Crítica de Montesquieu à corrupção do poder político

by Francisco on domingo, 16 de outubro de 2005

Francisco Antônio de Andrade Filho
Cristian Charles Oliveira de Holanda

É na obra O Espírito das Leis que o filósofo MONTESQUIEU (1689-1755) classifica o governo em república, monarquia e despotismo, associando a cada um deles um princípio norteador: a virtude, a honra e o medo, respectivamente.

Percebe-se, então, que as leis devem relacionar-se com os princípios de cada governo. Logo, esse pensador francês procura demonstrar que a corrupção de cada governo se inicia, geralmente, quando se macula os princípios. Dessa forma, esse clássico francês leva-nos a refletir sobre um dos aspectos mais antigos e contundentes de todos os tempos: a corrupção como resultado social e político.

Com efeito, Montesquieu verifica que uma simples conduta ou comportamento negativo da autoridade pública produz na mentalidade do povo um descrédito sobre as instituições e dirigentes governamentais. Argumenta Montesquieu, “corrupção de cada governo começa quase sempre pela dos princípios [1]”.

Nesse sentido, há corrupção na democracia quando há excessos de igualdade ou desigualdade. Então, o povo passa a não mais respeitar o próprio poder que escolheu e perde o sentimento de virtude política, contribuindo assim para o enfraquecimento das instituições políticas e sociais. Nessa ótica, nos ensina aquele pensador:

“corrompe-se o espírito da democracia não somente quando se perde o espírito de igualdade, mais ainda quando se quer levar o espírito de igualdade ao extremo, procurando cada um ser igual aquele que escolheu para comandá-lo. Então, o povo não podendo suportar o próprio poder que escolheu, quer fazer tudo por si só: deliberar pelo senado, executar pelos magistrados e discutir todos os juízos [2]”.

Vê-se que não há condições de existir virtude na república se não existir o amor pela pátria e o respeito ao dinheiro público. Escreve ainda Montesquieu:

“ninguém deverá se espantar se votos forem comprados a dinheiro. Não se pode dar muito ao povo sem retirar dele ainda mais; porém para retirar dele é necessário subverter o Estado. Quanto mais o povo pensa aproveitar de sua liberdade, mais se aproximará do momento em que deve perdê-la. Cria pequenos tiranos que possuem todos os vícios de um só. Em breve, o que resta da liberdade torna-se insuportável: surge um único tirano; o povo perde tudo, até mesmo as vantagens [3]”.

Ora, o fato é que quando a corrupção toma proporções gigantesca, o povo passa a perder valores como a virtude e a liberdade.

Desse modo, o mesmo nos alerta, “a democracia deve, portanto, evitar dois excessos: o espírito de desigualdade, que a conduz à aristocracia e ao governo de um só; e o espírito de igualdade extrema, que a conduz ao despotismo de um só (...) [4].”

Logo, percebemos que tamanha é a diferença entre o espírito de igualdade extrema e o verdadeiro espírito de igualdade, alicerçado no respeito e admiração por seus iguais, afinal, “no seu estado natural, os homens nascem numa verdadeira igualdade, mas não podem permanecer nela. A sociedade faz com que a percam e apenas retornem à igualdade pelas leis [5].”

Assim sendo, Montesquieu recorre à lei como instrumento de poder relacionada aos princípios para corrigir os excessos existentes dentro da sociedade.

Por outro lado, numa monarquia ocorre o fenômeno da corrupção, quando o príncipe não zela pela sua condição de governante e trai o interesse coletivo de seus súditos; pois como bem atesta o autor de O Espírito das Leis:

“ a monarquia arruina-se quando um príncipe crê que mostra mais seu poderio transformando a ordem das coisas do que a seguindo, quando suprime as funções naturais de uns para outorgá-la arbitrariamente a outros, e quando aprecia mais caprichos que suas vontades [6].”

Percebe-se, claramente, que o princípio da monarquia corrompe-se na medida em que as honrarias predominam na corte em detrimento da honra.

Por fim, ele concebe o despotismo como um governo de natureza viciada, senão vejamos:

“o princípio do governo despótico corrompe-se sem cessar, porque é corrompido por sua natureza. Os outros governos perecem porque acidentes particulares violam seus princípios; este perece por seu vício interior quando causas acidentais não impedem seu princípio de se corromper. Ele só se mantém, portanto, quando circunstâncias provenientes do clima, da religião, da situação ou do temperamento do povo forçam-no a seguir alguma ordem e a subverter-se a alguma regra [7]”.

Penso poder dizer que o enciclopedista francês, autor da célebre teoria da tripartição das funções, partiu do princípio de que o poder corrompe e se o mesmo não for controlado acarreta em tirania. Penso, pois, que esse poder pode estar condicionado a Ordens Constitucionais que impõem limites ao exercício do poder. Esse, O Espírito das Leis relacionado com os seus princípios, do contrário reinará a corrupção.

Portanto, parece-me cada vez mais claro que Montesquieu, utilizando-se de uma linguagem crítica e descritiva orientada à sociedade da época, desmascara de forma convincente a decadência das instituições políticas e jurídicas, e assim, produz um saber filosófico questionador do poder do século XVIII.


Notas

1. MONTESQUIEU, E.L. , VIII, p. 145.
2. Idem, ibid.
3. Idem, p. 146.
4. Idem, ibid.
5. Idem, p.147.
6. Idem, p.149.
7. Idem, p.150.


Bibliografia consultada

MONTESQUIEU, Charles de Louis de Secondat, Baron de la Brède et de. (1689 – 1755). Do espírito das leis, São Paulo: Abril cultural, 1988.


*Originalmente, esta temática foi apresentada em 27 de Novembro de 1996 na II Semana de Direito da UFAL, e na II Semana de Filosofia, em 17 de dezembro de 1996.

** Francisco Antônio de Andrade Filho é Doutor em Lógica e Filosofia da Ciência, na área de Filosofia Política, pela UNICAMP/SP. Docente em Filosofia na Faculdade Maurício de Nassau.

*** Cristian Charles Oliveira de Holanda foi acadêmico de DIREITO e bolsista do CNPq / PIBIC/ DIREITO / UFAL, sob orientação do Prof. Dr. Francisco Antônio de Andrade Filho.

14 comentários

Muito importante sua pesquisa e muito auxiliou-me na realização de trabalhos no meu curso de Geografia

by Vera Maria on 18 de maio de 2006 às 13:09. #

Interessante acompanhar esta pesquisa. De muito me serviu!

by Anonymous on 18 de maio de 2006 às 13:11. #

Só tenho à agradecer uma iniciativa como esta, de deixar fontes para estudantes como eu,possam encontrar diferentes opiniões relativas à tão importante obra filósofica.Jomar Goncho Junior. Estudante de direito.UNIGUAÇU. União da Vitória PR

by Anonymous on 30 de maio de 2006 às 13:17. #

Parabéns pelo seu trabalho.

Cordialmente,

Dartagnan Zanela
http://dartagnanzanela.ubbihp.com.br

by Zanela on 15 de junho de 2006 às 07:45. #

quantos artigos interessantes!Muito tem me ajudado nas realizações dos trabalhos na faculdade.

by Neide sales on 15 de junho de 2006 às 18:36. #

O poder politico de um só é correto quando vem Natural de { Deus} o probrema que os esperto sabem Usurpar

by Anonymous on 16 de julho de 2006 às 12:12. #

Eu leigo em Filosofia e Direito mas, com paixão tendenciosa para direito inicio a leitura de "Do Espirito das Leis" por puro laser e, sem conhecer Montesquieu me deparo com tão valioso e exclarecedor suporte diatico com isso só tenho que agradecer

Muito Obrigado


Marcos A. Santos

Praia Grande -- SP

by Anonymous on 23 de julho de 2006 às 18:22. #

Parabéns pelo artigo, muito pertinente em época de eleição. Mostra que Montesquieu continua atual até hoje.

by Anonymous on 22 de agosto de 2006 às 04:53. #

Parabéns, voce compartilha com outros a sua facilidade de captar a idéia de uma obra.

by carmen on 23 de agosto de 2006 às 07:26. #

Gostei muito de seu trabalho, parabéns. eli me ajudou a conpreender melhor esse grande filosofo.

by Silva Lima on 13 de setembro de 2006 às 10:57. #

Oi Francisco,

Gostei muito de seu trabalho,sobre o livro de Montesquieu,me ajudou muito em um trabalho que estou fazendo,uma resenha do livro o Espírito das Leis.agradeço à vc por deixar fontes de trabalho como essa para estudantes como eu,ajudou-me muito no meu raciocínio.Parabéns!!!
Estudante de Direito.

by Marineiva Gomes Santos on 28 de setembro de 2006 às 05:31. #

Muito bom!

by Caio Augusto on 6 de maio de 2009 às 13:52. #

muito obrigado pelo artigo ,que me ajudou a entender melhoresta obra que tivemos pouco tempo para ler ,curso filosofia em boa vista Roraima. e ja admiro muito este filosofo que no seu tempo ja tinha uma visao muito clara sobre a corupcao . valeu michelle de araujo lima

by michelle araujo on 9 de setembro de 2009 às 08:34. #

Muito util !

by Gabrielly Cavalcante on 31 de maio de 2010 às 09:32. #

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