CNBB: O Poder e o Sagrado na Cidade

by Francisco on quarta-feira, 7 de março de 2007

Francisco Antônio de Andrade Filho

Permitam-me criar este subtítulo “O Poder e o Sagrado na Cidade” para radicalizar o pensamento político da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Inspirado em René Girard, pretendo discutir a violência do poder sacro desta instituição católica contra a sociedade humana.

Filósofo francês, nascido em 25 de dezembro de 1923, observa o “mimetismo”, a fonte da violência humana que cria, constrói , aniquila simbolicamente as sociedades humanas e funda o sentimento religioso arcaico. Sua antropologia filosófica, fundada sobre princípios cristãos, descobre o “mecanismo da vítima expiatória”, segundo ele um mecanismo fundador de qualquer comunidade humana e de qualquer ordem cultural. Conforme seus intérpretes, desejos conflitantes e convergentes em direção à rivalidade mimética que gera a violência.

À frente da cidade, cabe ao político, se necessário e numa guerra, oferecer sacrifícios, inclusive de sua própria vida imortal. Pois, “um rei não pode reinar se não possuir a dignidade sacerdotal que... oferece aos deuses em nosso nome os sacrifícios...”.

Essa é uma das expressões do poder da CNBB em sua relação social. É o “poder sagrado” dos bispos ao de “deliberar” as ações individuais e coletivas, a exigir obediência do homem, que é obrigado a se prostrar diante do poder divino, confessar e pedir perdão por ter violado as normas dos mandamentos de Deus e da Igreja. É a CNBB com seu poder medieval de censurar as consciências humanas, de interceptá-las; de interferir na liberdade humana.

Para ser, a CNBB é prisioneira do caráter essencialmente hierárquico da Igreja, de sua estrutura social composta de desigualdades. Só admite como conferência a de toda hierarquia epíscopo-brasileira com o Papa, pastor universal, único, com poderes plenos, acima da lei canônica. Assistido pelo Divino Espírito Santo, o Pontífice é o único que não pode errar. É infalível.

Aqui, a CNBB segue as diretrizes do Vaticano, sem poder divergir das normas vindas de Roma. O Papa é soberano, sem limites. Sua vontade não é condicionada por nenhuma norma jurídica. A CNBB não tem o poder de editar normas que sejam irrevogáveis pelo Pontífice Romano. Estas somente passam a vigorar depois que o Papa as sanciona e promulga, de modo soberano e ilimitado. O Papa é ainda o dono do rebanho brasileiro. Os bispos apenas cultivam e exploram o solo para cuidar de suas ovelhas. Submissos a esse poder monoteísta-patriarcal, de totalitarismo religioso, de propriedade e manipulação da verdade, nesse processo de força moral da Igreja, os bispos reproduzem as relações de poder religioso no Brasil, com fortes influências nas esferas econômica e política.

Essa tradição do poder do Papa, daquela soberania do chefe visível da Igreja, representa para a CNBB o principal valor de coesão social, de consentimento das camadas populares e empresariais, de sua força junto ao Estado, de relações políticas nas formações sociais modernas.

É a adesão pessoal dos súditos da Igreja e de seus seguidores aos ditames de Roma,dita livre adesão da consciência individual, de cujo dirigente supremo, de qualidade sobrenatural, de um dom divino exclusivo do Papa, compete à CNBB obediência e bajulação, sem indagações nem protestos, sob pena de ser excluída e perseguida pela antiga Inquisição, a chamada hoje, Congregação para a doutrina da Fé.

Numa leitura de René Girard, no próximo capítulo encontrado, essa é a violência do poder sacro contra a sociedade humana. É Deus contra sua criatura. No Estado e na Igreja, em todos, não importando ser leigo ou religioso, manifesta-se o propósito de explorar, organizar e mandar, “de apresentar normas”. Altos burocratas, burgueses e religiosos, numa tensão constante, todos, a serviço do bem comum, se engajam com essa violência, no mesmo sistema mercantil, com a mesma sede de lucro, buscando a eficiência da máquina econômica e da dominação religiosa.

É a escrita jurídico-regimental da CNBB seguindo a tradição teocrática do poder espiritual, tentando sobrepor ao poder temporal na sociedade brasileira. Em litígio com a jurisdição política, o poder pastoral da CNBB ganha espaço para se auto-reproduzir, material e espiritualmente, junto aos movimentos católicos de ação política no Brasil. Para tanto, ela cultiva todas as formas de poder sagrado. Continuamente, celebra a Missa como “culto sacrificial” da Morte de Jesus Cristo, feito homem e imagem da vida e da morte de todos os outros homens, seus irmãos. É o único sacrifício, centro e mediação simbólica de valores do passado vinculados às novas condições da modernidade. Por outro, ela evangeliza o homem, trabalho cultural, processo histórico de cultivar práticas e técnicas de dominação colonial religiosa do ser humano.

É a violência, tradicionalmente institucionalizada, dentro do sagrado, ofensiva da CNBB contra os movimentos católicos de ação política no Brasil, a serem examinados em outros documentos oficiais, textos e estudos dessa sociedade religiosa.

Para discutir mais:

ANDRADE FILHO, Francisco Antônio de. Filosofia da Globalização, in: http://www.orecado.org. out. de 2000.

COMPÊNDIO DO VATICANO II, Constituições, Decretos, Declarações, Vozes, Petrópolis, 1983.

CNBB, Comunicação pastoral ao povo de Deus, 8 (1977), Paulinas.

GIRARD, René, A violência e o Sagrado, trad. Martha Conceição Gambini, Paz e Terra, 1990.

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