Ouse saber mais

by Francisco on sábado, 2 de junho de 2007

Resenha
KANT, Immanuel. A religião nos limites da simples razão
Edições 70, LTDA. – Lisboa, Portugal.

Francisco Antônio de Andrade Filho

Identificada com a consciência, a religião da simples razão não tem necessidade de revelação divina. Esta tese básica do iluminismo religioso está presente na obra de Kant: “A religião nos limites da simples razão” (1793), trabalhada em quatro partes, a seguir, resenhada.

Na primeira parte (Kant: 29 - 61), a religião aparece como símbolo da luta entre o bem e o mal. Para isso, o autor faz longas elucubrações do mal na natureza e do mal radical. Bem e mal pertence não à natureza, e sim ato livre e responsável do homem. Ele discute ser o homem agente de seus atos. Pressupõe a razão pura prática, do “ser terrestre dotado de razão (...) fundamento subjetivo do uso de sua liberdade”. Pensante. Livre.

Assim, o mal moral reside só no livre arbítrio, e nunca no objeto que determina. Não está nas leis da natureza, mas na lei moral reconhecida como “ratio cognoscendi” da liberdade, na regra que o arbítrio se dá – a ordem ética. Por isso, escreve o autor: “o mal só pode surgir do mal moral, não dos simples limites de nossa natureza”.

Na segunda parte (63 – 61), penso que Kant fala de Jesus Cristo, dos dogmas cristãos da encarnação e redenção, no contexto da luta entre o bem e o mal. O princípio bom tem que dominar sobre o homem. A Providência, aqui identificada em Cristo, é a personificação do princípio bom, no qual se cumpriu a perfeição moral e para a qual todos os homens devem elevar-se a este ideal.

Mestre dos ensinamentos morais-não de origem divina -, torna a perfeição da moralidade. Nele, a comunidade racional reconhece a si mesma: “mestre de ensinamentos divinos, mas bem propriamente humano”, cuja comunidade ética pode fazer dele um exemplo e não arquétipo, “pois este não pode ser procurado em nenhum outro lugar do que na razão”.

Na terceira parte da obra em apreço (93 – 146), Kant fala de um povo moral de Deus e comunidade política (gemein Wesen). O que é isso? O filósofo alemão defende que o homem deve proteger sua liberdade e tornar possível o triunfo do bem mediante uma sociedade governada pelas leis da virtude. Esta será a sociedade ético-civil – um estudo (Zustand} jurídico-civil “(...) em que se encontram reunidos só leis não coercitivas, isto é, sob simples leis de virtudes”. Seu espaço sacro é a reunião de todos eticamente, numa casa onde todos se sintam bem.

O conceito de uma comunidade ética é de um povo de Deus regido pelas leis éticas que se realiza na forma de uma igreja, de um poder civil e garantido pela intervenção da divina-natureza. Assim, a igreja visível e racional esquematiza a igreja invisível. Cria o poder eclesiástico, mal da religião, coagindo “o ir a ela e a profissão de fé de seus estatutos ou a celebração de seus rituais (que) são tomados do modo pelo qual Deus propriamente quer ser servido”.

Na última parte (146 – 198), Kant fala do verdadeiro e falso culto, religião e sacerdócio. Para ele, a única verdadeira religião é a moral. A religião revelada é imposta e servil. É ilusão. Falso culto. Os “doutores” convertem-se em oficiais ou funcionários, dignitários eclesiásticos que transformam o ministério em império, apresentando-se a si e a todos e a tudo como lei divina, sacrificando a liberdade própria da religião natural. A este culto falso chama de fetichismo, nestes termos:

“O sacerdócio é a constituição de uma igreja em que reina o culto fetichista, isto é, onde, em lugar de princípios morais, são leis estatutárias, regras de fé e observância o que constitui a base e a essência do culto”.


Enquanto isso, o mesmo autor pondera em diálogo com o que se afirma:

“A religião natural enquanto moral [...] é um conceito racional prático puro [...] tem em si um grande requisito da verdadeira igreja, isto é, a universalidade (universalitas vel omnitudo distributiva) – a unanimidade”.


Advertido e censurado por Wöllner, criticado por seus pares, Kant vai em frente, ousando pensar de modo diferente. Sua preocupação central é descobrir essa dimensão inteligível que eleva o mal a um princípio razão. É a partir dele que o fenômeno religioso pode ser pensado. Pode discutir uma resposta à impotência sabida nossa que se abre a uma outra instância, sem que isso torne religioso o conceito que permite tal compreensão.

Esta postura filosófica do mal radical (radikales bose) provoca reações em Schiller, Herder, Goethe e outros pensadores da ilustração. Para eles, Kant não podia perder tempo divagando sobre a natureza má do homem, recuperando a doutrina católica do pecado original, do mito da queda de Adão e Eva.

E você, o que pensa e como vê essa resenha em discussão? Eis um convite: ouse saber mais, lendo, interpretando e criticando mais ainda:

ANDRADE FILHO, F.A. de. Razão e política – ensaios de filosofia moderna (tese de Doutorado). Maceió: EDUFAL, 1994.
ROMANO, Roberto. Kant e a Aufkl¨larung, in Corpo e Cristal: Mar Romântico (63 a 91) Brasiliense, São Paulo, 1982.

 

* É Doutor em Lógica e Filosofia da Ciência, na área de Filosofia Política, pela UNICAMP/SP. Professor Titular, aposentado da Universidade Federal de Alagoas – UFAL. Docente em Filosofia na Faculdade Maurício de Nassau. Membro do Comitê de Ética de Pesquisas seres Humanos no Hospital Oswaldo Cruz –UPE/Recife/PE. Avaliador do curso de Filosofia no INEP/MEC. Membro do Grupo de Estudos de Filosofia no Brasil (Seção UFMG).

Um comentário

Olá professor Feancisco, tudo bem? Mais uma vez entrando neste site, que se torna de grande validade para mim pelo conteúdo da publicação de seus artigos. Lhe admiro não só pelo mestre, inerente em seu ser,más tambem pelo pelo pensador em evolução.
A obra de Kant é bastante rica e notável em conteúdo e intriseca nos dias atuais. Mestre Francisco a sua interpretação teorica a respeito do assunto facilita bastante a interpretação do texto. Lendo este seu artigo,cada vez mais acredito "que o Homem è o Lobo do Homem."Por sua própria natureza e seus próprios atos,dotados de razão.
O Homem não nasce mal ou perverso, mais a intervenção e dinensão social o leva muitas vêzes a caminhos tortuosos, caminho do mal. O próprio noticiário escrito,falado e televisado ingenuamente ou não,apresenta a sociedade um "Bandido Heroi" que enfrenta a policia,através de seu comando e armamentos pesados,bandidos que decretam "Estado de Sitio",bandidos que fogem de Helicoptero de pseudos presidios de segurança maxima,etc,etc e etc. E os moçinhos por onde andam?
A Falta de responsabilidade do Estado com seus cidadãos, gera apradinhamento dos bandidos e traficantes na geração em desenvolvimento aliciando-as para o mundo do mal. È necessário uma politica responsável que invista na educação, na saúde, só assim contradizendo Kant, O BEM IMPERARÁ.

by Lamartine Azuirson on 19 de junho de 2007 às 16:46. #

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