por Francisco Antônio de Andrade Filho
Eutanásia, Vida e Morte. Três expressões interligadas. Relacionando-se. É que forças opostas, unidade e luta dos contrários, constituem movimentos comuns e inerentes a todas as coisas materiais e espirituais. Em contínua transformação. Inacabadas, no mundo da finitude. Fazem sentido, uma vivendo em função da outra. Eutanásia: a vida produz a morte.
Lembram-nos Fátima Oliveira (1997), Hubert Lepargneur (1999), entre outros, definem etimologicamente, a eutanásia (eu = bom; thanatos = morte) significando "boa morte, morte suave e sem sofrimento", morte harmoniosa e morte sem angústia. Fácil. Feliz. Domínio sobre sua própria vida ou sobre a vida de outrem. Libertação livre do viver e do morrer. "Homicídio por piedade", ação de aliviar o sofrimento de doentes terminais.
O tema da eutanásia se tornou, hoje, um dos mais agudos e debatidos no campo da ética médica e da Bioética, à luz da Filosofia e áreas afins. O enorme progresso das técnociências, nos últimos anos, abriu horizontes de esperança e bem-estar, de vida e morte, pela capacidade da medicina de prolongar indefinidamente uma vida por meios artificiais, motivos sociais, humanos e econômicos. Vejamos alguns destaques dos bioeticistas nesse campo, do jogo da vida e da morte na fronteira da eutanásia.
Para Márcio Palis Horta (1999), "morrer é parte integral da vida e da existência humana (...), tão natural e imprevisível como nascer. Sua tradicional definição do instante do cessamento dos batimentos cardíacas tornou-se obsoleta. Hoje, ela é vista como um processo, como um fenômeno progressivo e não mais um momento, ou evento. Morrem primeiro os tecidos mais dependentes do oxigênio em falta, sendo o tecido nervoso o mais sensível de todos. Três minutos de ausência de oxigenação são suficientes para a falência encefálica que levaria à morte encefálica ou, no mínimo, ao estado permanente de coma, em vida vegetativa."
Logo a seguir, com Leocir Pessini, insinua algumas respostas com questões éticas. A vida humana deve ser sempre preservada, independentemente de sua qualidade? Devem-se empregar todos os recursos tecnológicos para prolongar um pouco mais a vida de um paciente terminal? Devem-se utilizar processos terapêuticos cujos efeitos são mais nocivos que o mal a curar? Quando sedar a dor significa abreviar a vida, é lícito fazê-lo?
São perguntas incisivas com prováveis respostas abertas à discussão. A busca de respostas a essas questões éticas constitui um desafio aos pesquisadores com argumentos a favor e contra a eutanásia. Vamos dialogar.
A moral hipocrática objeta contra a prática da eutanásia. A Deontologia médica inspirada no filósofo Hipócrates é falaciosa. É uma camuflagem. Proibir os profissionais de saúde a jamais ministrar medicamentos letais, mesmo a pedido do paciente, é uma teoria ideal desse filósofo ou uma prática contraditória, vivenciada nos hospitais? Thomas More, em sua obra Utopia (1516), defende-a "se a doença é incurável e faz-se acompanhar de dores agudas e contínuas angústias". E o iluminista Montaigne (1987) disse que o principal problema da Filosofia é a morte. E pensou: "Quem não souber morrer que não se preocupe. A natureza o instruirá plenamente num instante e o fará com exatidão".
Estas atitudes filosóficas frente à prática ou não da eutanásia fazem pensar a relação médico-paciente. Confiança nele ou desconfiança na injeção que o cura ou o mata? É verdade que o paciente se coloca nas mãos do médico. Mas, o que fazer quando o próprio médico informa: "Não há mais nada a fazer", ou quando "a própria medicina cria situações desumanas e depois se recusa a assumir responsabilidades por ela", e ainda no fato de que "as novas condições do morrer obrigam os médicos a se ocuparem também da morte do ser humano"?
Penso que, estas discussões e seus argumentos "contra" e "a favor" sobre eutanásia tendem a camuflar outras dimensões da vida e da morte. Escondem outras formas de violência contra o ser humano. A eutanásia, a cacotanásia ("má morte"), a distanásia ("morte dolorosa"), narcotanásia ("morte narcotizada"), mistanásia ("morte infeliz"), ortonásia ("direito de morrer com dignidade") e outras palavras correlatas são, na prática, verdadeiras "penas de morte", sem julgamento e sem lei. São sentidos ideológicos da vida e da morte, acobertando outras violências cotidianas. Violências que matam: a fome, seqüestros, corrupções econômicas e políticas. A eutanásia é também exclusão da cidadania, sua ausência. Exploração e embrutecimento do homem. Sua alienação. Em outros termos, o próprio homem inventa a linguagem da eutanásia e outras experiências culturais, de vida e de morte. Onde estaria a autonomia do paciente nessa sua " libertação da morte"? Nos seus familiares? Nos profissionais da saúde?
Segundo esse raciocínio, vida e morte, além do seu aspecto natural, são cultivadas (Boff, 1999). São experiências culturais. Mortos e vivos estão sempre juntos e contradizendo-se. A vida contra a morte. A morte contra a vida. Opondo-se. Invisíveis. A vida é tudo. Morte é ruína. Vida e morte transformam-se em mercadorias. Vida e morte nas igrejas. Vida e morte nos hospitais. Vida e morte nos assaltos. Vida e morte nas empresas. Vida e morte dos sem-terra-teto. Utopia do reino de Deus. Vida no além-morte.
Somos programados para viver e morrer. Projeto genético. Criamos a linguagem de outro projeto. Cultivamos outras vidas e outras mortes: projeto institucionalizado.
E mercantilizamos a vida e a morte.
Bibliografia
1. BOFF, Leonardo. Morte e ressurreição na nova antropologia, in Leonardo Boff, Ética da Vida. Brasília: Letra Viva, 1999: 219-237.
2. HORTA, Márcio Palis. Eutanásia – problemas éticos da morte e do morrer, in Bioética (rev.), V.7 num.01-1999. Conselho federal de Medicina, 1999: 27-33
3. LEPARGNEUR, Hubert . Bioética da eutanásia – argumentos éticos em torno da eutanásia, in Bioética (rev.), V.7 num.01-1999. Conselho federal de Medicina, 1999: 41-48.
4. MONTAIGNE, Michel de.(1553-1592): Ensaios. São Paulo: Nova Cultural, 1987.
5. OLIVEIRA, Fátima. Bioética – uma face da cidadania. São Paulo: Moderna, 1997.
6. SANVITO, Wilson Luiz. Eutanásia – os limites da assistência, in Valdemar Augusto Angerami – Camon (org.). A Ética na Saúde, São Paulo: Pioneira, 1997: 61-7
* texto publicado neste site originalmente em 2000.
2 comentários
oque isso tem a ve com morte
by alice on 27 de outubro de 2011 às 07:34. #
hum legau poderia esplicar melhor mas ja deu pra entender um pouco
by alice on 27 de outubro de 2011 às 07:34. #