Revelar ou não revelar o diagnóstico ao paciente?

by Francisco on quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Francisco Antônio de Andrade Filho


“Penso que o melhor médico, é aquele que tem a sabedoria de falar com os pacientes, segundo o seu conhecimento, da situação do momento; do que aconteceu antes e do que acontecerá no futuro.”
(Hipócrates)


Apresentação: objetivos e importância da temática em seus eixos básicos

“Revelar ou não revelar o diagnóstico ao paciente”? É uma questão ética e científica para os profissionais que lidam com a vida humana. Acena para alguns pontos de discussão focados pela filosofia e sua relação com o biodireito, ética e cidadania (ANDRADE FILHO, 2205: 383 - 403). Trata-se de enfrentar a verdade de um diagnóstico ou prognóstico desfavorável e comunicá-lo ao paciente. Então, o doente tem o direito à verdade, de saber sobre a realidade de sua situação? Ser informado é um direito ou uma obrigação do paciente? Tem ele o direito de se preparar para morrer com dignidade, tranqüilidade e respeito? Com que critérios? A comunicação se envolve com as mesmas questões lógicas, percebidas, invertidas, assim: pode-se (comunicar) transmitir? O que se comunica se conhece? O que se conhece existe? São questões marcantes na vida dos profissionais, de pacientes e familiares que se põem em comum, partilham algo, se relacionam umas com as outras, com participação, união e ligação. Provocar a reflexão na busca de respostas a aquele desafio - “Revelar ou não revelar o diagnóstico ao paciente”-, é objetivo específico deste texto, voltado à vida e á dignidade humana. Discutir o direito do paciente saber do seu diagnóstico, para quê? Frente aos desafios do mundo de hoje, que problemáticas de bioéticas e de biodireito podem contribuir para as peculiaridades da revelação do diagnóstico ao fim da vida de pacientes?

1. Biodireito: interface da filosofia com a ciência do direito na busca de respostas à questão ética do “revelar ou não revelar o diagnóstico ao paciente”.

“Coração inteligente busca ciência, a boca dos insensatos derrama loucura”. (Provérbios, 15.14)


Eis o encontro do saber da Filosofia com o do Direito, uma postura dialética frente á Bioética e ao Biodireito. Juntos, expressamos a interface destes novos paradigmas do conhecimento. Com base neles, buscaremos respostas à questão ética do direito à verdade de “revelar ou não revelar o diagnóstico ao paciente” nos dias de hoje. Filósofos, juristas, teólogos e outros profissionais da saúde física e espiritual do doente.

Radical - por sua reflexão em profundidade; rigoroso, por seu método adequado; e de conjunto -, o trabalho do filósofo consiste em refletir sobre as realidades, quaisquer que sejam elas. Descobre seus significados mais profundos. Pensa com arte. Deixa ver. Revela. Mostra. Emite valores envolvidos nas suas diversas dimensões humanas.

A Filosofia, integrada com o Direito, reveste-se de capital importância, na medida em que ambas se relacionam com a Bioética como um novo paradigma (Hottois, 1990) do conhecimento. As tecnologias da inteligência (LEVY,1988), na área biomédica (BERNARD,1998) assinalam a possibilidade de encontrar respostas nessa "revolução terapêutica"que propiciou os grandes avanços farmacêuticos. Pensa-se que, com as novas tecnologias, o pesquisador desenvolve técnicas de diagnósticos e técnicas de manipulação dos dados diagnosticados, abrindo caminho para o domínio da reprodução biológica.

É nesse ambiente que a Bioética nasce como um novo domínio da reflexão e da prática, que toma como seu objeto específico questões humanas na sua dimensão ética, tal como se formulam no âmbito da prática clínica, jurídica ou da investigação científica, e como método próprio o conhecimento de diversos modelos nesses campos do saber (SGRECCIA, 1996) articulados dialeticamente com saberes diferentes (método-relação), mas fortemente entrelaçados.

Nesta perspectiva, pesquisadores jusfilósofos (MARTINS-COSTA, 2000: 230) se envolvem por uma dúvida crucial, como compatibilizar a reflexão ética propiciada pelos novos paradigmas científicos com a racionalidade do utilitarismo comumente atribuído ao regimento jurídico?

Ponderam ainda outros estudiosos e pesquisadores (BARBOSA, 200: 213), assim:


“O Direito não é somente um conjunto de regras, de categorias, de técnicas: ele veicula também um certo número de valores (...). Cabe ao Direito, através da lei, entendida como expressão da vontade da coletividade, definir a ordem social na medida em que dispõe dos meios próprios e adequados para que essa ordem seja respeitada...”.



TÉRCIO SAMPAIO (1977: 9 a 17) entra no debate para entender a Ciência do Direito como um “sistema de conhecimento sobre a realidade jurídica”. Ele capta a “expressão ciência jurídica” com questões especiais altamente discursivas no campo filosófico. Existe uma epistemologia crítica do Direito? Seria este saber apenas “uma ciência normativo-descritiva, que conhece e/ou estabelece normas para o comportamento” humano?

Nesta linha de reflexão dialógica, Sartori (2001: 48-52) avança progressivamente no desafio da interdisciplinaridade do Direito com a Filosofia. E discute, assim:



[...] pode-se definir a Ciência Jurídica como ciência normativa que verifica os fatores que determinam expressamente as condutas em normas. Sob essa orientação, a Ciência Jurídica se aproxima da Ética, ou seja, a primeira examina normas jurídicas e a outra normas morais [...] Seus elementos constitutivos são: ideais de justiça por alcançar, instituições normativas por realizar, ações e reações dos homens frente a esses ideais e instituições [...]

[...] Opondo-se ao Direito positivo, está o Direito Natural que pode ser definido como o pensamento jurídico que concebe a lei (a norma) quando esta esteja de acordo com a justiça. A pretensão do jusnaturalismo é a de conhecer como Direito o que é justo, ou seja, justiça como verdade evidente e demonstrável, dentro de um sistema de valores universais e imutáveis. Decorrente desses preceitos, a função do Direito não é comandar, mas, sim, qualificar as condutas como boas ou más [...]

[...] A velocidade do avanço das ciências da vida e a conseqüente necessidade de uma nova ética exigem uma resposta do Direito, ou seja, uma criação jurídica para positivar, regular e/ou reconhecer os Novos Direitos [...]



Assim, a Bioética e o Biodireito, hoje, se situam entre as duas formas do conhecimento humano: o saber simbólico e o saber científico. Ganham vitalidade como paradigmas da relação entre as ciências e as tecnologias; do saber científico e do saber simbólico em suas recentes descobertas. Esses paradigmas cuidam da dignidade da vida, procurando a convergência amistosa entre estes saberes. Filosofia e Direito integrados com as ciências e tecnologias.

Outro ponto, de importância para as nossas discussões hoje: no estudo e na interpretação dos artigos específicos dos Códigos de Ética dos profissionais, considera-se não a letra fria, morta, mas o seu espírito. O que se exige, basicamente, é a competência técnica, aliada à capacidade ética, o que vale a dizer: competência e honestidade capazes de inspirar a confiança da clientela. Aquela ética profissional, riqueza maior que se pode vislumbrar em sua integral fidelidade, às normas estatutárias dos referidos códigos.

Aqui, nesta reflexão filosófico-epistemológica, ética profissional é “a parte da ética que ensina o homem a agir em sua profissão, tendo em vista os princípios da moral” (ANDRADE FILHO, 2000/2001). Ela é a aplicação geral no campo das atividades profissionais.

Assim, referindo-se a atos praticados no exercício da profissão, os códigos de ética por si não tornam melhores os profissionais, mas representam uma luz e uma pista para seu comportamento. Mais do que ater-se àquilo que é prescrito literalmente, é necessário compreender e viver a razão básica das normas (Maximiano, 1997: 294), gerando alma aos códigos para vivê-los (Sá 1996: 136). Dentro da categoria “ética profissional” podemos colocar várias atitudes valoradas, como a honra, a bondade, a fidelidade, a benevolência, a justiça, entre outras virtudes.

2. Peculiaridades da revelação ou não revelação do diagnóstico ao fim da vida de pacientes.

“Estar em comunicação com os pacientes idosos ao final de vida é estar em comunhão com eles, no acolhimento do poder inimaginável de sua capacidade de comunicação que nem a ausência da fala é capaz de conter”. (Cláudia Burlá & Lígia Py)


A Resolução n. 1.246/88, sobre o Código de Ética Médica, no seu art. 59, registra que é vedado ao médico: “deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta ao mesmo possa provocar-lhe dano, devendo nesse caso, a comunicação ser feita ao seu responsável legal”.

Trata-se do direito de dizer a verdade ao doente e a seus familiares. Essa atuação profissional, no campo do biodireito, segue os princípios éticos da autonomia e de beneficência, aí incluídos os direitos de consentir e ser informado.

Na verdade, estudiosos e pesquisadores dessa área do saber, dentre outros (SARTORI, 2001: 80), demonstram que, para a maioria dos pacientes graves, o conhecimento claro a respeito de seu estado é o melhor que o médico pode oferecer.

Enquanto isso, Bérgamo (2005), Carvalho Fortes(2007) e Cláudia e Ligia(2005:97-106) desenvolvem uma forte reflexão bioética, entendendo que a informação é essencial para que o paciente possa consentir ou recusar; manifestar os benefícios de sua vontade autônoma e evitar os malefícios frente aos objetivos diagnósticos ou terapêuticos.

Com base nos estudos e nas pesquisas dos pensadores, aqui escolhidos nas referências bibliográficas; e percebendo, nos mesmos autores, o “espírito” e não a letra morta dos Códigos de Ética dos profissionais da vida e da saúde, alinham-se alguns tópicos com critérios éticos para uma boa discussão sobre o “revelar ou não revelar o diagnóstico ao paciente”, a seguir.

3. O direito de saber a verdade: critérios éticos de comunicar ou não o diagnóstico ao doente e aos seus familiares

3.1. “Não há como escapar da morte. Seria o mesmo que tentar fugir quando se está cercado por quatro grandes montanhas que tocam o céu. Não como escapar dessas quatro montanhas, que se chamam nascimento, velhice, doença e morte” (Dalai-Lama).

3. 2. “Essa informação, quando se trata de doentes graves ou terminais, deve ser dada num contexto de uma comunicação humana mais ampla e interpessoal, que não se limite a fornecer dados de diagnósticos e de prognósticos da doença. É necessário, antes de tudo, ouvir o doente e somente depois é que se poderá falar-lhe sobre a gravidade da doença. O que o doente – especialmente o moribundo – busca em quem o assiste é a solidariedade e o não ser deixado só, o poder comunicar, o sentir a partilha” (Élio Sgreccia).

3.3. “A certeza de que o médico acompanha o doente, bem como sua disponibilidade pode ser mais importante do que a má notícia em si. Em muitos dos chamados casos difíceis, em que por vezes se “justifica” ocultar a verdade, a falsa compaixão pode produzir maiores danos do que a comunicação sincera da verdade”(Leo Pessini).

3.4. “Fale a sua verdade, seja ela qual for, usando um tom de voz tranqüilo e agradável, liberto de qualquer preconceito ou hostilidade Que o olhar lançado sobre os seus semelhantes esteja repleto de ternura: afinal, é graças a eles que eu vou chegar a Buda”. (Dalai-Lama).

3.5. “O primeiro passo é a escolha do ambiente adequado para a comunicação. Cuidar para que haja privacidade e que o profissional disponha de tempo suficiente para responder a todas as perguntas do paciente e familiares, com capacidade para suportar os silêncios que se fizerem presentes” (Cláudia Burlá & Ligia Py).

3.6. “É quando o profissional tem a oportunidade de ser alguém que acolhe o que vê e sente; que registre o que ouve; que procura captar a expressividade de outrem e que deve silenciar-se para que o outro possa exprimir-se” (idem).


Referências

ANDRADE FILHO, Francisco Antônio de. Bioética e cidadania: Interface da Filosofia com o Direito, in: ARTHUR MAGNO E guerra Silva(Org.). Biodireito e Bioética. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2005).

BERNARD, J. A Bioética [Trad. Paulo Goya]. São Paulo: Santuário, 1994.

BELLINO, F. Fundamentos da Bioética [Trad. Nelson Souza Canaba], Bauru, SP: EDUSC, 1997.

BARBOSA, Heloísa Helena. “Princípios da Bioética e do Biodireito”, in Bioética, REV do Conselho Federal de Medicina, vol. 8, n. 2 (2000): 209-216.

BÉRGAMO, Wandercy. “O direito à verdade ao doente”. In RBB – Revista Brasileira de Bioética, vol.1, n.1, 2005: 75 – 79.

BURLÁ & Py. “Peculiaridades da comunicação ao fim da vida de pacientes idosos”. In: Bioética, REV do Conselho Federal de Medicina, vol. 13 n. 2005: 97 – 106.

CARVALHO FORTES, Paulo Antônio de. “Um olhar bioético sobre as legislações brasileira e francesa relativas aos direitos dos pacientes à informação e ao consentimento.” In: RBB – Revista Brasileira de Boética, vol. 3, n. 1 – 2007:14 – 26.

LEVY, Pierre. As Tecnologias da Inteligência – O Futuro do Pensamento na Era da Informática, trad. Carlos Irineu da Costa, São Paulo: editora 34, 1993.

MARTINS-COSTA, Judith. “A Universidade e a Construção do Biodireito”, in Bioética Revista do Conselho Federal de Medicina, v. 8, n. 2 (2000): 229.

NADER, Paulo. Filosofia do direito. Rio de Janeiro: Florense, 1997.

SARTORI, Giana Lisa Zanardo. Direito e Bioética: O desafio da interdisciplinaridade. Erechim RS: EDIFAPES, 2001

HOTTOIS, G. Novas Tecnologias: o paradigma bioético [Trad. Paula Reis]. Lisboa: Salamandras, 1990.

SEGRE, M. e COHEN, C. Bioética. São Paulo: EDUSP, 1999.

SGRECCIA, E. A verdade ao paciente terminal. In: Manual de Bioétic I – fundamentos e bioética São Paulo: Loyola, 1996: 624 – 631.

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* Comunicação - Mesa Redonda, apresentada no VI Congresso de Alzheimer, Recife – PE, de 13 a 16 de agosto de 2008.

** Francisco Antônio de Andrade Filho é Doutor em Lógica e Filosofia da Ciência, na área de Filosofia Política, pela UNICAMP/SP. Professor Titular, aposentado da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Docente em Filosofia na Faculdade Maurício de Nassau, no curso de Enfermagem(2002-2007). Membro do Comitê de Ética de Pesquisas em seres humanos, do Hospital Oswaldo Cruz – UHOC-UPE. Avaliador do Curso de Filosofia/INEP/MEC. Membro do Grupo de Estudos de Filosofia no Brasil – 1979 até os dias atuais.

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