Bento XVI no Brasil: poder magistrado na cidade

by Francisco on quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

Francisco Antônio de Andrade Filho

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil prepara a visita do Papa Bento XVI a este País, prevista para o mês de maio de 2007. Conduz a consciência das ovelhas brasileiras para venerarem esta personalidade. E anuncia elegantemente, curvando-se aos pés do pastor-magistrado na cidade paulista. É o poder eclesiástico, identificado como autoridade divina.

A metáfora do pastor-rebanho já está presente nos textos políticos da antiguidade grega. Mesmo assim, Platão, por exemplo, na noção da divindade, ou do rei, ou do líder, se expressa através desse recurso literário. Fala do mito dos pastores divinos. Discute-o exaustivamente em O Político, considerando problema central para o conhecimento do homem-pastor em sua relação com o Deus-Pastor e com os rebanhos humanos.

É conhecido o diálogo do Estrangeiro com Sócrates, o jovem sobre os pastores divinos. Na divisão e na distinção entre o homem que comanda rebanhos sobre o bordão de gênios divinos e o pastor de homens, Platão revela este contraste do pensamento político grego, ao escrever: “... era o próprio Deus que pastoreava os homens e os dirigia como hoje; os homens (a raça mais divina) pastoreiam as outras raças animais que lhes são inferiores [...] e falamos do pastor que governava o rebanho humano, pastor divino ao invés de humano, o que é uma falta grave”.

É o Deus-Pastor em sua relação com o rebanho, dando-lhe e garantindo uma terra. Exerce o poder sobre ele. Reúne, guia e conduz seu rebanho. Garante a salvação. Toma decisões no interesse de todos. Pois, segundo o mesmo filósofo, “... em se tendo por pastor a divindade, a humanidade não precisava de constituição política”.

Deus providenciava tudo: frutos da terra, moradia, vida. Não era preciso se preocupar com nada. Deus satisfazia suas necessidades materiais. Num segundo momento, Platão diz que é mister “... distinguir o pastor divino, do administrador humano... não confundindo o rei e o tirano, bem distintos entre si, pelas suas maneiras de governa”.

Aqui já não é o pastorado de animais, de preocupação com seu alimento, na proteção de cada um deles. Mas, segundo Foucault, é o rei uma espécie de pastor, do político que forma a unidade da cidade através da “arte real, ter a si os cuidados para com a comunidade humana em seu todo e constituir-se numa arte de governar os homens em geral [...] da arte que se ocupa dos rebanhos humanos que por eles vela e deles cuida”.

À frente da cidade, cabe ao político, se necessário e numa guerra, oferecer sacrifícios, inclusive de sua própria vida imortal. Pois, “um rei não pode reinar se não possuir a dignidade sacerdotal que oferece aos deuses em nosso nome os sacrifícios...”.

Desse pastor-político, decorre a necessidade de que “os chefes seriam possuidores da ciência verdadeira e não de um simulacro de ciência... Enquanto se valerem da ciência e da justiça, a fim de conservá-la...”.

Pouco presente nos grandes textos políticos gregos, a metáfora do rebanho é mais constante nas sociedades orientais antigas. No Egito, por exemplo, se encontram relatos bíblicos do Antigo Testamento, nos livros do Êxodo, Levítico e outros, onde o Faraó, coroado, recebia ritualmente o cajado de pastor, confiando a ele as criaturas do grande pastor divino.

No entanto, foram os hebreus que desenvolveram e intensificaram o tema pastoral, de cuja característica singular, Deus, e Deus somente, é o Pastor de seu povo, o único e exclusivo pastor autêntico. Exceção se faz para Davi, o único homem a ser invocado como pastor para reunir o rebanho, velar por ele, conhecê-lo. Prestar atenção e perscrutar cada um deles. Enquanto isso, qual rei tirano, existem maus e cruéis pastores que dispersam o rebanho, deixam morrer de fome e sede, tosam-no exclusivamente para obter lucro.

Para discutir mais

PLATÃO. O Político, trad. José Cavalcante de Souza et al. in Nova Cultural (Os Pensadores), SP, 1987, p. 217 a 222, passim. Em outros escritos, como Críton, A República e Leis, Platão refere-se frequentemente ao pastor-magistrado, evocando aqueles tempos felizes em que a humanidade era diretamente governada pelos deuses e pastava em pastagens abundantes; insistindo, outras vezes, na virtude necessária ao magistrado, obediente, ele próprio, às leis da nação.

FOUCAULT Michel, “Omnes et Singulatim: Por uma crítica da Razão Política, in Novos Estudos CEBRAP 26 (1990), 84, explica: “[...] Os homens que detêm poder político não desempenham o papel de pastores. Sua missão não consiste em proteger a vida de um grupo de indivíduos. Consiste em formar e garantir a unidade da cidade. Em suma, o problema político é o da relação entre a unidade e a multiplicidade no quadro da cidade e de seus cidadãos. O problema pastoral diz respeito às vidas dos indivíduos”.

Origem e Desenvolvimento da Filosofia numa Perspectiva Histórica: mito, razão e ciência

by Francisco on sábado, 24 de fevereiro de 2007

Francisco Antônio de Andrade Filho

I. O processo do conhecimento: sentir e simbolizar.

Neste tempo de globalização, vivemos um tempo de expectativas, de perplexidades, de crises de concepções e paradigmas. É um momento novo e rico de possibilidades. É uma perspectiva e uma possibilidade do conhecimento filosófico nos dias de hoje em sua relação com a comunicação, educação e outros objetos e pesquisas.

Esse olhar para compreender os diversos saberes humanos constitui um dos desafios para se tematizar um novo tipo de saber: falar, discutir, identificar o "espírito" presente no campo das idéias, dos valores e das práticas da comunicação, entre outros campos, do conhecimento, que os perpassam, marcando o passado, caracterizando o presente e abrindo possibilidades para o futuro.

Que teorias e práticas se fixaram no "ethos" das novas tecnologias da inteligência (Levy, 1993) e criaram raízes éticas, muitas das vezes, excluindo o homem dos benefícios da globalização?

Costuma-se definir nosso tempo como a era do conhecimento e do processo de globalização (ANDRADE FILHO, 2000), das novas tecnologias de comunicação. Elas estocam, de forma prática, o conhecimento e gigantescos volumes de informações. Elas são armazenadas inteligentemente permitindo a pesquisa e o acesso de maneira muito simples, amigável e flexível.

O usuário da internet, por exemplo, não significa apenas receptor de informações. Nela o usuário é, também, emissor de informações – acessar inúmeras bibliotecas em qualquer parte do mundo, também imagens, sons, fatos, vídeos – uma dimensão de tudo, transformando profundamente a forma como a sociedade se organiza e produz conhecimento.

Assim, hoje, vivemos num mundo formado por rápidas e profundas mudanças (Rocha, 1998), num mundo diferente, fruto da revolução tecnológica, do avanço das ciências, da comunicação, da informática, das surpreendentes descobertas no campo da cultura, da política e da economia.

Esse mundo da informática e da comunicação está criando um ambiente mental, afetivo e comportamental bem diferente que as gerações passadas: estreitando relacionamento entre pessoas, povos e culturas, fontes de esperanças para a humanidade. Afetam, sobretudo, a vida do cidadão – a educação em todos os níveis: massificação de uma cultura superficial, violenta, sem ética e imposta pela "mídia", um novo tempo de perversidade –, a do desrespeito à vida e aos direitos humanos.

Esse novo mundo constitui-se um desafio à filosofia que indaga: o que é o ser humano? Que tipo de ser é esse que conhece e age, mudando o meio em que se vive? O que queremos fazer de nós mesmos? Qual o sentida do homem na era tecnocientífica?

Hoje essas questões se colocam à luz dos atos tecnocientíficos. Nesse sentido, o conhecimento do "tempo global" tem priorizado a dimensão tecnológica, em estreita sintonia com as relações de mercado. O saber e o conhecimento no mundo globalizado parecem perder muito de sua função de busca de sentido para a vida, o destino humano e a sociedade – do conhecimento esse não do "sentir e simbolizar" –, para tornar-se "produto comercial de circulação" orientado pelo novo paradigma da aplicabilidade. Os paradigmas da pós-modernidade, que ensejam rotas previstas para o desenho do futuro humano, estão em crise. Por isso, é cedo ainda afirmar-se a prepotência da globalização em seu progresso de ciência e tecnologia.

A nova sociedade globalizada, que prioriza o econômico, contribui ainda para o estreitamento da esfera pública, colocando igualmente em crise o tradicional papel do Estado. A esfera pública, ao se privatizar, coloca em evidência um novo "modelo de cidadania" que não nutre mais dos valores coletivos e, consequentemente, constata-se a emergência de uma nova ética, na qual se valoriza, não mais o humano, mas o que atende aos interesses do mundo econômico.

Por outro lado, podemos pensar outras perspectivas de respostas àquelas questões sobre o conhecer o ser humano. Afirma-se ser o homem (Duarte Júnior, 1981) capaz de modificar o meio não apenas com o uso da tecnologia, por meio de mudanças físicas, mas, básica e fundamentalmente através da "palavra", dos símbolos que cria para interpretar o mundo. Um símbolo constitui um determinado objeto ou sinal "representa algo", que permite-o conhecimento de coisas e eventos não presentes ou, mesmo, inexistentes concretamente.

Desta maneira, o homem cria um sentido para a vida. Indaga acerca de um valor que as coisas têm a respeito de sua significação.

Nesta perspectiva, sob o prisma da "vida com sentido", (PEGORARO, 1999), percebe-se o conhecimento-sentir-simbolizar como uma postura crítica da globalização em sua pretensão de progresso das tecnociências. É neste contexto do sentido ético da vida que convém discutir, engenharia genética, projeto genoma humano, concepção "in vitro", clonagem etc. Neste sentido, sustenta-se, não só a existência humana é mutável e evolutiva, mas também, os princípios éticos. A ética, como a vida é uma contínua descoberta de sentido e de estilos de se viver com dignidade. As verdades éticas absolutas são incompatíveis com o processo temporal da existência, notadamente nesta época de extraordinárias e profundíssimas descobertas no campo das biotecnologias que obrigaram a repensar nossos modos tradicionais de conduta.

Essa discussão na era da atual sociedade tecnológica requer atenção aos apelos desse novo tempo, que se impõe sob o signo da comunicação e da informação. Torna-se necessário (FOR GRAD, 1999) rever as formas de pensar, sentir e atuar sobre essas realidades, que não se apresentam de forma linear, num "continuum" de causa e efeito, mas de modo plural, numa multiplicidade e complexidade inscritas em redes e conexões, ampliando nossa inserção no mundo.

Sob essa perspectiva, constata-se a emergência de uma nova disciplina, chamada de "Bioética", como um novo paradigma da relação entre ciência e tecnologia. É no ambiente marcado por grandes transformações e processos contraditórios que a Bioética parece nascer como novo domínio da reflexão e da prática, que toma como seu objeto específico as questões humanas na sua dimensão ética, tal como se reformulam no âmbito da prática clínica, jurídica ou da investigação científica, e como método próprio o conhecimento de diversos modelos bioéticos articulados dialeticamente com saberes diferentes (método-relação), mas fortemente entrelaçados. Surge, então, como uma convivência possível de um diálogo dos aspectos técnicos e humanísticos, entre a ideologia do progresso – com a degradação da natureza e deteriorização da vida social – , e os interesses da vida humana.

Essa postura desperta em nós algumas questões do conhecimento humano. Indagamos: o que é o conhecimento? O que é a verdade? É possível o conhecimento?

Conhecer é captar o objeto. Nele, a presença de um sujeito conhecedor, que apreende o objeto. Um outro aspecto, o objeto conhecido como exigência da presença do sujeito conhecedor. Nem aquele nem esse é passivo. Sujeito e objeto são ativos no processo do conhecimento. Vamos a uma nova discussão.

Bibliografia

LEVY, Pierre. As Tecnologias da Inteligência – O Futuro do Pensamento na Era da Informática, trad. Carlos Irineu da Costa, São Paulo: editora 34, 1993.

FRANCO, Marcelo Araújo. Ensaios Sobre as Tecnologias Digitais da Inteligência, Campinas, SP: Papirus,1997.

SOARES, Ismar de Oliveira. Sociedade da Informação ou da Comunicação?, São Paulo: Cidade Nova, 1996 (Pensar Mundo Unido).

SÁ, Adísia (org.), Fundamentos Científicos da Comunicação, Petrópolis: Vozes, 1973.

LARA, Tiago Adão. Caminho da Razão no Ocidente – a Filosofia nas Suas Origens Gregas, São Paulo: Vozes, 1998.

ARANHA, Maria Lúcia de Almeida. Filosofando: Introdução à Filosofia, São Paulo: Moderna, 1986.

DUARTE JÙNIOR, João Francisco. Fundamentos Estéticos da Educação, São Paulo: Cortez, 1981.

GUEDES, Enildo Marinho. Curso de Metodologia Científica, Curitiba: HD Livro, 1997.

ANDARY, Maria Amália. Para Compreender a Ciência – Uma Perspectiva Histórica, São Paulo/Rio de Janeiro: EDVC, 1996.

ANDRADE FILHO, Francisco Antônio de. "Filosofia da Globalização", in: http://www.orecado.cjb.net, outubro de 2000.

PEGORARO, Olinto A. "O Que é o Ser Humano", in: A Moralidade dos Atos Científicos, publicação FIOCRUZ, RJ, 1999.

FÓRUM de Pró-Reitores de Graduação das Universidades Brasileiras – FOR GRAD, 1999.

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II. O mito explica o mundo: o homem pode descobrir uma racionalidade do mundo

A fase mítica ou não-filosófica é um conhecer para explicar. Uma resposta poética a uma pergunta lógica. Um conhecer figurado para uma explicação figurada de um fato real. O conhecimento mítico é aquele que se vale de uma linguagem figurada, metafórica, fantasiosa, para explicar a realidade em geral, fatos da existência ou a própria existência. Tem por características, pois, a metáfora, a figura, a fantasia. Daí o mito. O mito surge da necessidade consciente e inconsciente que o homem tem de explicar (ANDERY, 1996) seu meio, seus problemas desconhecidos. Depois da explicação, sente-se dono da situação. Inicia-se a fase do filosofar – conhecer. Apossa-se das realidades, dos fatos, dos objetos.

Então, que vem a ser um mito? Mito é um contexto explicativo, não-lógico (uma loucura!), muitas vezes fantástico, motivado pelo meio físico e humano em que vive a coletividade. Fantasioso, porque apela mais para as forças da imaginação, pouco lógico, porque não tem coerência interna, é contraditório; explicativo, se não tiver por função explicar algum fenômeno, alguma coisa, não é mito. Narrativa que pretende explicar a origem do Cosmos, o mito não é questionado, não é objeto de crítica, mas objeto de crença, de fé. Não se discute, simplesmente submete sua razão à fé.

Além disso, o mito apresenta uma espécie de comunicação de um sentimento coletivo; é transmitido por meio de gerações como forma de explicar o mundo, explicação que não é objeto de discussão; ao contrário, ela une e canaliza as emoções coletivas, tranqüilizando o homem no mundo que o ameaça. É indispensável na vida social, na medida em que fixa modelos da realidade e das atividades humanas.

A força propulsora da faculdade mitogênica (LARA, 1989), ou seja, aquilo que desafia o homem a produzir mitos, é o mistério/adivinhação/oculto, que envolve a vida e o ser. O homem sente-se como que jogado na existência, em meio à multiplicidade de fenômenos, que o desafiam e que ele tem de ordenar ou organizar, significativamente, em função de um viver razoável. Tudo em função da sobrevivência física ou biológica, mas também em função da sobrevivência psicológica e social – o que é próprio do ser humano –, algo transcendente ao processo cósmico e ao processo histórico.

A estrutura do pensar mitológico é, portanto, uma estrutura dualista. Ao mundo real, físico ou social, opõe-se o mundo do sagrado. A função do mito é clara. Fundando a realidade, explicando a existência, fazendo remontar aos deuses e aos heróis a história do grupo e do mundo no qual o grupo vive, o mito passa a marcar todo o dinamismo do grupo. Pensamos que os grupos vivem os seus mitos ou vivem deles.

O mito, em suma, é o pensamento anterior à reflexão mais crítica. Opõe-se ao pensamento racional (ANDERY, 1996), pensar é uma atividade fundamental para o homem. A razão grega opõe-se ao imperfeito, ao ilusório, opõe-se "(...) ao conhecimento imediato dado pelo sentido, à opinião, à rotina, porque ela visa o universal e se acompanha de justificação". O conhecimento – a filosofia –, é função do pensamento objetivo, é conhecimento "que nos faz ultrapassar as aparências e alcançar a realidade". Racional não é só função de conhecimento, aplica-se também à prática, reporta-se à ação. Isto se caracteriza no momento seguinte ao do mito: o filosófico. A reflexão, a meditação ativa e a razão crítica viriam destruir o mundo mítico e elaborar um outro tipo de explicação: a filosófica. É um conhecimento que se problematiza e não simplesmente se crê. Aqui, há discussão, possibilidade de crítica.

Nasce a filosofia. Brotam as exigências da razão com Pitágoras, Parmênides, Heráclito, Empédocles, Anaxágoras, Sócrates, Platão, Aristóteles, e se espalha pelo mundo ocidental, com novas fontes racionais, de um Galileu, Giordano Bruno, Descartes, Espinosa, Montesquieu, Rousseau, Kant, Hegel e outros da modernidade e da contemporaneidade.

A filosofia brota do chão da vida e da história concreta de um povo. Ela cresce e se enriquece. Assume formas e modalidades variadas, a sua unidade dinâmica e dialética. É o mundo grego constituindo, pensado e contado em poemas, discursos, diálogos, mitos.

Dois motivos principais concorreram para levar o homem do pensar mítico ao racional: primeiro, as contradições do pensamento mítico e, em segundo lugar, o fortalecimento da razão, que passou a se exercer em termos mais críticos. "Tudo era um caos até que se ergue a Mente para pôr ordem nas coisas", escrevia Anaxágoras, convencido da força da razão que filosofava.

O homem, então liberto do contato direto com a natureza – de como o homem se relacionou miticamente com o mundo para melhor sanar suas necessidades –, teve oportunidade de desenvolver sua inteligência e de criar confiadamente explicações, não mais baseadas na tradição mítica ou nas forças divinas, como causas eficientes e finais das coisas. Para estas novas explicações, recorreu simplesmente às forças racionais de sua mente. Data o início da Filosofia. Este novo tempo produziu um novo tipo de pensamento filosófico, que se foi formando lentamente em vários pontos da Terra, entre os anos 800 e 500 a.C.

Assim, o conhecimento filosófico inaugura o primado do pensamento humano (GUEDES, 1997). Com ele, o mundo passa a ser bem mais explicado. Discussões coerentes e consistentes. O homem, ser dialogante e comunicante, passa a ser mais exigente com o conhecimento. Houve intensa preocupação com explicações cosmológicas sobre a origem de todas as coisas.

Assim, para o filósofo Tales (625-548 a.C.), a origem da vida estava na água; para Anaxímenes (585-528 a.C.), estava no ar. Segundo Heráclito (540-470 a.C.), o ser está no "vir-a-ser" ou no devir. O ser está a cada momento se modificando. Para Pitágoras (580-497 a.C.), "o número é o fundamento de todas as coisas (...) E, de fato, tudo o que se conhece tem número. Pois é impossível pensar ou conhecer algumas coisas sem aquele", afirmava ele.

Platão (426-348 a.C.) filosofava: "Pensamento e discurso são, pois, a mesma coisa, salvo que é ao diálogo interior da alma consigo mesma que chamamos pensamento". E Aristóteles (348-322 a.C.) dizia: "É, pois, manifesto que a ciência a adquirir é a das causas primeiras, pois dizemos que conhecemos cada coisa somente quando julgamos conhecer a sua primeira causa".

Pelo exposto, aqui resumido e reescrito das aulas expositivas, concebe-se a filosofia como um modo de pensar, uma postura diante do mundo, voltada para qualquer objeto: pode pensar a ciência, seus valores, seus métodos, seus mitos, a religião, a arte, o homem, a tecnologia, a vida, as pessoas, culturas, mundo. Os filósofos indagam sobre as realidades de sua época, fizeram surgir novas possibilidades, comportamento e relação social.

O trabalho do filósofo, então, é refletir sobre as realidades, quaisquer que sejam elas, "descobrindo" seus significados mais profundos. Refletir é pensar com arte, considerar cuidadosamente o que já foi pensado. Deixa ver. Revela. Mostra. Emite valores envolvidos nas suas diversas dimensões humanas. Características do conhecimento filosófico: radical, por sua reflexão em profundidade; rigoroso, por seu método adequado; e de conjunto, não isolado, mas em relação com a totalidade. Integrado com outras ciências.

Bibliografia

ANDERY, Maria Amália (org.) Para compreender a ciência – uma perspectiva histórica. São Paulo/Rio de Janeiro: EDUC, 1996.

LARA, Tiago Adão. Caminhos da razão no ocidente – a filosofia nas suas origens gregas. São Paulo: Vozes, 1989.

GUEDES, Enildo Marinho. Curso de Metodologia Científica. Curitiba: HD Livros, 1997.

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III. O Conhecimento como ato de iluminação divina em Santo Agostinho (354-430)

Santo Agostinho representa uma tentativa de discussão dos fundamentos da religião cristã com base na Filosofia Platônica. Pode-se notar nele inspirações platônicas, por exemplo, na teoria platônica do conhecimento.

Vamos às fontes. Em "De Magistro", Agostinho pensa que existe uma luz interior que é a verdadeira fonte da verdade, e os objetos sensíveis, bem como as palavras, são ocasiões para que se manifeste tal iluminação. Isso significa que a verdade, enquanto forma de perfeição, deriva da própria PERFEIÇÃO DE DEUS – embora possa se manifestar pela via das coisas imperfeitas.

Nos capítulos XI e XII dessa obra, aqui referida, afirma que não aprendemos pelas palavras que repercutem exteriormente, mas pela verdade que ensina interiormente (XI). Cristo é a verdade que ensina interiormente (XII).

Lendo e interpretando Platão, Agostinho suscitou vários problemas de cunho filosófico, entre outros: o que a fé cristã diz do tempo histórico? Teologia ou Filosofia da História? Qual a relação entre fé e política? Entre fé e poder?

Para tratar deste confronto entre fé e história, entre fé e poder político, Santo Agostinho escreveu sua obra clássica, de maior influência "De Civitas DEI",("A cidade de Deus"). É uma interpretação do mundo à luz da fé cristã. Trata-se da primeira Teologia e Filosofia da História. Para ele, a história humana é a história da salvação dos homens. O fenômeno histórico do Cristianismo dispõe certamente de instituições e ritos, é ordem e repressão, tem império e poder, mas tudo isto a serviço da economia da salvação.

Alguns destaques para discussão, em Santo Agostinho:

"Acontece por isso que, não obstante a enorme variedade dos povos, espalhados por toda terra, com religiões e costumes tão diversos, diferentes pela multiplicidade das línguas, das armas e dos vestidos, apenas existem duas espécies de sociedades humanas, ou para lhes chamar como na Sagrada Escritura, duas cidades. Uma é constituída pelos homens que querem viver segundo a carne, a outra pelos que querem viver segundo o espírito, cada uma delas na sua paz própria, paz que conseguem quando obtêm aquilo que desejam."
Santo Agostinho, Confissões, XII

"No que diz respeito a todas as coisas que compreendemos, não consultamos a voz de quem fala, a qual soa por fora, mas a verdade que dentro de nós preside à própria mente, incitados talvez pelas palavras a consultá-la."
Santo Agostinho, Confissões, XI

" Vemos o homem, criado a Vossa imagem e semelhança, constituído em dignidade acima de todos os viventes irracionais, por causa de vossa mesma imagem e semelhança, isto é, por virtude da razão e da inteligência"
Santo Agostinho, Confissões, XIII

"(...) coisas que percebemos pela mente, isto é, através do intelecto e da razão, estamos falando ainda em coisas que vemos como presentes naquela luz interior de verdade, pela qual é iluminado e de que frui o homem interior (...)."
Santo Agostinho, De Magistro, XII

Bibliografia

SANTO Agostinho. "De Magistro". In: Santo Agostinho, São Paulo: Abril Cultural, 1973, Coleção Os Pensadores.

______________. Confissões. In: Santo Agostinho, São Paulo: Abril Cultural, 1973, Coleção Os Pensadores.