Maquiavel: o Mestre da Política

by Francisco on domingo, 16 de outubro de 2005

José Luiz Ames

Nicolau Maquiavel viveu em Florença, Itália, de 1469 a 1527. Aos 29 anos tornou-se Secretário da República de Florença permanecendo no cargo por 14 anos (1498-1512). Durante este período, representou sua pátria em mais de vinte missões diplomáticas. Foi graças a estas missões que conheceu na intimidade o funcionamento das grandes potências e entendeu a lógica da ação política. Maquiavel imaginava-se um funcionário público exemplar. Quando a oposição derrubou o governo popular de Pedro Soderini, ao qual ele prestara seus serviços, nem de longe imaginava que pudesse perder o seu posto. Não foi isso, porém, o que o destino lhe reservou.

A família Medici, poderosos banqueiros italianos, comandou o Estado de Florença de 1434 até 1494. Neste ano Carlos VIII, rei da França, invadiu a Itália. Pedro de Médici, filho de Lourenço, o Magnífico, implorou ao rei que o poupasse. Revoltada, a população de Florença expulsou o covarde Médici e o poder caiu nas mãos da oposição liderada pelo frei Gerônimo Savonarola. Em 1498 o frei foi condenado e morto em praça pública e essa mudança de poder possibilitou o acesso de Maquiavel ao cargo de Secretário da segunda Chancelaria (espécie de Ministro do Interior). No final do ano de 1512, a Espanha invadiu a Itália e derrubou o governo popular de Soderini. Graças a isso, a família Médici retornou ao poder até 1527, quando os republicanos o retomaram, mas por pouco tempo. Em 1530, novo golpe devolveu o poder aos Medici, que mantiveram o controle de Florença até o século XIX.

Em 1512, com ascensão dos Medici, Maquiavel, por ter trabalhado no governo de um grupo político adversário desta família, foi demitido de todos os seus cargos, multado, proibido de entrar no Palácio do Governo e de deixar a cidade. Não bastasse tudo isso, foi acusado de conspiração, preso e torturado. Posteriormente, foi libertado graças a uma anistia geral promovida pelo governo da cidade em homenagem à eleição do cardeal Giovanni Médici ao papado (Leão X).

Mesmo nesta situação infeliz, Maquiavel sonhava retornar ao seu antigo posto. Pensava que tudo o que lhe acontecera fora fruto de mal-entendidos, típicos dos períodos de turbulência. Retirado em sua propriedade rural, começou a escrever uma obra na qual pretendia resumir sua experiência de embaixador e conselheiro, iluminando-a com a leitura dos clássicos da política. O objetivo era apresentá-la ao jovem Lourenço Medici, chefe do Estado de Florença. Imaginava Maquiavel que este governante perceberia de imediato quanta sabedoria estava guardada com o fiel funcionário e o chamaria de imediato para reocupar seu posto. Quando a obra foi enfim oferecida ao chefe da cidade, a frustração: sequer mereceu um olhar, muito menos um comentário ou um convite!

Esta é a origem desse livro tão popular, “O Príncipe”. Desiludido em relação às pretensões de retornar ao cargo na República de Florença, Maquiavel começou a escrever. Sua passagem à história da literatura mundial deveu-se à frustração de seu projeto pessoal de ser um dedicado funcionário público! Perdeu, certamente, Florença ao não readmiti-lo no serviço. Contudo, ganhou a humanidade. A morte de seu projeto pessoal de ser conselheiro deu nascimento a um lúcido e penetrante observador da cena política e do cotidiano do Renascimento. Como todos os grandes nomes, morreu pobre e ignorado em junho de 1527. Por pouco tempo ficou esquecido. Nenhum dos grandes escritores que o seguiram deixou de ler sua obra. Estadistas e oportunistas até hoje se utilizam dela.

Nossas reflexões sobre Maquiavel terão como guia o livrinho cuja origem acima descrevemos. “O Príncipe” inspirará a nossa reflexão no sentido de compreendermos melhor o cotidiano de nossa política atual e descobrirmos a alma do político. Maquiavel examinou a política com a mesma frieza com que um jogador de xadrez olha o tabuleiro. O enxadrista não inventou as regras que comandam o jogo. Ele apenas as observa e segue com o único objetivo de ganhar a partida. Maquiavel olhou a cena política com igual neutralidade: descreveu como os políticos se comportam no poder para assegurar o Estado.

* José Luiz Ames é doutor em Filosofia e professor da UNIOESTE/Campus de Toledo.

Crítica de Montesquieu à corrupção do poder político

by Francisco

Francisco Antônio de Andrade Filho
Cristian Charles Oliveira de Holanda

É na obra O Espírito das Leis que o filósofo MONTESQUIEU (1689-1755) classifica o governo em república, monarquia e despotismo, associando a cada um deles um princípio norteador: a virtude, a honra e o medo, respectivamente.

Percebe-se, então, que as leis devem relacionar-se com os princípios de cada governo. Logo, esse pensador francês procura demonstrar que a corrupção de cada governo se inicia, geralmente, quando se macula os princípios. Dessa forma, esse clássico francês leva-nos a refletir sobre um dos aspectos mais antigos e contundentes de todos os tempos: a corrupção como resultado social e político.

Com efeito, Montesquieu verifica que uma simples conduta ou comportamento negativo da autoridade pública produz na mentalidade do povo um descrédito sobre as instituições e dirigentes governamentais. Argumenta Montesquieu, “corrupção de cada governo começa quase sempre pela dos princípios [1]”.

Nesse sentido, há corrupção na democracia quando há excessos de igualdade ou desigualdade. Então, o povo passa a não mais respeitar o próprio poder que escolheu e perde o sentimento de virtude política, contribuindo assim para o enfraquecimento das instituições políticas e sociais. Nessa ótica, nos ensina aquele pensador:

“corrompe-se o espírito da democracia não somente quando se perde o espírito de igualdade, mais ainda quando se quer levar o espírito de igualdade ao extremo, procurando cada um ser igual aquele que escolheu para comandá-lo. Então, o povo não podendo suportar o próprio poder que escolheu, quer fazer tudo por si só: deliberar pelo senado, executar pelos magistrados e discutir todos os juízos [2]”.

Vê-se que não há condições de existir virtude na república se não existir o amor pela pátria e o respeito ao dinheiro público. Escreve ainda Montesquieu:

“ninguém deverá se espantar se votos forem comprados a dinheiro. Não se pode dar muito ao povo sem retirar dele ainda mais; porém para retirar dele é necessário subverter o Estado. Quanto mais o povo pensa aproveitar de sua liberdade, mais se aproximará do momento em que deve perdê-la. Cria pequenos tiranos que possuem todos os vícios de um só. Em breve, o que resta da liberdade torna-se insuportável: surge um único tirano; o povo perde tudo, até mesmo as vantagens [3]”.

Ora, o fato é que quando a corrupção toma proporções gigantesca, o povo passa a perder valores como a virtude e a liberdade.

Desse modo, o mesmo nos alerta, “a democracia deve, portanto, evitar dois excessos: o espírito de desigualdade, que a conduz à aristocracia e ao governo de um só; e o espírito de igualdade extrema, que a conduz ao despotismo de um só (...) [4].”

Logo, percebemos que tamanha é a diferença entre o espírito de igualdade extrema e o verdadeiro espírito de igualdade, alicerçado no respeito e admiração por seus iguais, afinal, “no seu estado natural, os homens nascem numa verdadeira igualdade, mas não podem permanecer nela. A sociedade faz com que a percam e apenas retornem à igualdade pelas leis [5].”

Assim sendo, Montesquieu recorre à lei como instrumento de poder relacionada aos princípios para corrigir os excessos existentes dentro da sociedade.

Por outro lado, numa monarquia ocorre o fenômeno da corrupção, quando o príncipe não zela pela sua condição de governante e trai o interesse coletivo de seus súditos; pois como bem atesta o autor de O Espírito das Leis:

“ a monarquia arruina-se quando um príncipe crê que mostra mais seu poderio transformando a ordem das coisas do que a seguindo, quando suprime as funções naturais de uns para outorgá-la arbitrariamente a outros, e quando aprecia mais caprichos que suas vontades [6].”

Percebe-se, claramente, que o princípio da monarquia corrompe-se na medida em que as honrarias predominam na corte em detrimento da honra.

Por fim, ele concebe o despotismo como um governo de natureza viciada, senão vejamos:

“o princípio do governo despótico corrompe-se sem cessar, porque é corrompido por sua natureza. Os outros governos perecem porque acidentes particulares violam seus princípios; este perece por seu vício interior quando causas acidentais não impedem seu princípio de se corromper. Ele só se mantém, portanto, quando circunstâncias provenientes do clima, da religião, da situação ou do temperamento do povo forçam-no a seguir alguma ordem e a subverter-se a alguma regra [7]”.

Penso poder dizer que o enciclopedista francês, autor da célebre teoria da tripartição das funções, partiu do princípio de que o poder corrompe e se o mesmo não for controlado acarreta em tirania. Penso, pois, que esse poder pode estar condicionado a Ordens Constitucionais que impõem limites ao exercício do poder. Esse, O Espírito das Leis relacionado com os seus princípios, do contrário reinará a corrupção.

Portanto, parece-me cada vez mais claro que Montesquieu, utilizando-se de uma linguagem crítica e descritiva orientada à sociedade da época, desmascara de forma convincente a decadência das instituições políticas e jurídicas, e assim, produz um saber filosófico questionador do poder do século XVIII.


Notas

1. MONTESQUIEU, E.L. , VIII, p. 145.
2. Idem, ibid.
3. Idem, p. 146.
4. Idem, ibid.
5. Idem, p.147.
6. Idem, p.149.
7. Idem, p.150.


Bibliografia consultada

MONTESQUIEU, Charles de Louis de Secondat, Baron de la Brède et de. (1689 – 1755). Do espírito das leis, São Paulo: Abril cultural, 1988.


*Originalmente, esta temática foi apresentada em 27 de Novembro de 1996 na II Semana de Direito da UFAL, e na II Semana de Filosofia, em 17 de dezembro de 1996.

** Francisco Antônio de Andrade Filho é Doutor em Lógica e Filosofia da Ciência, na área de Filosofia Política, pela UNICAMP/SP. Docente em Filosofia na Faculdade Maurício de Nassau.

*** Cristian Charles Oliveira de Holanda foi acadêmico de DIREITO e bolsista do CNPq / PIBIC/ DIREITO / UFAL, sob orientação do Prof. Dr. Francisco Antônio de Andrade Filho.