Tópicos de Lógica nos clássicos da Filosofia

by Francisco on sábado, 10 de outubro de 2009

por Francisco Antônio de Andrade Filho



Vimos ser a Lógica o estudo da razão do ponto de vista de seu uso no conhecimento ou como meio de chegar à verdade. Discutimos o problema central da Lógica Menor ou Formal e o da Lógica Maior ou Material. Indagamos: quais são as regras que precisamos para raciocinar corretamente? Em que condições o raciocínio é não somente correto mas também verdadeiro e demonstrativo, e faz adquirir a ciência?


Trata-se de discutir os métodos das ciências. Enquanto tentativa de explicar a realidade, a ciência caracteriza por ser uma atividade metódica. De lógica. Atividade da fala que, ao se propor conhecer a realidade, busca atingir essa meta por meio de ações passíveis de serem reproduzidas. Linguagem essa que constitui um conjunto de concepções sobre o homem, a natureza e o próprio conhecimento, que sustentam um conjunto de regras de ação, de procedimentos, prescritos para se construir conhecimento científico.


Referir-se-á lógica filosófica é suscitar o debate sobre o enfoque dado pela dialética como um caminho de investigação trilhado pelos clássicos da filosofia. É através da dialética - dessa arte de no diálogo -, que os filósofos demonstram uma tese por meio de uma argumentação capaz de definir e distinguir claramente os conceitos envolvidos na discussão. Indicam o modo de compreendermos a realidade como essencialmente contraditória.


Assim, para o filósofo Tales (625-548 a.C.), a origem da vida estava na água; para Anaxímenes (585-528 a.C.), estava no ar. Segundo Heráclito (540-470 a.C.), o ser está no "vir-a-ser" ou no devir. O ser está a cada momento se modificando. Para Pitágoras (580-497 a.C.), "o número é o fundamento de todas as coisas (...) E, de fato, tudo o que se conhece tem número. Pois é impossível pensar ou conhecer algumas coisas sem aquele", afirmava ele.


Platão (426-348 a.C.) filosofava: "Pensamento e discurso são, pois, a mesma coisa, salvo que é ao diálogo interior da alma consigo mesma que chamamos pensamento". E Aristóteles (348-322 a.C.) dizia: "É, pois, manifesto que a ciência a adquirir é a das causas primeiras, pois dizemos que conhecemos cada coisa somente quando julgamos conhecer a sua primeira causa".


RENÉ DESCARTES (1596-1650)
"Entendo por método regras certas e fáceis, que permitem a quem exatamente as observar nunca tomar por verdadeiro algo de falso e, sem desperdiçar inutilmente nenhum esforço da mente, mas aumentando sempre gradualmente o saber, atingir o conhecimento verdadeiro de tudo o que será capaz de saber". (Regras Para a Direção do Espírito)



BARUCH DE ESPINOSA (1632-1677)
"Mas como os homens no começo, com instrumentos inatos, puderam fabricar algumas coisas muito fáceis, ainda que laboriosas e imperfeitamente, feito que, fabricaram outras coisas mais difíceis, com menos trabalho e mais perfeição, passando gradativamente das obras e instrumentos, para chegar a fazer tantas coisas e tão difíceis com pouco trabalho, também o intelecto, por sua forma nativa, faz para si instrumentos intelectuais e por meio deles adquirir outras forças para outras obras intelectuais, graças às quais fabrica outros instrumentos ou poder de continuar investigando, e assim prosseguindo gradativamente até atingir o cume da sabedoria". (Tratado da Correção do Intelecto)



JEAN-JACQUES ROUSSEAU (1712-1778)
Tópicos do Discurso Sobre as Ciências e as Artes (1750)
"Na política, como na moral, é um grande mal não se fazer de algum modo o bem e todo cidadão inútil pode ser considerado pernicioso (...) Os antigos políticos falavam constantemente de costumes e virtudes, os nossos só falam de comércio, de dinheiro e de poder (...) Avaliam os homens como gado. Segundo eles, um homem só vale para o Estado pelo seu consumo"


"... Reconhecei, pois, a pouca importância de vossas produções e, se o trabalho dos mas esclarecidos de nossos sábios e de nossos melhores cidadãos nos proporciona tão parca utilidade, dizei-nos o que devemos pensar dessa chusma de escritores obscuros e de letrados ociosos que, em pura perda, devoram a substância do Estado."


" Se a cultura das Ciências é prejudicial às qualidades guerreiras, ainda o é mais às qualidades morais. Já desde os primeiros anos, uma educação insensata orna nosso espírito e corrompe nosso julgamento. Vejo em todos os lugares estabelecimentos imensos onde a alto preço se educa a juventude para aprender todas as coisas, exceto seus deveres. Vossos filhos ignoram a própria língua, mas falarão outras que em lugar algum se usam; saberão compor versos que dificilmente compreenderão; sem saber distinguir o erro da verdade, possuirão a arte de torná-los ambos irreconhecíveis aos outros, graças a argumentos especiosos; mas não saberão o que são as palavras magnanimidade, eqüidade, temperança, humanidade e coragem; nunca lhes atingirá o ouvido a doce palavra Pátria e, se ouvem falar de Deus, será menos para reverenciá-lo do que para temê-lo. Preferiria, dizia um sábio, que meu aluno tivesse passado o tempo jogando péla, pois pelo menos o corpo estaria mais bem mais disposto. Sei que é preciso ocupar as crianças e que a ociosidade constitui para elas o maior dos perigos a evitar. Que deverão, pois, aprender? Eis uma questão interessante. Que aprendam o que devem fazer sendo homens e não o que devem esquecer ."


"Que é a filosofia? Qual o conteúdo das obras dos filósofos mais conhecidos? Quais são as lições desses amigos da sabedoria? Ouvindo-os, não os tomaríamos por uma turba de charlatães gritando, cada um para seu lado, numa praça pública: 'Vinde a mim, só eu não engano!' Um pretende não haver corpos e que tudo existe como representação; o outro, não haver outra substância se não a matéria, nem outro deus senão o mundo. Este avança não haver nem virtudes, nem vícios, e serem quimeras o bem e o mal morais; aquele, que os homens são lobos e podem, com a consciência tranqüila, se devorarem uns aos outros. Oh! Grandes filósofos, por que não reservais para vossos amigos e filhos essas lições proveitosas? Teríeis logo a recompensa e não temeríamos encontrar entre os nossos amigos alguns de vossos sectários."



MONTESQUIEU (1689-1755)
"Coloquei princípios e vi os casos particulares submeterem-se a eles como por si mesmos, as histórias de todas as nações serem apenas seqüências e cada lei particular a outra lei, ou depender de outra mais geral (...) Não extraí meus princípios de meus preconceitos mas da natureza das coisas" (Espírito das Leis)



IMMANUEL KANT (1724-1804)
"Sou, por meu gosto, um pesquisador. Experimento toda a sede de conhecer e a ávida inquietude de progredir, do mesmo modo que a satisfação que toda aquisição proporciona. Houve um tempo em que acreditava que só isso poderia fazer a honra da humanidade e desprezava a plebe que tudo ignora. Foi Rousseau que me tirou da ilusão. Esse privilégio ilusório se desvanece, aprendo a honrar os homens e ter-me-ia por mais inútil que o comum dos trabalhadores se não estivesse convencido de que a especulação à qual me entrego pode conferir um valor a tudo mais: fazer ressaltar os direitos da humanidade." (Observações sobre o Sentimento do Belo e do Sublime)


"O Iluminismo é a saída do homem da sua menoridade de que ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem. Tal menoridade é por culpa própria se a sua causa não reside na falta de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem de se servir de si mesmo sem a orientação de outrem. Sapere aude! Tenha a coragem de te servires do teu próprio entendimento! Eis a palavra de ordem do Iluminismo". (Resposta à Pergunta: Que é Iluminismo?)



HEGEL (1770-1831)
"Este livro apresenta o devir da ciência em geral ou do saber. O saber como é inicialmente, ou o espírito imediato, é o que é desprovido de atividade espiritual, a consciência sensível. Para chegar ao saber propriamente dito ou para gerar o elemento da ciência, que é para a ciência o seu puro conceito, esse saber deve percorrer penosamente um longo caminho. - Esse devir, tal como se apresentará em seu conteúdo, com as figuras que se mostrarão nele, não será o que se imagina primeiramente sobre o título de introdução da consciência não científica na ciência, também será algo diferente do estabelecimento dos fundamentos da ciência; - e algo bem diferente desse entusiasmo que, como um tiro de revólver, começa imediatamente com o saber absoluto e se desembaraça das posições diferentes, declarando que nada tem a ver com elas". (A Fenomenologia do Espírito; o prefácio)



* texto publicado neste site originalmente em 2002.

Eutanásia: a vida produz a morte

by Francisco on sábado, 3 de outubro de 2009

por Francisco Antônio de Andrade Filho

Eutanásia, Vida e Morte. Três expressões interligadas. Relacionando-se. É que forças opostas, unidade e luta dos contrários, constituem movimentos comuns e inerentes a todas as coisas materiais e espirituais. Em contínua transformação. Inacabadas, no mundo da finitude. Fazem sentido, uma vivendo em função da outra. Eutanásia: a vida produz a morte.

Lembram-nos Fátima Oliveira (1997), Hubert Lepargneur (1999), entre outros, definem etimologicamente, a eutanásia (eu = bom; thanatos = morte) significando "boa morte, morte suave e sem sofrimento", morte harmoniosa e morte sem angústia. Fácil. Feliz. Domínio sobre sua própria vida ou sobre a vida de outrem. Libertação livre do viver e do morrer. "Homicídio por piedade", ação de aliviar o sofrimento de doentes terminais.

O tema da eutanásia se tornou, hoje, um dos mais agudos e debatidos no campo da ética médica e da Bioética, à luz da Filosofia e áreas afins. O enorme progresso das técnociências, nos últimos anos, abriu horizontes de esperança e bem-estar, de vida e morte, pela capacidade da medicina de prolongar indefinidamente uma vida por meios artificiais, motivos sociais, humanos e econômicos. Vejamos alguns destaques dos bioeticistas nesse campo, do jogo da vida e da morte na fronteira da eutanásia.

Para Márcio Palis Horta (1999), "morrer é parte integral da vida e da existência humana (...), tão natural e imprevisível como nascer. Sua tradicional definição do instante do cessamento dos batimentos cardíacas tornou-se obsoleta. Hoje, ela é vista como um processo, como um fenômeno progressivo e não mais um momento, ou evento. Morrem primeiro os tecidos mais dependentes do oxigênio em falta, sendo o tecido nervoso o mais sensível de todos. Três minutos de ausência de oxigenação são suficientes para a falência encefálica que levaria à morte encefálica ou, no mínimo, ao estado permanente de coma, em vida vegetativa."

Logo a seguir, com Leocir Pessini, insinua algumas respostas com questões éticas. A vida humana deve ser sempre preservada, independentemente de sua qualidade? Devem-se empregar todos os recursos tecnológicos para prolongar um pouco mais a vida de um paciente terminal? Devem-se utilizar processos terapêuticos cujos efeitos são mais nocivos que o mal a curar? Quando sedar a dor significa abreviar a vida, é lícito fazê-lo?

São perguntas incisivas com prováveis respostas abertas à discussão. A busca de respostas a essas questões éticas constitui um desafio aos pesquisadores com argumentos a favor e contra a eutanásia. Vamos dialogar.

A moral hipocrática objeta contra a prática da eutanásia. A Deontologia médica inspirada no filósofo Hipócrates é falaciosa. É uma camuflagem. Proibir os profissionais de saúde a jamais ministrar medicamentos letais, mesmo a pedido do paciente, é uma teoria ideal desse filósofo ou uma prática contraditória, vivenciada nos hospitais? Thomas More, em sua obra Utopia (1516), defende-a "se a doença é incurável e faz-se acompanhar de dores agudas e contínuas angústias". E o iluminista Montaigne (1987) disse que o principal problema da Filosofia é a morte. E pensou: "Quem não souber morrer que não se preocupe. A natureza o instruirá plenamente num instante e o fará com exatidão".

Estas atitudes filosóficas frente à prática ou não da eutanásia fazem pensar a relação médico-paciente. Confiança nele ou desconfiança na injeção que o cura ou o mata? É verdade que o paciente se coloca nas mãos do médico. Mas, o que fazer quando o próprio médico informa: "Não há mais nada a fazer", ou quando "a própria medicina cria situações desumanas e depois se recusa a assumir responsabilidades por ela", e ainda no fato de que "as novas condições do morrer obrigam os médicos a se ocuparem também da morte do ser humano"?

Penso que, estas discussões e seus argumentos "contra" e "a favor" sobre eutanásia tendem a camuflar outras dimensões da vida e da morte. Escondem outras formas de violência contra o ser humano. A eutanásia, a cacotanásia ("má morte"), a distanásia ("morte dolorosa"), narcotanásia ("morte narcotizada"), mistanásia ("morte infeliz"), ortonásia ("direito de morrer com dignidade") e outras palavras correlatas são, na prática, verdadeiras "penas de morte", sem julgamento e sem lei. São sentidos ideológicos da vida e da morte, acobertando outras violências cotidianas. Violências que matam: a fome, seqüestros, corrupções econômicas e políticas. A eutanásia é também exclusão da cidadania, sua ausência. Exploração e embrutecimento do homem. Sua alienação. Em outros termos, o próprio homem inventa a linguagem da eutanásia e outras experiências culturais, de vida e de morte. Onde estaria a autonomia do paciente nessa sua " libertação da morte"? Nos seus familiares? Nos profissionais da saúde?

Segundo esse raciocínio, vida e morte, além do seu aspecto natural, são cultivadas (Boff, 1999). São experiências culturais. Mortos e vivos estão sempre juntos e contradizendo-se. A vida contra a morte. A morte contra a vida. Opondo-se. Invisíveis. A vida é tudo. Morte é ruína. Vida e morte transformam-se em mercadorias. Vida e morte nas igrejas. Vida e morte nos hospitais. Vida e morte nos assaltos. Vida e morte nas empresas. Vida e morte dos sem-terra-teto. Utopia do reino de Deus. Vida no além-morte.

Somos programados para viver e morrer. Projeto genético. Criamos a linguagem de outro projeto. Cultivamos outras vidas e outras mortes: projeto institucionalizado.

E mercantilizamos a vida e a morte.




Bibliografia

1. BOFF, Leonardo. Morte e ressurreição na nova antropologia, in Leonardo Boff, Ética da Vida. Brasília: Letra Viva, 1999: 219-237.
2. HORTA, Márcio Palis. Eutanásia – problemas éticos da morte e do morrer, in Bioética (rev.), V.7 num.01-1999. Conselho federal de Medicina, 1999: 27-33
3. LEPARGNEUR, Hubert . Bioética da eutanásia – argumentos éticos em torno da eutanásia, in Bioética (rev.), V.7 num.01-1999. Conselho federal de Medicina, 1999: 41-48.
4. MONTAIGNE, Michel de.(1553-1592): Ensaios. São Paulo: Nova Cultural, 1987.
5. OLIVEIRA, Fátima. Bioética – uma face da cidadania. São Paulo: Moderna, 1997.
6. SANVITO, Wilson Luiz. Eutanásia – os limites da assistência, in Valdemar Augusto Angerami – Camon (org.). A Ética na Saúde, São Paulo: Pioneira, 1997: 61-7

* texto publicado neste site originalmente em 2000.