O Programa "Fome Zero" e a Exploração da Solidariedade Humana
by Francisco on domingo, 7 de setembro de 2003
José Luiz Ames
É difícil dizer qual traço nos torna radicalmente diferentes dos demais seres animais. Já houve quem dissesse que era o fato de sermos racionais, ou porque somos dotados da capacidade de linguagem. Sem entrar na discussão das diferentes hipóteses, quero avançar a seguinte idéia: o que nos torna ímpares é o fato se sermos capazes do gesto gratuito da doação. É verdade que também entre os outros animais a fêmea se doa às suas crias. No entanto, somente o ser humano é capaz de um comportamento solidário para com o outro, quer o conheça ou não. Assim, sou humano na mesma medida em que ajo solidariamente para com o outro. Quem se fecha em si mesmo nega sua própria humanidade e se reduz à animalidade.
Esse desejo de fazer o bem ao outro é cultivado, sobretudo, pelas Igrejas. Em qualquer uma de suas muitas denominações, os indivíduos são motivados ao comportamento solidário. Pertence aos seus princípios doutrinários motivar os fiéis a uma prática solidária como condição para uma vida plena neste mundo e na eternidade. As Igrejas instituíram a prática da solidariedade formando uma verdadeira rede de proteção social. Todos conhecemos os diferentes mecanismos contínuos de promoção da solidariedade organizados por elas. Só em Toledo poderíamos forma uma lista extensa deles. O melhor de tudo é que, em geral, todos eles obtêm resultados extremamente positivos.
O êxito alcançado por essa instituição da sociedade civil, entre outras que não referimos por economia de espaço, despertou a cobiça do Estado. O programa "Fome Zero" vem se constituindo num instrumento de caridade pública. Apesar de a propaganda oficial alardear que essa é apenas a ponta visível do programa e que o objetivo é implantar mecanismos de erradicação definitiva da fome, nada de concreto foi apresentado nesta direção até o momento. Assim sendo, o programa governamental se mostra uma tentativa de substituir a sociedade civil na sua histórica missão de assistência.
Em princípio, parece não haver nada demais nesta ação governamental. O problema todo surge quando refletimos sobre o significado da prática solidária para as pessoas. Enquanto se constituía numa prática das instituições da sociedade civil, notadamente das Igrejas, o ato de doar é motivado pela gratuidade. A recompensa pelo gesto de doação é um sentimento bom de fazer o bem. O único promovido pela ação é o necessitado, o destinatário do gesto gratuito de solidariedade.
A partir do momento em que o Estado assume a tarefa de promover a assistência em base ao apelo ao sentimento humano de solidariedade, o gesto perde toda a sua beleza. Mais do que o necessitado, os defensores de uma determinada ideologia política se beneficiam com o gesto de doação. O Estado explora o sentimento de solidariedade instrumentalizando-o a favor de interesses partidários. Quando as pessoas, motivadas pela massiva campanha publicitária oficial, começarem a tomar consciência disso, rejeitarão o gesto de doação. Ninguém suporta ser usado. Menos ainda quando usam o que temos de mais digno: nossa bondade.
O Estado, sabidamente um agente corruptor, é incapaz de agir desinteressadamente. Se ele quiser fazer caridade, deveria utilizar um pouco dos 37% da riqueza que ele expropria dos cidadãos através dos impostos. É uma indignidade explorar o belo sentimento de solidariedade humana a favor de um programa de governo. Essa prática é mais grave do que toda espoliação provocada pelos tributos aplicados aos cidadãos, pois mata na raiz o que temos de tipicamente humano: nosso sentimento bom de ser solidário.
* José Luiz Ames é doutor em Filosofia e professor da UNIOESTE/Campus de Toledo.
Um comentário
Eu, acho que o governo deveria fiscalizar mais esse programa, pois tem gente demais se beneficiando sem necessidade, em quanto outros vivem na miséria. de dá dor.
eu por exemplo moro num municipio onde a politicagem fala mais alto. sei que o nosso governo é competente, mas infelizmente ele precisa de outras pessoas para organizar o país. antes de lula pobre passava fome.
falo e repito precisa de uma fiscalização rigorosa nos municipios.
by Durga neves Santana on 4 de abril de 2009 às 08:32. #