Existe uma Ética do Serviço?

by Francisco on sábado, 25 de outubro de 2008

Alex Peña-Alfaro
Professor do Depto. de Psicologia/UNICAP

Gostaria de abordar o tema tão atual e pertinente e nunca desnecessário da ética, sob uma perspectiva muito especifica: a do serviço, o ato de servir alguém ou algo, e especialmente em relação à saúde pública onde talvez aparece a forma mais cruel de falta de serviço com uma população que mais necessita dele...neste mês de agosto tão fadado a malefícios e profecias de mau auguro temos assistido a verdadeiras catástrofes em termos do atendimento nos hospitais públicos.

Dois fatos ilustram bem isto: 1o, uma vistoria do sindicado dos médicos aos cinco maiores hospitais públicos reprovou todos.

2o, o ministro da saúde ficou surpreso e revoltado quando aqui chegou e constatou (depois de ter cortado verbas) que o atendimento é precário no hospital das clínicas do Recife...

Bom, não caberia aqui um aprofundamento das várias causas do problema, apenas uma reflexão sobre que tipo de ética rege o serviço na área de saúde pública, aqui contemplo desde o ministro ao enfermeiro, ressalvando as competências e responsabilidade de cada elo da corrente.

A pergunta é como chegamos a um ponto tão desumano numa área de tanto sofrimento onde se revela um descaso absurdo de se entender e muito maior de se explicar!

Por que funcionam tão mal os serviços de saúde pública?

A idéia é imaginar como funcionaria o sistema se fosse administrado por uma mulher, uma mãe, uma dona de casa...bem não se trata apenas de colocar apenas alguém do gênero feminino, seria simples se assim fosse...a questão é, se não seria diferente introduzir uma nova forma de serviço...isto é, os valores do feminino!!!

A forma de fazer política, de onde nascem as políticas de saúde pública, não passam de formas masculinas: o poder, a força, o prestigio; afinal, nossa civilização é milenarmente uma falocracia, inclusive com a participação das mulheres... os valores da nossa cultura são a guerra, o dinheiro, o domínio, a materialidade, vencer os outros, a competitividade, a exclusão, a identificação com o forte e poderoso. Ora, na área da saúde os valores que deveriam predominar são justamente os valores femininos: a compaixão, a solidariedade, a sensibilidade e acima de tudo: o cuidar do outro.

Este último é o valor da maternidade. Sem os cuidados da mãe, o indefeso bebê morre!!! Assim, o estado de doença é um estado de fragilidade, onde nossa precariedade física e existencial fica à mostra com clareza.

Mas esta ética do cuidar foi exposta 2000 anos atrás, por Cristo, quando falava e instruía seus discípulos. Já no fim da sua missão, lança um olhar sobre a cidade diz-lhes:

"Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados! Quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas e tu não quisestes"! (Mt 23:37)

Realmente surpreende este pequeno texto, não apenas pela sua profunda densidade teológica, como pela sua atualidade dentro desta reflexão, podemos destacar várias questões. A primeira: "quantas vezes quis..." não se trata de uma atitude episódica, eleitoreira ou interesseira...mas de algo intrínseco à pessoa de Jesus, era da sua natureza esse interesse genuíno pelos outros; segunda: sua relação era amorosa queria abraçá-los como a filhinhos, cobri-los com seu imenso amor; terceira: "queria ajuntá-los como a galinha junta os seus pintinhos... "sua atitude era de mãe...como uma galinha...assim de simples; não entanto, a resposta à proposta de Jesus foi a recusa: "matastes os profetas e apedrejastes os que te são enviados..." a cultura falocrática não compreendeu sua atitude, e nós fazemos pior...não apedrejamos ninguém, apenas não atendemos os apelos dos que definham nos hospitais públicos e que no final da no mesmo...muitos morrem. Falta uma ética do cuidar, livre das "políticas" de saúde que, no final de contas, sempre visam outros objetivos imediatos que não os dos doentes, mas das estatísticas e das reeleições ou das futuras campanhas...falta compaixão... falta "mãe" que cuide. Para finalizar é bom lembrar que a administração das organizações hoje está descobrindo o jeito feminino de cuidar dos grupos humanos, seja na produção, na educação, nas artes, é uma tendência que cresce junto com a nossa crise Ética e de valores...por que não o feminino?

* artigo publicado originalmente no ano de 1999, neste site.

"Meu Pitbull ainda não mordeu ninguém"!

by Francisco on sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Alex Peña-Alfaro
Professor do Depto. de Psicologia/UNICAP

Temos notícias alarmantes de um aumento do número de pessoas mordidas por cachorros, o mais grave é que envolve crianças atacadas por cães de raça desenvolvidos por cruzamentos genéticos que favorecem as caraterísticas de força e ferocidade. São os pit-bull, filas e outras marcas em voga.

A questão é saber porque vivemos com o risco de acidentes envolvendo cachorros e pessoas indefesas, inclusive com ocorrência de mortes, as autoridades não tomam providencias eficazes, os donos de cachorro continuam a defender o direito particular de tê-los. E a cidadania (?) não sabe o que fazer...

Este é o cenário de um problema que cresce e ameaça vidas humanas ao qual se assiste passivamente. Porquê? Alguns dados podem ilustrar melhor. Só um hospital do Rio de Janeiro registrou no ano passado 1470 casos, com média de 6 pessoas mordidas por dia; a associação Cearense de criadores de pit-bull defendeu em março deste ano que não fosse proibida a criação e que apenas multa-se o dono quando alguém fosse mordido...O raciocínio é interessante...como é também o argumento de defesa contra os ladrões de residências e outros...

Está em jogo a discussão entre o que é a esfera do público e do privado, este problema do cachorro bravo que é meu e está na minha casa onde mando eu...pressupõe que ele está em lugar seguro. Isto é falso, pois muitos escapam dos portões e casas e atacam a primeira pessoa que encontram...depois não podemos ignorar os riscos e perigos e jogar com a vida das pessoas. Isto é um problema cultural o brasileiro só cuida depois...os donos confiam mais no seu cachorro...noutros países onde as leis escritas e as do convívio quotidiano impõem regras que as pessoas respeitam e os cachorros são educados para viver como membros da família e com os vizinhos como bem mostrou o antropólogo Roberto da Matta num artigo de jornal que falava do cachorro nos EUA ou na Europa. Mas por que essa moda de cachorro feroz?

Que Psicologia poderia explicar essa necessidade de desfilar com um bicho bravo desses? Podemos imaginar que as marcas falam dos seus donos, é o caso das grifes, importa muito mais do que o objeto, a marca...podemos perguntar o que representa um cão feroz? Uma defesa? Um status? Ou uma forma velada de ameaça aos outros? Arriscaria psicologizar o fato e dizer que pode ser uma identificação ...imaginem...com o bichano??? As descrições que se fazem desses bichos são escalofriantes, o pit-bull, por exemplo, tem uma força na mandíbula, quando prende a vitima, de várias toneladas; qual seria a utilidade de tanta ferocidade? Existem noticia de grupos de jovens que cultivam modos de vida próximo ao neo nazismo, com toda a apologia e culto a violência que não pode passar despercebida à sociedade pelos riscos que envolve.

Antigamente criava-se cachorro por identificação com caraterísticas do animal: lealdade, humor, docilidade etc. E agora?

O problema que fica para nós não é apenas discutir o direito de ter meu cachorro ou não...mas que responsabilidade tenho com os outros quando decido ter um cachorro ? até porque convenhamos há uns e outros, felizmente, e por isso também, existe enorme diversidade de raças para escolher. É injustificável que um fila tenha mordido pela segunda vez uma pessoa, a criança ficou com o rosto desfigurado, no espaço de seis meses e o dono está muito bem obrigado. Os donos de cachorros ferozes colocam os outros em risco; e não querem saber disso, pois como bem explicou um deles: "o meu pit-bull ainda não mordeu ninguém".

* artigo publicado originalmente no ano de 1999, neste site.