Política: as Lições dos Clássicos

by Francisco on sexta-feira, 20 de junho de 2003

José Luiz Ames

Vemos a palavra "política" empregada para descrever situações completamente opostas. Por vezes, é utilizada para indicar uma atividade própria de certos profissionais: os "políticos". Outras vezes, diz respeito à organização e administração de grupos: os "partidos".

O que há de comum aos dois sentidos? Em ambos, a política aparece como algo distante da vida das pessoas. É uma atividade exercida por indivíduos, os "políticos", que através dos partidos se ocupam exclusivamente disso. A política é feita "por eles" e não por "nós". Ela aparece como um poder distante e exercido por pessoas diferentes dos cidadãos comuns. Por isso, aqueles que a realizam, os "políticos", são vistos como interesseiros, isto é, indivíduos que falam do bem comum, mas se preocupam de fato com o bem particular.

Essa imagem da política como um poder do qual somos vítimas condescendentes, contradiz tudo o que os grandes pensadores escreveram sobre o assunto. Por que os homens inventaram a política? Certamente, não para preencher esta finalidade que o senso comum lhe atribuiu.

Em primeiro lugar, a política foi inventada para regular os conflitos entre os homens. Somos diferentes e temos interesses e visões de mundo divergentes. A política foi inventada para permitir que expressássemos essas diferenças sem causar a destruição uns dos outros. Em segundo lugar, toda sociedade está internamente dividida. Esta divisão nasce das diferenças entre os indivíduos. Por isso, a política foi inventada para servir de instrumento de discussão e deliberação conjuntas daquilo que diz respeito a todos.

O que me leva a escrever sobre esse tema? Talvez alguns lembrem das reflexões que publiquei um tempo atrás numa coluna dominical nesta mesma "Gazeta de Toledo" sobre o pensamento de Maquiavel. Muitas pessoas me disseram que esses artigos as fizerem pensar sobre o lugar do cidadão e a tarefa política. Para esses leitores, o jornal é praticamente a sua única leitura e apreciaram a idéia de encontrar uma fonte de formação, ainda que restrita a um domínio específico, a política. Dada minha natureza falha, cedi à vaidade de inspirar a meditação dessas pessoas.

Desta vez quero trazer algumas contribuições não apenas de Maquiavel, mas dos maiores pensadores políticos da história, desde a Antigüidade até os dias de hoje. A finalidade dessas contribuições é auxiliar, ainda que modestamente, na formação da consciência política. Pretendo mostrar que, por um lado, não há como nos livrar da política. Mesmo quando nos isolamos e nos recusamos a participar de tudo o que tem cunho político, fazemos política. Ao deixarmos que os "outros" façam a política à sua maneira contribuímos para que continue tal como ela é. Por outro lado, quero deixar clara a idéia de que o único modo de opor-nos às práticas deploráveis dos "profissionais da política" é através da própria política, isto é, fazendo política.

Não tenho a pretensão de "ensinar política" com estes breves artigos semanais. Embora confesse ter cedido à vaidade, não perdi a modéstia. A política é uma prática e todos sabemos que a prática é aprendida muito mais com exemplos do que com teoria. Meu propósito é provocar uma reflexão sobre a prática a partir das lições dos clássicos do pensamento político. Estou convencido de que eles nos ajudarão a desmascarar os motivos que se escondem atrás da apropriação da política por alguns profissionais especializados. Com isso, penso ser possível desfazer a idéia negativa. Igualmente, acredito que os clássicos serão um guia seguro para formarmos uma consciência cidadã, construindo uma idéia positiva da política.

* José Luiz Ames é doutor em Filosofia e professor da UNIOESTE/Campus de Toledo.

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