Filosofia no tempo da globalização: modernidade e pós-modernidade
by Francisco on sexta-feira, 2 de janeiro de 2009
Francisco Antônio de Andrade Filho
A Filosofia enfrenta, hoje, os desafios (Japiassu, 1997) da era da globalização "o de pensar-se nos dias de hoje" e "a chamada pós-modernidade", entre outros, de repensar o pensamento científico, não só enquanto atividade de pesquisa e atividade intelectual, mas enquanto atividade social estreitamente ligada, de modo complexo, às estruturas e às conjunturas sócio e econômico-políticas. É o tempo propício de conceber e de se praticar a filosofia: a habilidade de buscar um outro modo de ver e de pensar as realidades em suas múltiplas dimensões, entre as quais as novas teorias da linguagem provenientes das tecnologias da inteligência.
O que é modernidade? O que é pós-modernidade? Qual a relação entre si e dentro de um determinado processo histórico?
Suponho encontrar possibilidades de trabalhar estas questões frente aos desafios à Filosofia na pós-modernidade envolvida nas novas tecnologias dos dias de hoje. Pois, atividade filosófica "não consiste em justificar e legitimar o já passado", mas em elaborar constantemente uma crítica do pensamento sobre ele mesmo. O filósofo, hoje, em sua arte de praticar a filosofia integrada a áreas afins, não tem o direito de permanecer surdo. Produz suas pesquisas não só enquanto tais, mas enquanto "atividade social". Revela estudos e pesquisas. Sabe trabalhar projetos integrados de pesquisa. Tem habilidade de assumir radical e plenamente sua tarefa de "reflexibilidade" capaz de situar temporalmente suas "categorias", suas questões e suas práticas de ensino, pesquisa e extensão.
Sem excluir sua prática, penso poder tomar o capitalismo (ANDRADE FILHO, Francisco Antônio de, 1994) como via de acesso à modernidade. Pois, de nenhuma criação histórica pode se dizer com mais propriedade que seja tipicamente moderna como do modo capitalista de reprodução da riqueza social e inversamente, nenhum conteúdo característico da vida moderna é tão essencial para defini-la como o capitalismo.
Esse caráter peculiar da modernidade configurada pelo capitalismo, de mudança radical revolucionária da história, abre caminho à "emancipação social" do homem. Realidade efetiva e ativa da riqueza moderna, o capitalismo, porém, desvela processo limitado e contraditório. Indispensável para a existência concreta da riqueza social moderna, a mediação capitalista, contudo, corrói. Dilui-se. Não se afirma como condição essencial e única de sua existência, enquanto explora a força do trabalho.
A atitude reflexiva da Filosofia serve como instrumento na arte de pensar e transformar a realidade social de nossos dias, principalmente se se trata de compreender a "moderna sociedade capitalista" (MARX, K. & ENGELS, F., 1982). Esse exercício do filosofar tem sua importância ao mostrar o real significado da modernidade, indo às raízes da questão para apreendê-la como movimento real, movimento contraditório, movimento dialético entre os diversos momentos do político, do jurídico, ideológico, científico e religioso que compõem a totalidade social, tendo como "última instância" a economia. Essa Filosofia tem muito a dizer do "capital global", desvendando o dinamismo, as contradições e as crises desse sistema, também numa perspectiva do proletariado, cujo trabalho constitui o ser humano, em sua sociabilidade, consciência e liberdade.
Assim, entendo a modernidade como um processo histórico. Como conhecer o sentido profundo desse tempo? Ela não é uma elaboração subjetiva, mas uma apreensão do movimento da própria realidade, da materialidade, das condições de existência do homem. É uma "atividade humana sensível... atividade humana como atividade objetiva" (MARX, K., 1982).
A modernidade não é uma idéia em si mesma, mas a idéia como produto humano, a forma pela qual os homens pensam e refletem as suas condições e relações sociais. Ela é essa realidade do mundo do homem, como realidade feita pelo homem. É a coisidade da "sociedade burguesa moderna" (MARX, K. & ENGELS, F., 1987).
É a partir desse conhecimento do processo histórico enquanto totalidade social, na "globalidade" e no conjunto das relações de produção como "base real" (MARX, K., 1982) que se apreendem dialeticamente as formas de consciência que dela se desprendem. Desse "ser social que determina a sua consciência" é que se entendem os processos sociais da globalidade capitalista, nos dias de hoje, e numa perspectiva do trabalho humano. E nasce uma nova questão que desafia à Filosofia: a pós-modernidade. A que idéias e práticas se refere algo tido como pós-moderno?
É um termo que parece significar tudo e nada (ROCHA, 1998). A pós-modernidade é um processo que, por estar ainda acontecendo, pode se desenvolver em várias direções. Ainda é cedo para se avaliar essa época atual.
De qualquer forma, a noção que está em jogo é a do novo, daquilo que está acontecendo no presente. É um mundo em ebulição, onde não há, então, nada definitivo. Tudo é passível de mudança, o que permite a afirmação: "Tudo o que era sólido e estável se esfuma, tudo o que era sagrado é profanado, e os homens são obrigados finalmente a encarar com serenidade suas condições de existência e suas relações recíprocas" (MARX, K. & ENGELS, F., 1987).
A globalização, que hoje conhecemos como prática, é assim percebida. Nascido nas ruínas do Feudalismo, o Capitalismo ultrapassou os limites da Europa Ocidental, implantou-se nas mais diferentes regiões do mundo, como modo de produção dominante na maioria dos países, inclusive, com mais evidência na destruição de outros modos de produção enquanto estava nesse movimento de expansão pelo mundo. Na fala de Marx "A necessidade de um mercado constantemente em expansão impele a burguesia invadir todo o globo. Necessita estabelecer-se em toda a parte, explorar em toda parte... deu um caráter cosmopolita à produção e ao consumo em todos os países... As velhas indústrias nacionais foram destruídas diariamente... encontramos novas necessidades, que requerem para sua satisfação os produtos das regiões mais longínquas".
De fato, urge considerar que, nas últimas décadas, ocorreram grandes revoluções científicas, transformações aceleradas das práticas culturais e político-econômicas. De modo cada vez mais perfeito, embora limitado, o homem produz novas tecnologias. Com elas se relaciona, vive e morre. Fabrica instrumentos da inteligência na pesquisa de técnicas e de objetos técnicos. As biociências produzem as biotecnologias com o poder de continuar investigando a utilização da matéria com a industrialização e com o mercado da vida.
Mais do que nunca o pesquisador (ANDRADE FILHO, Francisco Antônio de, 1999/2000), inclusive o filósofo, recorre às tecnologias da inteligência na área biomédica (BERNARD, 1998). Indaga e encontra respostas nessa "revolução terapêutica" que propiciou os grandes avanços farmacêuticos, ajudaram a debelar doenças mortais e deram maior garantia às cirurgias e transplantes.
Ainda mais. Com as novas biotecnologias, com essa outra "revolução biológica", de Engenharia Genética (OLIVEIRA, 1997), o pesquisador desenvolve técnicas de diagnóstico e técnicas de manipulação dos dados diagnosticados, e com o Projeto Genoma Humano, abre caminho para o domínio da reprodução biológica.
Os efeitos dessas transformações na produção do conhecimento genético (CLAGUE, 1999) acarretam suas implicações éticas. A clonagem animal e a possibilidade da clonagem humana, entre outras, constituem os avanços da ciência genética. Progressos científicos esses que, segundo a bioeticista Julie Clague, "afetam as atitudes em relação à vida, à morte e à saúde; afetam a disponibilidade concreta dos recursos biomédicos; e afetam também as práticas de pesquisa em muitas culturas onde a maioria da população jamais terá a oportunidade de compartilhar os benefícios da genética avançada".
Na verdade, essas descobertas do tempo atual suscitam mais fortemente suas questões éticas, sociais e econômicas. Bilhões de dólares são investidos pelos países desenvolvidos. Eles esperam daí lucros enormes em termos de aplicações comerciais para suas indústrias biotecnológicas. Exigem a transformação do conhecimento científico em produtos lançados no Mercado Mundial.
Assim, referindo-se às pesquisas genéticas desenvolvidas pelo Projeto Genoma Humano, a mesma Julie Clague cita o filósofo francês Jean François Lyotard, e percebe as relações entre ciência e economia nas sociedades capitalistas avançadas:
"As relações dos fornecedores e usuários de conhecimento com o conhecimento que fornecem e usam está agora tendendo, e sempre mais vai tender, a assumir a forma que já tornaram as relações dos produtores e consumidores de mercadorias com as mercadorias que produzem e consomem, ou seja, a forma de valor. O conhecimento é e será produzido para ser vendido, é e será consumido para ser valorizado em uma nova produção: em ambos os casos, a meta é o comércio".
Dessa reflexão, estenderemos o debate em torno de outros objetos novos que constituem verdadeiros desafios à filosofia. Daqui, partiremos para novos trabalhos em sua relação ético-política na era da informática e da comunicação social.
Bibliografia
* JAPIASSU, H. Um desafio à Filosofia: pensar-se nos dias de hoje. São Paulo: Letras & Letras, 1997.
* MARX, K. & ENGELS, F. Obras Escolhidas. Lisboa : Avante, 1982 (três volumes)
* __________________. O Manifesto Comunista de 1848. Edições Moraes, 1987
* ROCHA, Adriana Magalhães. Pós-Modernidade: Ruptura ou Revisão? São Paulo: Editora Cidade Nova, 1998.
* BERNARD, J. A. Bioética. Editora Ática, 1998.
* OLIVEIRA, Fátima. Bioética: uma face da cidadania. São Paulo: Moderna, 1997.
* CLAGUE, Julie. O conhecimento genético como uma mercadoria – Projeto Genoma Humano, Mercado e Consumidores, in Sowle-Cahill (org.), Ética e Engenharia Genética, Conscilium, 245 (2), Rio de Janeiro: Vozes, 1998, p. 13 (157) a 24 (168).
* ANDRADE FILHO, Francisco Antônio de. O Problema da modernidade no Pensamento Político da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – 1952-1988. (Tese de Doutorado, ICHC, UNICAMP – texto digitado, 1994).
* ANDRADE FILHO, Francisco Antônio de. et. alii. O Recado da Pesquisa (http://www.orecado.org). Indagar, questionar, problematizar - do senso comum à consciência filosófica; Concepção de Liberdade em Montesquieu; Modernidade e suas contradições; O DNA e a justiça social; A Ética no Pensamento Político de Baruch de Espinosa; Bioética: medicina e sua relação com a antropologia filosófica; Informação ou Comunicação?; A questão paradigmática e a atualidade; Existe uma Ética do Serviço?; Bioética e sua relação com o Direito; Eutanásia: a vida produz a morte; Engenharia Genética - algumas implicações ético-filosóficas; Bioética - um novo desafio à Filosofia; O que é Bioética?; O Biofilho; Para Conhecer a Bioética - um novo paradigma da relação entre ciência e tecnologia; Relato de uma Experiência de Estudos e Pesquisas em Bioética; Relação entre Bioética e Psicologia: O Paradigma entre Caim e Abel