Complexo de Prometeu

by Francisco on segunda-feira, 5 de novembro de 2012


Por Joarez Vrubel

"Com Prometeu os homens aprenderam a construir suas moradas, a regular suas vidas pelo ritmo dos céus; dele aprenderam as matemáticas, o alfabeto, a arte de domar os cavalos e de navegar os oceanos; de seus ensinamentos deduziram a medicina, as artes da predição e a extração dos metais preciosos escondidos nas entranhas da terra." (Paolo Rossi. Los Filósofos y las Máquinas.Barcelona,Ed.Labor, 1960, p.166)


Segundo os antigos gregos, Zeus e Prometeu fizeram os homens. Prometeu os modelou em barro e Zeus deu-lhes o sopro da vida. Eram seres primitivos e indefesos, vivendo dos animais e dos frutos que conseguiam caçar e coletar. Para Prometeu a obra da criação dos homens estava inacabada, era preciso ensinar-lhes o domínio do fogo e ajudá-los a progredir para que saíssem do estado primitivo. Zeus, ao contrário, preferia que eles continuassem assim, porque de outra forma receava que alguns viessem um dia a querer roubar-lhe o poder. Mas o sábio Prometeu amava a humanidade e sabia que com sua ajuda os homens poderiam progredir, saindo do estado primitivo. Era preciso ensinar-lhes o segredo de dominar o fogo - Zeus não concordava - então, Prometeu roubou um archote com o fogo divino e entregou aos homens. A partir do domínio do primeiro fogo terrestre os homens fizeram muito mais e Prometeu ensinou-lhes a tirar daí as maiores vantagens, sendo por isso punido.

No renascimento, o arquétipo grego de Prometeu perde seu caráter rebelde que se opõe a injustiça e ao domínio tirânico dos deuses e passa a ser símbolo da capacidade criativa que só o homem possui. Ernst Bloch (s.d.) atribuiu a Francis Bacon papel importante na recuperação de Prometeu:

“Bacon é o primeiro a falar de Prometeu como um rebelde técnico audacioso a ponto de se imiscuir nos assuntos do mestre; ou melhor, de refazer a obra do mestre com mais competência e genialidade, atividade que alimenta seu orgulho. Os homens formados por Prometeu são superiores às criações de Zeus. Bacon, portanto, utiliza-se para situar a técnica, da alegoria ou do arquétipo de Prometeu. ‘Prometeu’, escreve ele, ‘é o espírito inventivo dos homens, que funda o reino humano, que multiplica ao infinito a potência humana e a dirige contra os deuses’. Ninguém porá em dúvida a força e a consciência revolucionária dessa frase. Bacon se colocava como precursor, ainda que tateando, de empresas extremamente ousadas.”(p.126 seq.)
Gramsci (1973), quando aborda esse tema escreve:

"Poder-se-ia fazer uma exposição da fortuna literária, artística e ideológica do mito de Prometeu, estudando sua presença em diversas épocas e verificando a que conjunto de sentimentos e idéias ele contribuiu, como expressão sintética, em cada uma dessas ocasiões (...) Prometeu aparece, não apenas sob o aspecto do Titã revoltado, mas especialmente, como homo faber [grifo nosso], consciente de si mesmo e do significado de sua obra" (p.177 seq.).  

 Na atualidade, Boff (1998) refere-se a Prometeu, com seguintes palavras:

"(...) é compreendido como o deus civilizador, a figura rebelde contra a estreiteza dos dogmas, ousada e criadora incansável de novos rumos, desfazendo quaisquer obstáculos. Diz-se que a cultura moderna é prometéica dada a força da tecnociência” (p.173).

David S. Landes (1979) professor de História da Universidade de Harward conclui seu livro “The Unbound Prometeus”, da seguinte forma:

“Dificilmente alguém poderá apoiar um prognóstico sério em símbolos e lendas. Há, entretanto, uma certa sabedoria nestes velhos contos que não tem sido desmentida pela experiência dos dois últimos séculos. A revolução industrial e o subseqüente casamento da ciência e da tecnologia são o clímax de milênios de avanço intelectual. Elas têm sido também uma enorme força, para o bem e para o mal, e tem havido momentos em que o mal tem pesado muito mais do que o bem. Ainda assim, a marcha do conhecimento e da técnica continua, e com ela um penoso esforço social e moral. Ninguém pode ter certeza que a humanidade venha a sobreviver desse penoso curso, especialmente numa época em que os conhecimentos do homem sobre a natureza ultrapassaram de muito o conhecimento de si mesmo. Contudo, podemos estar certos de que o homem tomará esse caminho e que não o  abandonará, pois ainda que tenha seus temores, tem também uma esperança [grifo nosso] eterna. Esta, é preciso lembrar, foi o último presente contido na caixa de Pandora ”(p.555).
Na jornada heróica, o roubo do fogo simboliza a apropriação da primeira ferramenta na solução criativa de problemas. No aprendizado do uso do fogo descobre-se o seu poder e sua força, inúmeras são as possibilidades, no entanto, ele não vem sem esforços, sem riscos e, como conseqüência, sem receios. O filósofo Bachelard (1972, p.28) dá o nome de Complexo de Prometeu a essa tendência humana de superar o existente.

Se a industrialização atingiu o auge nas décadas que se seguiram a segunda guerra mundial, a revolução pós-industrial pouco compreendida começou a despontar, transformando tudo em que toca. Nos últimos trinta ou quarenta anos, a evolução tecnológica, sobretudo da microeletrônica, das telecomunicações, da energia nuclear, da biotecnologia, da informação, da automatização e da exploração espacial, foi mais dramática do que em toda a história até então.

Segundo historiadores, o que se vive hoje pode ser apenas o começo de uma nova sociedade "prometéica". A questão é saber se a história se aproxima de seu fim, ou se está no limiar de um novo tempo. Caminha-se para a globalização e poderemos ser mais que habitantes de uma cidade ou país, poderemos compor uma civilização planetária. No entanto, o fogo roubado por Prometeu deverá ser pago e toda a evolução humana terá o trabalho como condição. Em outras palavras, a condenação ao trabalho sempre criará condições ampliadas de construção do caminho da libertação humana.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

BACHELARD, Gaston. A psicanálise do fogo. Lisboa: Estudios Cor, 1972.
BLOCH, Ernst. La Philosophie de la Renaissance. Paris: Payot, sd.
BOFF, Leonardo. O despertar da águia. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
GRAMSCI, Antônio. El materialismo Histórico y la Filosofia de Benedetto Croce. Buenos Aires: Nueva Visión, 1973.
LANDES, David S. The Unbound Prometheus. New York: Cambridge University Press, 1975.



Um comentário

Com satisfação, vejo a inserção de um artigo do Sr. Vrubel. Sábias ponderações!

by Elisanio Cardoso on 5 de setembro de 2015 às 06:23. #

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