"Meu Filho é um Gato! Quem sabe não será um Ronaldinho?"

by Francisco on sábado, 15 de novembro de 2008

Alex Peña-Alfaro
Professor do Depto. de Psicologia/UNICAP

Hoje falaremos de futebol! Todo mundo sabe que o brasileiro é apaixonado pelo jogo que os ingleses inventaram e hoje é uma das expressões maiores da cultura brasileira. Houve tempos em que os intelectuais torciam o nariz pelo futebol, tentaram ignorá-lo, mas é inegável que o brasileiro incorporou este jogo à vida nacional e até utilizamos muitas frases que se originam do futebol: "tô na área", "passar a perna", "ficar no escanteio", "torcendo", "estar impedido", "cartão vermelho" e tantas outras frases. Assim, o futebol é importante dentro da cultura brasileira, como meio de socialização, atividade econômica, expressa um modo de ser e estar no mundo, o jogador brasileiro tem uma habilidade inata, uma capacidade orgânica para o jogo, já nasce jogador e pertence ao primeiro mundo do futebol, embora a organização esportiva dos clubes e das federações continue no terceiro mundo, haja visto os problemas de calendário de jogos, os cartolas que mudam as regras das competições, o desperdício de recursos, a falta de profissionalização em todas as áreas, desde a infantil até as seleções das várias categorias.

Neste momento, assistimos a uma terceira divisão paralisada, a problemas de falsificação de documentos de jogadores, corrupção, alteração das datas dos jogos e outros. Mas, hoje vamos falar sobre os gatos no futebol. Este é o nome dado aos jogadores que alteram sua documentação para poder competir com uma idade inferior à real. Isto é feito nas categorias inferiores, onde a diferença de idade é significativa e decisiva para as competições.

Tenho um filho de seis anos, é louco por futebol, está inscrito numa escolinha e agora está envolvido num torneio. Aí o treinador chamou os pais antes do primeiro jogo e alertou: "não se preocupem se algum pai ou mãe do outro time os provocar, xingar seus filhotes...isto acontece, não revidem, pois alguns, inclusive treinadores, visam apenas ganhar a qualquer custo."

Ficamos estarrecidos. Durante o jogo, o treinador do outro time ficou aos berros, gritando com seus próprios pupilos. Mesmo quando seu time estava ganhando o jogo, continuava furioso, inclusive dizendo palavrões junto as senhoras que assistiam ao jogo. Alguns pais falsificam certidões de nascimento para que seus filhotes levem vantagens e ganhem nos torneios e ficam furiosos quando os filhotes erram ou perdem um jogo, imaginem quando perdem o campeonato...pois é! Isto acontece a nível nacional no país do futebol. O espetáculo esportivo tornou-se um grande investimento milionário, grandes interesses comerciais entram em jogo, ou seja, o financeiro pressionará ainda mais o funcionamento. Em verdade, o futebol tem sido, não apenas no Brasil, uma forma de ascensão social, uma grande maioria de jogadores provém das camadas mais pobres. O futebol poderia ser uma grande escola da vida, promover valores sociais e culturais, educar os jovens para a vida, além de dar-lhes uma oportunidade econômica para conquistar algo, de outro modo difícil.

Infelizmente, o que vemos é o desperdício da rara habilidade do jogador brasileiro ir pelo ralo. O fenômeno do gato é exemplar, não é um caso isolado. A malandragem campeia em todos os âmbitos do futebol, muitos pais fantasiam e sonham com seu filho se transformar em um novo Ronaldinho, com direito a louras, carros e muita fama, mesmo que para isso devam recorrer a expedientes nem sempre corretos. O caso dos gatos preocupa porque são os pais, os dirigentes, os adultos que iniciam as crianças e jovens no campo da esperteza e do desrespeito ao o outro, pois a regra básica é ganhar, ganhar a qualquer custo...

Que pena...no futebol brasileiro o gato é o símbolo da esperteza, de passar o outro para trás, à espera que possamos definir uma ética de valores esportivos que sirva para promovê-lo e valorizá-lo, que o sonho de fazer do gato um Ronaldinho, e do pai dele o seu procurador, não norteie a aprendizagem do jovem.

* artigo publicado originalmente no ano de 1999, neste site.

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