Discurso de Dilma na ONU: A Voz e a Vez da Democracia
by Francisco on sexta-feira, 23 de setembro de 2011
por Francisco Antônio de Andrade Filho
Nova Iorque-EUA, 21 de setembro de 2011. A mulher, Presidenta Dilma Rousseff, discursou na Assembléia Geral das Nações Unidas. Uma voz soberana ecoou no Ágora da Democracia. A Mulher pode plantar a semente da liberdade no mundo inteiro. Mexeu com as emoções de política e cidadania do mundo inteiro. E o jogo do poder imperialista, por alguns instantes, sofreu um abalo. Nasceu a voz e a vez da Democracia na ONU.
O Recado da Pesquisa divulga na integra do Discurso da Presidenta da República, Dilma Rousseff, na Abertura do Debate geral da 66ª Assembléia Geral das Nações Unidas.
Fonte: Blog do Planalto
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“Senhor presidente da Assembleia Geral, Nassir Abdulaziz Al-Nasser,
Senhor secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon,
Senhoras e senhores chefes de Estado e de Governo,
Senhoras e senhores,
Pela primeira vez, na história das Nações Unidas, uma voz feminina inaugura o Debate Geral. É a voz da democracia e da igualdade se ampliando nesta tribuna, que tem o compromisso de ser a mais representativa do mundo.
É com humildade pessoal, mas com justificado orgulho de mulher, que vivo este momento histórico.
Divido esta emoção com mais da metade dos seres humanos deste Planeta, que, como eu, nasceram mulher, e que, com tenacidade, estão ocupando o lugar que merecem no mundo. Tenho certeza, senhoras e senhores, de que este será o século das mulheres.
Na língua portuguesa, palavras como vida, alma e esperança pertencem ao gênero feminino, e são também femininas duas outras palavras muito especiais para mim: coragem e sinceridade. Pois é com coragem e sinceridade que quero lhes falar no dia de hoje.
Senhor Presidente,
O mundo vive um momento extremamente delicado e, ao mesmo tempo, uma grande oportunidade histórica. Enfrentamos uma crise econômica que, se não debelada, pode se transformar em uma grave ruptura política e social. Uma ruptura sem precedentes, capaz de provocar sérios desequilíbrios na convivência entre as pessoas e as nações.
Mais que nunca, o destino do mundo está nas mãos de todos os seus governantes, sem exceção. Ou nos unimos todos e saímos juntos vencedores, ou sairemos todos derrotados.
Agora, menos importante é saber quais foram os causadores da situação que enfrentamos, até porque isto já está suficientemente claro. Importa, sim, encontrarmos soluções coletivas, rápidas e verdadeiras.
Essa crise é séria demais para que seja administrada apenas por uns poucos países. Seus governos e bancos centrais continuam com a responsabilidade maior na condução do processo, mas como todos os países sofrem as consequências da crise, todos têm o direito de participar das soluções.
Não é por falta de recursos financeiros que os líderes dos países desenvolvidos ainda não encontraram uma solução para a crise. É –permitam-me dizer– por falta de recursos políticos e, algumas vezes, de clareza de ideias.
Uma parte do mundo não encontrou ainda o equilíbrio entre ajustes fiscais apropriados e estímulos fiscais corretos e precisos para a demanda e o crescimento. Ficam presos na armadilha que não separa interesses partidários daqueles interesses legítimos da sociedade.
O desafio colocado pela crise é substituir teorias defasadas, de um mundo velho, por novas formulações para um mundo novo. Enquanto muitos governos se encolhem, a face mais amarga da crise –a do desemprego– se amplia. Já temos 205 milhões de desempregados no mundo –44 milhões na Europa, 14 milhões nos Estados Unidos. É vital combater essa praga e impedir que se alastre para outras regiões do Planeta.
Nós, mulheres, sabemos –mais que ninguém– que o desemprego não é apenas uma estatística. Golpeia as famílias, nossos filhos e nossos maridos. Tira a esperança e deixa a violência e a dor.
Senhor Presidente,
É significativo que seja a presidenta de um país emergente –um país que vive praticamente um ambiente de pleno emprego– que venha falar, aqui, hoje, com cores tão vívidas, dessa tragédia que assola, em especial, os países desenvolvidos.
Como outros países emergentes, o Brasil tem sido, até agora, menos afetado pela crise mundial. Mas sabemos que nossa capacidade de resistência não é ilimitada. Queremos –e podemos– ajudar, enquanto há tempo, os países onde a crise já é aguda.
Um novo tipo de cooperação, entre países emergentes e países desenvolvidos, é a oportunidade histórica para redefinir, de forma solidária e responsável, os compromissos que regem as relações internacionais.
O mundo se defronta com uma crise que é, ao mesmo tempo, econômica, de governança e de coordenação política.
Não haverá a retomada da confiança e do crescimento enquanto não se intensificarem os esforços de coordenação entre os países integrantes da ONU e as demais instituições multilaterais, como o G-20, o Fundo Monetário, o Banco Mundial e outros organismos. A ONU e essas organizações precisam emitir, com a máxima urgência, sinais claros de coesão política e de coordenação macroeconômica.
As políticas fiscais e monetárias, por exemplo, devem ser objeto de avaliação mútua, de forma a impedir efeitos indesejáveis sobre os outros países, evitando reações defensivas que, por sua vez, levam a um círculo vicioso.
Já a solução do problema da dívida deve ser combinada com o crescimento econômico. Há sinais evidentes de que várias economias avançadas se encontram no limiar da recessão, o que dificultará, sobremaneira, a resolução dos problemas fiscais.
Está claro que a prioridade da economia mundial, neste momento, deve ser solucionar o problema dos países em crise de dívida soberana e reverter o presente quadro recessivo. Os países mais desenvolvidos precisam praticar políticas coordenadas de estímulo às economias extremamente debilitadas pela crise. Os países emergentes podem ajudar.
Países altamente superavitários devem estimular seus mercados internos e, quando for o caso, flexibilizar suas políticas cambiais, de maneira a cooperar para o reequilíbrio da demanda global.
Urge aprofundar a regulamentação do sistema financeiro e controlar essa fonte inesgotável de instabilidade. É preciso impor controles à guerra cambial, com a adoção de regimes de câmbio flutuante. Trata-se, senhoras e senhores, de impedir a manipulação do câmbio tanto por políticas monetárias excessivamente expansionistas como pelo artifício do câmbio fixo.
A reforma das instituições financeiras multilaterais deve, sem sombra de dúvida, prosseguir, aumentando a participação dos países emergentes, principais responsáveis pelo crescimento da economia mundial.
O protecionismo e todas as formas de manipulação comercial devem ser combatidos, pois conferem maior competitividade, de maneira espúria e fraudulenta.
Senhor Presidente,
O Brasil está fazendo a sua parte. Com sacrifício, mas com discernimento, mantemos os gastos do governo sob rigoroso controle, a ponto de gerar vultoso superávit nas contas públicas, sem que isso comprometa o êxito das políticas sociais, nem nosso ritmo de investimento e de crescimento.
Estamos tomando precauções adicionais para reforçar nossa capacidade de resistência à crise, fortalecendo nosso mercado interno com políticas de distribuição de renda e inovação tecnológica.
Há pelo menos três anos, senhor Presidente, o Brasil repete, nesta mesma tribuna, que é preciso combater as causas, e não só as consequências da instabilidade global.
Temos insistido na interrelação entre desenvolvimento, paz e segurança, e que as políticas de desenvolvimento sejam, cada vez mais, associadas às estratégias do Conselho de Segurança na busca por uma paz sustentável.
É assim que agimos em nosso compromisso com o Haiti e com a Guiné-Bissau. Na liderança da Minustah temos promovido, desde 2004, no Haiti, projetos humanitários, que integram segurança e desenvolvimento. Com profundo respeito à soberania haitiana, o Brasil tem o orgulho de cooperar para a consolidação da democracia naquele país.
Estamos aptos a prestar também uma contribuição solidária, aos países irmãos do mundo em desenvolvimento, em matéria de segurança alimentar, tecnologia agrícola, geração de energia limpa e renovável e no combate à pobreza e à fome.
Senhor Presidente,
Desde o final de 2010 assistimos a uma sucessão de manifestações populares, que se convencionou denominar “Primavera Árabe”. O Brasil é pátria de adoção de muitos imigrantes daquela parte do mundo. Os brasileiros se solidarizam com a busca de um ideal que não pertence a nenhuma cultura, porque é universal: a liberdade.
É preciso que as nações aqui reunidas encontrem uma forma legítima e eficaz de ajudar as sociedades que clamam por reforma, sem retirar de seus cidadãos a condução do processo.
Repudiamos com veemência as repressões brutais que vitimam populações civis. Estamos convencidos de que, para a comunidade internacional, o recurso à força deve ser sempre a última alternativa. A busca da paz e da segurança no mundo não pode limitar-se a intervenções em situações extremas.
Apoiamos o Secretário-Geral no seu esforço de engajar as Nações Unidas na prevenção de conflitos, por meio do exercício incansável da democracia e da promoção do desenvolvimento.
O mundo sofre, hoje, as dolorosas consequências de intervenções que agravaram os conflitos, possibilitando a infiltração do terrorismo onde ele não existia, inaugurando novos ciclos de violência, multiplicando os números de vítimas civis.
Muito se fala sobre a ‘responsabilidade de proteger’, pouco se fala sobre a ‘responsabilidade ao proteger’. São conceitos que precisamos amadurecer juntos. Para isso, a atuação do Conselho de Segurança é essencial, e ela será tão mais acertada quanto mais legítimas forem suas decisões, e a legitimidade do próprio Conselho depende, cada dia mais, de sua reforma.
Senhor Presidente,
A cada ano que passa, mais urgente se faz uma solução para a falta de representatividade do Conselho de Segurança, o que corrói sua eficácia. O ex-presidente Joseph Deiss recordou-me um fato impressionante: o debate em torno da reforma do Conselho já entra em seu 18º ano. Não é possível, senhor Presidente, protelar mais.
O mundo precisa de um Conselho de Segurança que venha a refletir a realidade contemporânea, um Conselho que incorpore novos membros permanentes e não permanentes, em especial representantes dos países em desenvolvimento.
O Brasil está pronto a assumir suas responsabilidades como membro permanente do Conselho. Vivemos em paz com nossos vizinhos há mais de 140 anos. Temos promovido com eles bem-sucedidos processos de integração e de cooperação. Abdicamos, por compromisso constitucional, do uso da energia nuclear para fins que não sejam pacíficos. Tenho orgulho de dizer que o Brasil é um vetor de paz, estabilidade e prosperidade em sua região, e até mesmo fora dela.
No Conselho de Direitos Humanos, atuamos inspirados por nossa própria história de superação. Queremos para os outros países o que queremos para nós mesmos.
O autoritarismo, a xenofobia, a miséria, a pena capital, a discriminação, todos são algozes dos direitos humanos. Há violações em todos os países, sem exceção. Reconheçamos esta realidade e aceitemos, todos, as críticas. Devemos nos beneficiar delas e criticar, sem meias-palavras, os casos flagrantes de violação, onde quer que ocorram.
Senhor Presidente,
Quero estender ao Sudão do Sul as boas vindas à nossa família de nações. O Brasil está pronto a cooperar com o mais jovem membro das Nações Unidas e contribuir para seu desenvolvimento soberano.
Mas lamento ainda não poder saudar, desta tribuna, o ingresso pleno da Palestina na Organização das Nações Unidas. O Brasil já reconhece o Estado palestino como tal, nas fronteiras de 1967, de forma consistente com as resoluções das Nações Unidas. Assim como a maioria dos países nesta Assembleia, acreditamos que é chegado o momento de termos a Palestina aqui representada a pleno título.
O reconhecimento ao direito legítimo do povo palestino à soberania e à autodeterminação amplia as possibilidades de uma paz duradoura no Oriente Médio. Apenas uma Palestina livre e soberana poderá atender aos legítimos anseios de Israel por paz com seus vizinhos, segurança em suas fronteiras e estabilidade política em seu entorno regional.
Venho de um país onde descendentes de árabes e judeus são compatriotas e convivem em harmonia, como deve ser.
Senhor Presidente,
O Brasil defende um acordo global, abrangente e ambicioso para combater a mudança do clima no marco das Nações Unidas. Para tanto, é preciso que os países assumam as responsabilidades que lhes cabem.
Apresentamos uma proposta concreta, voluntária e significativa de redução [de emissões], durante a Cúpula de Copenhague, em 2009. Esperamos poder avançar, já na reunião de Durban, apoiando os países em desenvolvimento nos seus esforços de redução de emissões e garantindo que os países desenvolvidos cumprirão suas obrigações –com novas metas no Protocolo de Quioto– para além de 2012.
Teremos a honra de sediar a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, em junho do ano que vem. Juntamente com o secretário-geral Ban Ki-moon, reitero aqui o convite para que todos os chefes de Estado e de Governo compareçam.
Senhor Presidente e minhas companheiras mulheres de todo mundo,
O Brasil descobriu que a melhor política de desenvolvimento é o combate à pobreza, e que uma verdadeira política de direitos humanos tem por base a diminuição da desigualdade e da discriminação entre as pessoas, entre as regiões e entre os gêneros.
O Brasil avançou política, econômica e socialmente sem comprometer sequer uma das liberdades democráticas. Cumprimos quase todos os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, antes de 2015. Saíram da pobreza e ascenderam para a classe média quase 40 milhões de brasileiras e brasileiros. Tenho plena convicção de que cumpriremos nossa meta de, até o final do meu governo, erradicar a pobreza extrema no Brasil.
No meu país, a mulher tem sido fundamental na superação das desigualdades sociais. Nossos programas de distribuição de renda têm, nas mães, a figura central. São elas que cuidam dos recursos que permitem às famílias investir na saúde e na educação de seus filhos.
Mas o meu país, como todos os países do mundo, ainda precisa fazer muito mais pela valorização e afirmação da mulher. Ao falar disso, cumprimento o secretário-geral Ban Ki-moon pela prioridade que tem conferido às mulheres em sua gestão à frente das Nações Unidas.
Saúdo, em especial, a criação da ONU Mulher e sua diretora-executiva, Michelle Bachelet.
Senhor Presidente,
Além do meu querido Brasil, sinto-me aqui também representando todas as mulheres do mundo. As mulheres anônimas, aquelas que passam fome e não podem dar de comer aos seus filhos; aquelas que padecem de doenças e não podem se tratar; aquelas que sofrem violência e são discriminadas no emprego, na sociedade e na vida familiar; aquelas cujo trabalho no lar cria as gerações futuras.
Junto minha voz às vozes das mulheres que ousaram lutar, que ousaram participar da vida política e da vida profissional, e conquistaram o espaço de poder que me permite estar aqui hoje.
Como mulher que sofreu tortura no cárcere, sei como são importantes os valores da democracia, da justiça, dos direitos humanos e da liberdade.
E é com a esperança de que estes valores continuem inspirando o trabalho desta Casa das Nações, que tenho a honra de iniciar o Debate Geral da 66ª Assembleia Geral da ONU.
Muito obrigada.”
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Bioética na iátrica médico-profissional [Estudos e Pesquisas em Bioética]
by Francisco on segunda-feira, 12 de setembro de 2011
por Francisco Antônio de Andrade Filho

Neste ano 2011, O Recado da Pesquisa comemora seus 12 anos de vida. Manteve-se firme e coerente na divulgação de estudos e pesquisas em Filosofia integrada com outros saberes humanos, Nesta edição, e em sua homenagem, convidamos nossos amigos internautas- de modo especial os estudiosos e pesquisadores em Bioética -, para um diálogo construtivo neste ciberespaço. Façam seus comentários. Bem-vindos!
1-O que é Bioética na atuação profissional?
Na Encyclopedia of Bioethics, 2nd, ed. New York; MacMillan, 1995: XXI; Reich WT define Bioética como "o estudo sistemático das dimensões morais - incluindo visão moral, decisões, conduta e políticas - das ciências da vida e atenção à saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas em um cenário interdisciplinar.”
Penso ser um dos seus objetivos pesquisar a Bioética como um novo paradigma da relação entre ciência e tecnologia, no confronto com possibilidades e problemas de "ordem ontológica" (Von Zuben) e no modo de existir da pessoa humana e da própria tecitura social. Ela surge como uma ciência que reflete, discute e almeja atingir um consenso na defesa de valores individuais "ameaçados em decorrência do avanço da ciência e da tecnologia". Segundo Hubert Lepergneur, a bioética "é uma disciplina prática, cujo fim é conseguir o consenso máximo, em matéria de duvidosos desafios na área de saúde humana, para elaborar e implementar normas de ação". Ela, através de pesquisas integradas, análise e discussão de problemas de ordem ontológica, problemáticas e diálogos filosóficos sobre o conceito de pessoa, vai buscar soluções, traçar normas morais, para problemas éticos decorrentes de descobertas científicas. Ela servirá, de um novo paradigma, de modelo, para o funcionamento da atividade científica, com os valores almejados pela sociedade. É o homem que está em jogo em sua convivência social.
2- O que é ética profissional?
Vamos iniciar a discussão com Lima Vaz (1996). Segundo ele, o agir ético, tanto da comunidade como do indivíduo, compreendendo os costumes e hábitos, exprimem a nossa situação fundamental como seres que habitam a morada do ethos. É a vida do bem em organizações humanas. A vida plenamente humana, “programa pedagógico esse que visa formar o jovem médico, que participa da cidadania, assumindo com plena consciência a recíproca relação entre direitos e deveres”, na qual consiste propriamente a esfera profissional.
Esse mundo humano – ser ético/axiológico não é uma dádiva da natureza. É conquista cultural. Destino das sociedades institucionalizadas, em sua dimensão ético-profissional, a de enveredarem pelos obscuros caminhos da cidade sem lei.
Outro ponto, de importância para as nossas discussões hoje: no estudo e na interpretação dos artigos específicos dos Códigos de Ética, considera-se não a letra fria, morta, mas o seu espírito. O que se exige, basicamente, é a competência técnica, aliada à capacidade ética, o que vale a dizer: competência e honestidade capazes de inspirar a confiança da clientela. Aquela ética profissional, riqueza maior que se pode vislumbrar em sua integral fidelidade, às normas estatutárias dos referidos códigos.
Aqui, nesta reflexão filosófico-epistemológica, ética profissional é “a parte da ética que ensina o homem a agir em sua profissão, tendo em vista os princípios da moral” (ANDRADE FILHO, site citado, 2000/2001). Ela é a aplicação geral no campo das atividades profissionais. Assim, a ética profissional do estudante de Nutrição, consiste em conhecer a ética, nela acreditar e viver eticamente, na vida privada como na vida pública. Manter-se sempre em dia com as realidades do mundo de hoje e participar da vida acadêmica: ser cordial, freqüentar as aulas, estudos e pesquisas.
Então, “Ética profissional trata dos deveres e dos direitos”, dos agentes profissionais. Assume o compromisso do crescimento ético – retidão de consciência.
Assim, os Códigos de Ética Profissional (Camargo,1999: 33 – 4) “estruturam e sistematizam as exigências éticas no tríplice plano de orientação, disciplina e fiscalização”. Estabelecem parâmetros variáveis e relativos que demarcam o piso e o teto dentro dos quais a conduta pode ou deve ser considerada regular sob o ângulo ético.
Dado que qualquer profissão visa interesses de outras pessoas ou clientes, os códigos visam também os interesses destes, amparando seu relacionamento com o profissional.
Os códigos, porém, não esgotam o conteúdo e as exigências de uma conduta ética de vida e nem sempre expressam a forma mais adequada de agir numa circunstância particular.
Os códigos sempre são definidos, revistos e promulgados a partir da realidade social de cada época e de cada país; suas linhas-mestras porém são deduzidas de princípios perenes e universais.
Referindo-se a atos praticados no exercício da profissão, os códigos de ética por si não tornam melhores os profissionais, mas representam uma luz e uma pista para seu comportamento. Mais do que ater-se àquilo que é prescrito literalmente, é necessário compreender e viver a razão básica das normas. Segundo Maximiano (1997: 294) : “Códigos de Ética fazem parte do sistema de valores que orientam os comportamentos das pessoas, grupos e das Organizações e seus administradores”.
Por outro lado, as pessoas têm que dar uma alma aos códigos para vivê-los. Pensa Sá (1996: 136) : “quando a consciência profissional se estrutura em trígono, formado pelos amores à profissão, à classe e à sociedade, nada existe a temer quando ao sucesso da conduta humana; o dever passa então a ser uma simples decorrência das convicções plantadas nas áreas recônditas do ser, ali depositadas pelas formações educacionais básicas”.
3-Direitos e deveres do Médico: expressões ético-profissionais em sua arte clínica.
O Código de Ética do Médico, registra algumas expressões ético-profissionais, de grande valia. Assim, por exemplo, destacamos aqui alguns tópicos de seus artigos entre outros:
I - O presente Código contém as normas éticas que devem ser seguidas pelos médicos no exercício da profissão, independentemente da função ou cargo que ocupem.
Art. 1° - A Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e deve ser exercida sem discriminação de qualquer natureza.
Art. 2° - O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.
Art. 4° - Ao médico cabe zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da Medicina e pelo pretígio e bom conceito da profissão.
Art. 10° - O trabalho do médico não pode ser explorado por terceiros com objetivos de lucro, finalidade política ou religiosa.
Art. 13° - O médico deve denunciar às autoridades competentes quaisquer formas de poluição ou deterioração do meio ambiente, prejudiciais à saúde e à vida.
Art. 23 - Recusar-se a exercer sua profissão em instituição pública ou privada onde as condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar o paciente.
Art. 37 - Deixar de comparecer a plantão em horário preestabelecido ou abandoná-lo sem a presença de substituto, salvo por motivo de força maior.
Art. 54 - Fornecer meio, instrumento, substância, conhecimentos ou participar, de qualquer maneira, na execução de pena de morte.
Art. 75 - Participar direta ou indiretamente da comercialização de órgãos ou tecidos humanos.
Esses artigos citados revelam a dimensão axiológica do referido Código de Ética do Médico. Para apreender seu conteúdo ético, percebê-lo inserido nos princípios da Bioética (o da autonomia, o da beneficência e o da Justiça), princípios esses fundamentais, jusfilosóficos dos deveres e dos direitos do Médico, pensamos que toda lei deve primar pela justiça (PEGORARO, 1995), isto é, deve prescrever o que está de acordo com a natureza e a dignidade do ser humano (ANDRADE FILHO, 2000). Os valores éticos respondem as necessidades de sobrevivência e de harmonia do grupo. O homem desenvolve sua vida, não isoladamente, mas dentro de uma comunidade. Esta deve ser mantida e preservada para o bem do próprio indivíduo. Esta relação de sobrevivência e bom andamento do grupo com os interesses do indivíduo determina uma grande classe de valores: os éticos ou morais; os deveres, os direitos e o bem, isto é, valores que obrigam, valores que atraem e valores que autorizam. Dentro da categoria “ética profissional” podemos colocar várias atitudes valoradas, como a honra, a bondade, a fidelidade, a benevolência, a justiça etc.
Assim, para a atividade do médico, discute-se ser necessário que o profissional esteja imbuído de certos princípios ou valores do ser humano (Camargo, 1999: 31), pra vivenciá-los nas suas atividades de trabalho. De um lado, a exigência ética da deontologia (do grego “deontes= a dever e “logos”= tratado). É a Ciência dos deveres específicos que o orientam no campo profissional; de outro, exige a diceologia (do grego, “diceo”= direitos, e “logos”= tratado), isto é, o estudo dos direitos que esse profissional ou qualquer outro tem ao exercer suas atividades. À luz da Jusfilosofia, esses direitos constituem-se expressões éticas no exercício legal do médico. É a ética da responsabilidade de sua profissão. Aqui, o médico se experimenta enquanto age sobre os outros e em se mesmo. Ele se compreende como “responsável” que assume o seu ser e toma nas mãos o seu destino.
4-Tópicos para um diálogo entre médico e filósofo.
“Esse mundo da informática e da comunicação está criando um ambiente mental, afetivo e comportamental bem diferente que as gerações passadas: estreitando relacionamento entre pessoas, povos e culturas, fontes de esperanças para a humanidade. Afetam, sobretudo, a vida do cidadão – a educação em todos os níveis: massificação de uma cultura superficial, violenta, sem ética e imposta pela “mídia”, um novo tempo de perversidade –, a do desrespeito à vida e aos direitos humanos”. (Francisco Andrade)
"Pode haver Medicina – e tanto já houve e tanto ainda há – sem o concurso da ciência, mas dificilmente podemos imaginar uma Medicina que prescindisse dos conceitos inerentes à problemática humana, conceitos esses pertencentes prioritariamente, ao campo filosófico. ” (Londres, l997: 111).
“A Medicina relaciona estudos científicos a respeito do homem com a escala de valores humanos, unindo assim, através de tensões e resoluções, os terrenos do concreto e do abstrato. Uma Medicina que não leve em conta essa escala de valores pode se tornar contrária ao interesse daqueles que dela se servem” (id. ib. : 112).
“A impregnação da Medicina pela atitude científica protegeu-a das especulações teóricas estéreis, mas a afastou de considerações teóricas e filosóficas que pudessem alinhavar os seus novos conhecimentos e orientar as resoluções de suas novas problemáticas” (id. ib. 113).
A Filosofia da Medicina: é o exame crítico, através de uma visão filosófica, de uma epistemologia das ciências médicas, do significado da Medicina como uma prática clínica, analisando seus fundamentos, suas conceituações, suas ideologias e as bases filosóficas de sua ética´id. ib. 116).
Estude e Pesquise mais:
ANDRADE FILHO, Francisco Antônio de. "Relação Ético-Política na 'Filosofia do Direito' de Hegel", in Síntese Nova Fase, v. 24, n. 77 (1997) : 181-197; Eutanásia: a vida produz a morte, in Bioética - Boletim da SBB (2001), ano 3, n. 5: 4 a 5.
ESPINOSA, Baruch de. Ética. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
ANDRADE FILHO, F. A. de. Teoria e Prática dos Valores. O Recado da Pesquisa. http://www.orecado.cjb.net. “Reflexões”, 2000.
________________. Bioética: Filosofia para quê? id. ibid., 2002.
BOTSARIS, Alexandros Spyros. Sem Anestesia: o desafio de um médico. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
LIMA VAZ, Henrique C. de. Ética e Justiça: Filosofia do agir humano, in PINHEIRO, José Ernanne. Ética, Justiça e Direito – reflexões sobre a reforma do judiciário, Vozes, 1996, p. 19 a 40.
LONDRES, Luiz Roberto. Iátrica: A Arte Clínica: ensaios sobre a teoria da prática médica. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.
CÓDIGO DE ÉTICA DO MÉDICO. http://www.cremepe.cfm.org.br/codigodeetica/codigoetica.htm
PEGORARO, Olinto. A ética é Justiça. Petrópolis: Vozes, 1995
CAMARGO, Marcolino. Fundamentos de Ética Geral e Profissional. Petrópolis: Vozes, 1999.
MAXIMIANO, Antônio César Amaru. Teoria Geral da Administração. São Paulo: Atlas, 1997.
SÁ, Antônio Lopes de. Ética Profissional. São Paulo: Atlas, 1996.