Relação entre trabalho e educação

by Francisco on terça-feira, 30 de janeiro de 2007

Francisco Antônio de Andrade Filho

O trabalho constitui-se um fenômeno básico para se compreender a educação. Há uma íntima relação entre o trabalho e a educação. Vamos à discussão.

Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 10 de dezembro de 1948, lemos: "Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do seu trabalho, à condições justas e satisfatórias e à proteção contra o desemprego" (art. XXIII, 1).

E indagamos: qual a relação entre educação e trabalho? É possível pensar-se o trabalho como expressão fundante do homem – ser ético e de direitos à vida?

É no próprio homem que, em seu ato fundamental do trabalho, potencializa o caminho da humanização. Sabe-se que o trabalho é considerado, aqui, como ação transformadora das realidades, numa resposta aos desafios da natureza, relação dialética entre teoria e prática. Percebe-se que, pelo trabalho, o homem se auto-produz, alterando sua visão de mundo e de si mesmo: do mundo cultural-educativo, do mundo econômico, político, social, com perspectivas éticas e com direitos econômicos da humanização, como prática do capital global. Com o trabalho o homem se afirma e se nega. Aliena-se e liberta-se. Segundo Dermeval Saviani (1994), percebe-se que "a educação coincide com a própria existência humana (...) as origens da educação se confundem com as origens do próprio homem. À medida em que determinado ser natural se destaca da natureza e é obrigado, para existir, a produzir sua própria vida, é que ele se constitui propriamente enquanto homem (...) O ato de agir sobre a natureza, adaptado-a às necessidades humanas, é o que conhecemos pelo nome de trabalho. Por isto, podemos dizer que o trabalho define a essência humana. Portanto, o homem, para continuar existindo, precisa estar continuamente produzindo sua própria existência através do trabalho. Isto faz com que a vida do homem seja determinada pelo modo como ele produz sua existência".

Com efeito, o homem compreende o mundo, quando o transforma pelo trabalho, descobrindo outro sentido do curso histórico: o reino da liberdade só será efetivo quando a natureza for humanizada pelo trabalho, quando o reconhecimento das consciências realizar-se pela mediação da obra comum, vale dizer, do outro, que suprime a relação Senhor-Escravo. Com isso, abre-se o caminho à consciência da liberdade.

Limitado e condicionado, o homem é um ser de necessidades. Não pode prescindir da natureza sob pena de não existir como relação real. "Um ser não objetivo é um não ser", afirma Marx, pois, "são objetos das necessidades dele, objetos essenciais e indispensáveis para o exercício de suas faculdades". Um desaparece sem o outro, em determinado momento. E mantém distância um do outro, sem deixar de existir, quando o homem, a partir da base natural, torna-se um ser social mediante o trabalho.

Esse processo natural criou o homem. Com seu trabalho, objetivando-se e propondo conscientemente fins a serem atingidos, este mesmo homem se distancia cada vez da própria natureza e, confrontado com ela, "como uma força natural", se aproxima ainda mais de sua especificidade como "ser humano-genérico", ser universal, ser social. Identifica-se com seu modo de ser ou de fazer o homem.

Por esse processo de trabalho, então, o homem se defronta com a matéria da natureza, dotada de leis próprias, sobre as quais o trabalhador age para assimilar utilmente à sua vida as matérias oferecidas pela natureza. Por sua capacidade de conhecer, a domina e apreende suas leis para modificá-las. Neste apropriar-se do mundo natural, cria "a sua própria vida material", condição fundamental de toda história. Trabalha. Transforma a natureza em objetos para ele e para o outro. Faz história. Torna o trabalho auto-criação humana. Manifesta sua primeira dimensão de liberdade como autodeterminação, como potencialidade de se libertar das limitações que até então lhe impunha a natureza.

Por um lado, o trabalho torna-se, portanto, uma expressão contraditória, uma antinomia, uma contraposição, nas palavras de Marx e Engels, n’A Ideologia Alemã, "privação, choupanas, fealdade e cretinice", degradação, pobreza e sofrimento para os trabalhadores estranhados. Enquanto isso, "maravilhas, palácios, beleza e inteligência", riqueza, gozo e satisfação para os capitalistas, também alheios de seu produto.

Por outro lado, superadas as barreiras sociais, a atividade humana – trabalho como uma especificidade da prática educativa -, se apresenta como humanização da natureza e processo de emancipação de uma sociedade. O homem encontra aqui a sua liberdade.

No entanto, segundo Marx, n’A Ideologia Alemã, não se pode pensar, então, um projeto de emancipação humana desligado da realidade, "de que não é possível conseguir uma libertação real a não ser no mundo real e com meios reais", nem libertar o homem enquanto ele não desfrutar do trabalho como desenvolvimento de "suas forças físicas e espirituais", enquanto não controlar o processo social em suas relações reais de existência, entabulando relações práticas com a produção de bens coletivos, sejam materiais, sejam espirituais, de relações sociais entre homens e não relações entre mercadorias, entre coisas; e em benefício de todos.

Trabalho e globalização! Trabalho na mundialização do capital. É possível trabalhar novas perspectivas de racionalidades éticas e direitos humanos no capital global, gerando desenvolvimento com desemprego, sem trabalho, sem teto, sem terra, sem dinheiro, sem comida, sem educação, sem vida? Conhecemos realmente, a fundo, essa globalização de uma ética camuflada do capital, de seu crescimento econômico com a exclusão de 35 milhões de pessoas humanas que estão abaixo da linha de pobreza?

O conhecimento do processo histórico, enquanto totalidade social, no conjunto das relações de produção como "base real", constitui-se o elemento fundamental para se apreender dialeticamente as formas de consciência que dela se desprendem. É o modo de vida material que condiciona o processo de vida social, política e espiritual. Não "é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, inversamente, o seu ser social que determina a sua consciência" (Karl Marx: t.I: 530-531). É a partir do ser social que vamos entender os processos sociais da globalização capitalista numa perspectiva do trabalho humano (ANDRADE, 1999: 73).

Suporte bibliográfico

ANDRADE FILHO, Francisco Antônio de. Trabalho – a expressão fundante da humanização. in: Symposium (rev.), ano 3, número especial, jun./99, p. 73-81.

SAVIANI, Demerval. O Trabalho como Princípio Educativo Frente às Novas Tecnologias. in: FERRETTI, Celso João et al. Novas Tecnologias, Trabalho e Educação: um debate multidisciplinar. Petrópolis: Vozes, 1994.

5 comentários

O Prof. Francisco Antônio escreve com a maestria e competência que lhe são naturais. Parabéns pelos belíssimos textos e pelo website. Gostaria de sugerir que fosse disponibilizado um link para que pudéssemos enviar para outros email convites para visitar "o recado" em textos (páginas) específicas e que houvesse um ambiente de discussão sobre os diversos assuntos aqui disponibilizados.
Parabéns pela iniciativa e no grande feito.

by Roberto Medina on 5 de março de 2007 às 08:24. #

Prezado colega professor Roberto Medina,
Fiquei feliz por você ter emitido juízos de valores sobre o conteúdo de nosso site. Gentileza de sua parte. Quanto às sugestões, eu as considero bastante válidas. No entanto - peço vênia -, no momento não é possível implantá-las, mas ficará anotada a idéia pra um momento oportuno.

by Francisco Andrade on 6 de março de 2007 às 11:59. #

Olá Prof. Francisco Andrade,
encontrei em seu texto as respostas que eu precisava, esclarecendo-me de dúvidas e podendo entender melhor o conteúdo. Vou indicar esse website para os meus colegas. Parabéns pelo seu trabalho, ele é ótimo e muito claro, de fácil entendimento. Obrigado por compartilhar o seu conhecimento.

by Lino César on 12 de março de 2011 às 11:12. #

Bom dia ,Prof seu trabalho é fantástico e contribuiu imensamente para minha pesquisa, além de esclarecer conceitos utiliza linguagem simples ,clara e de fácil compreensão.Consultarei os dados bibliográficos para enriquecer meu artigo.Obrigada por socializar seu texto.

by Maria de Fátima da Silva Santos on 10 de setembro de 2011 às 07:07. #

Fiquei deveras motivado e feliz com seu comentário. Bom proveito e muito sucesso em seus trabalhos. Conte comigo.Obrigado pela visita ao meu sítio. Favor divulgá-lo entre seus amigos e amigas.

Com abraços e consideração

Francisco Andrade

by Francisco Andrade on 10 de setembro de 2011 às 18:05. #

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