O Natal Existe?

by Francisco on domingo, 4 de dezembro de 2005

Anderson de Oliveira

Certo dia, não faz tanto tempo, resolvi conversar com uma amiga que não escutava a alguma época. Depois de algum tempo em um agradável diálogo, perguntou-me ela:

-Como você está se sentindo, vendo a época mais linda do ano se aproximar?

Então, sinceramente, lhe disse:

-Esta pode ser uma época bela, mas não penso que possamos estar convictos de que temos algo para comemorar. Digo-lhe mais: penso que são poucos hoje os alheios à ignorância da própria reflexão sobre suas próprias vivências . -Por que o diz?-perguntou surpresa a minha amiga:

-O natal é a comemoração do apogeu da vida e da eternidade do amor. Simboliza o nascimento do ser que representa em sua própria vida o amor que deve ser sentido pelos homens. O que quer dizer, que o natal não existe?

-O natal existe, e está tão vivo em nossa vida que o percebemos sem que ele sequer possa tocar no ínfimo da nossa oceânica ignorância. Se admitimos que um homem, que é descrito pela nossa história como um dos que mais amou com sinceridade todos os homens, dentre todos que já existiram na história que construímos a cada dia, que este homem é o símbolo da gênese da maioria dos mais valiosos princípios que resolvemos seguir, estes que devem ser representados a cada dia da nossa convivência cotidiana, será que seguimos estes princípios? Será que, a partir do momento que nos desviamos dos nossos princípios, que são baseados na virtude e no bem, expressos na vida e no amor entre os homens, estamos sendo dignos de comemorar o nascimento de um homem tão virtuoso?

Minha amiga, então, duvidosa, perguntou-me:

- Eu sei... Eu também não penso que estamos valorizando a virtude e aplicando os princípios que se julgam necessários para que possamos viver em paz com plenitude. Pois não o vivemos! Há tanto desrespeito ao ser humano em nossos tempos... Então me responda: Você comemora o natal?

-Claro, por que não? Não disse que não deveríamos comemorar, mas sim que deveríamos lembrar dos princípios que definem o que é esta data tão especial, mas que se torna mais especial pelas nossas atitudes e pensamentos a cada dia, de acordo com a nossa consciência ou não. Tornam-se peculiares por serem atitudes virtuosas ou não, como está acontecendo a todo o tempo. Devemos reconhecer, eu assim acredito, que o “espírito natalino” como assim é conhecido, deve ser reconhecido não apenas próximo ou no dia de natal, mas todos os dias que os princípios que simbolizam este dia, e que admitimos como universais para as nossas atitudes tornem-se cotidianos, habituais. Isso é a prática da virtude, do princípio do bem, do amor tanto a vida de outrem quanto a própria vida. Acredito que a cada dia que tomarmos atitudes baseadas nesta idéia da importância do ser humano, seja em qualquer lugar, com qualquer pessoa, este dia também será natal. Devemos, a cada dia de natal, sim, agradecer por termos a oportunidade de renovar o ânimo infinito celebrando a vida virtuosa que escolhemos dar e receber a partir de nossa razão de seguir estes virtudes, ou, se estivermos errados e ignorantes, de mudar o caminho e escolher novas buscas, que sejam dignas de serem comemoradas a cada dia.E digo mais, este dia será mais bonito, mais agradável, mais pacífico, mais humano ... acho que precisamos de dias assim todos os dias...dias de natal...

*Anderson de Oliveira é aluno do curso de Administração, II período, da Faculdade Maurício de Nassau, Recife/PE.

Hobbes:o Estado Natural é de Guerra Generalizada

by Francisco

José Luiz Ames

Por que o homem vive em sociedade? Segundo os tratados dos antigos moralistas, isso seria devido à existência de um “objetivo final” ao qual o ser humano, inevitavelmente, tenderia. Este fim seria o “bem supremo” capaz de saciar plenamente o desejo humano. Hobbes não acredita que o homem persiga um objetivo final, nem um bem supremo. Visto desde sua natureza, o homem é um ser dotado de paixões descontroladas que jamais se completam. Se não existe uma meta no desejo humano, nem um impulso na sua natureza que faz buscar a companhia do outro, o que, então, o leva a se associar? Segundo Hobbes, “a origem das sociedades amplas e duradouras não foi a boa vontade de uns para com os outros, mas o medo recíproco” (Do Cidadão I, 2).

Qual a origem do medo? Fundamenta-se em razões objetivas e subjetivas. A razão objetiva reside na igualdade de fato de todos os homens, da qual surge a possibilidade de que todos se destruam na ausência de um poder superior que os freie. A razão subjetiva consiste na vontade recíproca de prejudicar-se, que nasce do direito de todos a todas as coisas. A conjunção dos dois fatores faz com que cada indivíduo seja levado “a desejar o que é um bem para si e a evitar o que é um mal” (Do Cidadão I, 7). Na ausência de qualquer ordem superior à razão de cada indivíduo, é racional supor que cada um tenha “o direito de usar de todos os meios para preservar sua vida” (Do Cidadão I, 8).

A conseqüência inevitável de uma situação na qual cada um tem direito a todas as coisas e todos estão em igualdade de condições para obtê-las, é a guerra generalizada. A existência humana fora do Estado é de luta de todos contra todos, uma condição em que, segundo Hobbes, “o homem é lobo do homem”.

A tese de que o estado de natureza é uma situação de guerra generalizada não deve levar-nos a pensar que o homem natural de Hobbes seja um selvagem. É o mesmo homem que vive em sociedade até hoje. Qual é, então, o objetivo de Hobbes com esta descrição? É mostrar como seria o homem na ausência da lei garantida pelo Estado. Isto é, descreve o homem tal como ele é “naturalmente”. Como somos naturalmente? Somos opacos aos olhos de nossos semelhantes. Eu não sei o que o outro deseja de mim e, por isso, preciso fazer uma suposição de qual atitude é mais prudente. Como o outro também não sabe o que eu desejo, é igualmente forçado a supor o que eu farei. Dessas suposições recíprocas decorre que, geralmente, o mais razoável para cada um seja atacar o outro, seja para vencê-lo, seja para evitar seu ataque. Assim, a guerra se generaliza entre os homens. Por isso, quando não existe Estado controlando e reprimindo, fazer a guerra contra os outros é a atitude mais racional.

A conclusão que Hobbes nos faz extrair é de que, por natureza, o homem é um ser egoísta cujo único limite para seus desejos é a força que um outro homem é capaz de lhe opor. Somos lobos uns dos outros. O único modo de deter a destrutividade humana é por meio da instituição de um poder comum, o Estado.

Observando o comportamento humano atual, constatamos a veracidade dessas observações. Ali onde o Estado está ausente, prevalece a lei do mais forte. Para ficar nos exemplos mais comuns noticiados pela imprensa, é o caso da ação dos traficantes na cidade do Rio de Janeiro e dos pistoleiros no campo em muitos estados brasileiros. Quanto mais fracas se tornam as instituições do Estado, tanto mais cresce a força desregrada das paixões dos indivíduos. Por isso, na origem do crime e da bandidagem está a omissão de quem governa. O aumento da criminalidade é sintoma da ausência do Estado.

A pergunta política que ocupa um lugar central é esta: que é justiça? Esta questão remete, necessariamente, à seguinte: que é natural? A vinculação entre as duas questões deve-se ao fato de não ser possível apoiar-se no direito positivo quando o problema é fundar ou reformar um regime. Para o exame desta questão, a única norma pode ser a natureza, mais especificamente, a natureza do homem. Em relação a essa questão, Rousseau rechaça a idéia de que o homem seja dirigido pela natureza até um fim, a vida política. O Estado é obra puramente humana, que se originou do desejo da própria conservação.

Se a sociedade não é natural, devemos remontar a uma época anterior à sociedade civil para encontrar o homem tal como é por natureza. Esta investigação é necessária para determinar as origens do Estado. Considerando que a sociedade civil é convencional, suas leis somente terão alguma legitimidade se puderem fundar-se na natureza originária do homem.

Conhecer o homem natural exige um esforço quase sobre-humano, pois existimos na sociedade civil e, por isso, não podemos mais ter contato com ele. Como, então, ter acesso a ele? O caminho que Rousseau indica é: se quisermos conhecer o homem tal como é por natureza, devemos despojá-lo de todas as qualidades relacionadas com a vida em sociedade. Procedendo dessa maneira, o que podemos dizer acerca da natureza do homem?

Em princípio, diz Rousseau, somente podemos dizer que é um animal como outros animais. É ocioso por natureza e só se agita para satisfazer suas necessidades naturais. Possui apenas duas paixões fundamentais: a) o desejo de buscar seu próprio bem-estar e a conservação de si mesmo; b) a repugnância em ver perecer ou sofrer outros seres da sua espécie. Consideradas as coisas desta maneira, pode-se dizer que todos os homens são independentes e iguais por natureza. Do estado natural do homem não se pode derivar qualquer direito de um homem para governar os demais.

Existem duas características que distinguem o homem dos outros animais: a liberdade da vontade e a perfectibilidade. O homem tem consciência de seu poder e é o único capaz de melhorar gradativamente e de transmitir esta melhora a toda a espécie. Com base nestas duas características fundamentais, pode-se dizer que o homem natural se distingue por não ter praticamente nenhuma natureza, sendo pura potencialidade. Não há fins, mas tão somente possibilidades.

O homem natural é, pois, um animal ocioso que se compraz na sensação de sua própria existência; que se preocupa com sua conservação e se compadece dos sofrimentos de seus semelhantes; é livre e perfectível. Quando Rousseau descreve o estado natural do homem como um estado de bondade pura, não pretende apresentar nenhuma tese histórica. Rousseau tem plena consciência disso, pois observa tratar-se de “um estado que não mais existe, que talvez nunca tenha existido, que provavelmente não existirá jamais e do qual deve-se, contudo, ter noções corretas para bem julgar de nosso estado presente” (Discurso sobre a origem.... Segundo Discurso). Não quer afirmar, portanto, que a existência dos povos naturais decorreria em plena harmonia de vida. Muito pelo contrário, Rousseau pretende deduzir da idéia da bondade original um apelo ao homem para que ele a realize em sua existência concreta, presente. E isso não apenas na vida individual, mas também, e principalmente, na vida em sociedade.

Rousseau apresenta sua época como aquela que reflete a imagem invertida da verdadeira natureza do homem. Se a verdadeira natureza do homem é o avesso daquilo que ele mostra na sociedade civil, como foi que ela se originou? Este será o assunto de nossa próxima reflexão.

* José Luiz Ames édoutor em Filosofia e professor da UNIOESTE, Campus de Toledo.

Rousseau: O Estado de Natureza ou a Bondade Originária do Homem

by Francisco

José Luiz Ames

A pergunta política que ocupa um lugar central é esta: que é justiça? Esta questão remete, necessariamente, à seguinte: que é natural? A vinculação entre as duas questões deve-se ao fato de não ser possível apoiar-se no direito positivo quando o problema é fundar ou reformar um regime. Para o exame desta questão, a única norma pode ser a natureza, mais especificamente, a natureza do homem. Em relação a essa questão, Rousseau rechaça a idéia de que o homem seja dirigido pela natureza até um fim, a vida política. O Estado é obra puramente humana, que se originou do desejo da própria conservação.

Se a sociedade não é natural, devemos remontar a uma época anterior à sociedade civil para encontrar o homem tal como é por natureza. Esta investigação é necessária para determinar as origens do Estado. Considerando que a sociedade civil é convencional, suas leis somente terão alguma legitimidade se puderem fundar-se na natureza originária do homem.

Conhecer o homem natural exige um esforço quase sobre-humano, pois existimos na sociedade civil e, por isso, não podemos mais ter contato com ele. Como, então, ter acesso a ele? O caminho que Rousseau indica é: se quisermos conhecer o homem tal como é por natureza, devemos despojá-lo de todas as qualidades relacionadas com a vida em sociedade. Procedendo dessa maneira, o que podemos dizer acerca da natureza do homem?

Em princípio, diz Rousseau, somente podemos dizer que é um animal como outros animais. É ocioso por natureza e só se agita para satisfazer suas necessidades naturais. Possui apenas duas paixões fundamentais: a) o desejo de buscar seu próprio bem-estar e a conservação de si mesmo; b) a repugnância em ver perecer ou sofrer outros seres da sua espécie. Consideradas as coisas desta maneira, pode-se dizer que todos os homens são independentes e iguais por natureza. Do estado natural do homem não se pode derivar qualquer direito de um homem para governar os demais.

Existem duas características que distinguem o homem dos outros animais: a liberdade da vontade e a perfectibilidade. O homem tem consciência de seu poder e é o único capaz de melhorar gradativamente e de transmitir esta melhora a toda a espécie. Com base nestas duas características fundamentais, pode-se dizer que o homem natural se distingue por não ter praticamente nenhuma natureza, sendo pura potencialidade. Não há fins, mas tão somente possibilidades.

O homem natural é, pois, um animal ocioso que se compraz na sensação de sua própria existência; que se preocupa com sua conservação e se compadece dos sofrimentos de seus semelhantes; é livre e perfectível. Quando Rousseau descreve o estado natural do homem como um estado de bondade pura, não pretende apresentar nenhuma tese histórica. Rousseau tem plena consciência disso, pois observa tratar-se de “um estado que não mais existe, que talvez nunca tenha existido, que provavelmente não existirá jamais e do qual deve-se, contudo, ter noções corretas para bem julgar de nosso estado presente” (Discurso sobre a origem.... Segundo Discurso). Não quer afirmar, portanto, que a existência dos povos naturais decorreria em plena harmonia de vida. Muito pelo contrário, Rousseau pretende deduzir da idéia da bondade original um apelo ao homem para que ele a realize em sua existência concreta, presente. E isso não apenas na vida individual, mas também, e principalmente, na vida em sociedade.

Rousseau apresenta sua época como aquela que reflete a imagem invertida da verdadeira natureza do homem. Se a verdadeira natureza do homem é o avesso daquilo que ele mostra na sociedade civil, como foi que ela se originou? Este será o assunto de nossa próxima reflexão.

* José Luiz Ames é doutor em Filosofia e professor da UNIOESTE, Campus de Toledo.