospital Oswaldo Cruz/Recife.