Francisco Andrade

by Francisco on quarta-feira, 18 de outubro de 2006

Francisco Antônio de Andrade Filho

Francisco Antônio de Andrade Filho é Doutor em Lógica e Filosofia da Ciência, na área de Filosofia Política, pela UNICAMP/SP.

Professor Titular, aposentado da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

Docente em Filosofia na Faculdade Maurício de Nassau, nos cursos de Administração, Direito e Enfermagem.

Membro do Comitê de Ética de Pesquisas em seres humanos, do Hospital Oswaldo Cruz–UHOC/UPE.

Avaliador do Curso de Filosofia/INEP/MEC.

Veja o currículo em .pdf.

A Significação Ideológica do Processo Pedagógico

by Francisco on domingo, 8 de outubro de 2006

Francisco Antônio de Andrade Filho

Qual a relação entre ideologia e educação? Entre uma e outra, qual a significação para o processo pedagógico? Que sentido ético existe nesse processo?

A idéia chave das ciências humanas é que a ideologia só pode surgir numa sociedade histórica, “uma sociedade para a qual o fato de ter uma origem, é uma questão.”1 Não existe ideologia em si mesma. Ela é sempre um fenômeno social. Surge em determinado contexto histórico-social como tomada de consciência coletiva de certos fatores operantes em tal contexto e de certos valores nele presentes.

Aqui, a ideologia aparece como sistemas de pensamentos, crenças e normas que participa constantemente da regulamentação social e que em ampla medida “se reproduz inconscientemente em cada um de nós.”2 Indica o sistema cultural que exprime e interpreta as idéias, as crenças, os comportamentos típicos pertencentes a um grupo humano. Surge como um elemento de consciência coletiva, dentro de uma estrutura social em processo de mudança:

É, pois, no interior da sociedade histórica que podemos circunscrever a emergência da ideologia. Na medida em que os agentes sociais e políticos não contam com o anteparo de um saber anterior à sua própria prática e que legitime a existência de certas formas de dominação, as representações que os sujeitos sociais e políticos farão acerca de sua própria ação vão construir o pano de fundo no qual os agentes sociais e políticos pensarão as relações de poder, pensarão as relações de dominação, pensarão o social e o político. 3

Por outro lado, a ideologia é sempre uma tentativa de racionalização, ou seja, de organização coerente em termos de razão social, dos fatores e dos valores, de sorte a apresentar uma interpretação que se crê racionalmente válida, do contexto social. Admite-se, portanto, que a ideologia se relaciona diferentemente com as ciências sociais e, de modo específico, com a ciência da história, que, seguindo alguns filósofos, é a única “capaz de nos fornecer os instrumentos para nos produzir um conceito de ideologia.”4

A análise das ideologias tem como marco teórico e prático, essa ciência das formações sociais em seu processo de modificação de dominância. Reafirmamos: as ideologias não são inteligíveis em si mesmas. A verdade surgirá apenas através da sua relação com as condições sociais de produção.

Para os pesquisadores do processo pedagógico colada na História, Marx e Engels5, por exemplo, só existem ideologias concretas, ligadas com as condições de existência, “que os homens devem estar em condições de poder viver a fim de fazer história [...] antes de mais nada beber, ter um teto onde se abrigar e usufruir dos bens culturais da sociedade.”

A ideologia consiste, então, em compreender que toda vida social e, portanto, histórica, é essencialmente prática, e consiste na atividade, no trabalho e na ação dos homens com a natureza e com os outros homens.

Um dos aspectos de natureza intrínseca de ideologia é a relação “ideologia-consciência”.6 De um lado, a base material da consciência e, por outro, a natureza falseadora ou ideologia como inversão da realidade, características da representação ideológica.

A ideologia é uma representação das realidades. É decisiva a relação do homem para com a natureza, para com as decisões materiais da sua existência. Não são as idéias filosóficas, religiosas, políticas, científicas, etc. que são consideradas como as forças motrizes da história e sim as “necessidades materiais dos homens” e, ainda “não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência”.

Representação das realidades, a ideologia é também falseadora. É um modo falso de pensar, no qual a realidade é vista de maneira distorcida, ficando, por assim dizer, invertida como numa “câmara escura.” Como afirmam os autores de “A Ideologia Alemã”:

E se em toda ideologia os homens e as suas relações nos surgem invertidos, tal como acontece numa “câmara obscura”, isto é, apenas o resultado do seu processo de vida histórico, do mesmo modo que a imagem invertida dos objetos que se forma na retina é uma conseqüência do seu processo de vida diretamente físico. 7

A ideologia é a inversão deformadora da realidade. Ela afirma e nega; expressa verdade das realidades numa imagem invertida. Ela as oculta, oferecendo aos homens uma representação mistificada do sistema social, para mantê-los em seu “lugar” no sistema de exploração de uns pelos outros. Necessariamente deformante e mistificadora numa determinada sociedade, a ideologia é produzida como tal ao mesmo tempo pela opacidade da determinação pela estrutura e pela existência da divisão e das desigualdades sociais.

A ideologia, assim, é recheada de uma significação ideológica do processo pedagógico. É a dimensão ética na formação do homem.

As instituições, para sobreviverem, são asseguradas por diversos mecanismos de produção e reprodução, chamados de “aparelhos ideológicos de Estado”8. A dominação política não se pode efetuar unicamente por intermédio da repressão: a dominação estatal implica a intervenção decisiva da ideologia que legitima essa repressão. As ideologias não existem somente nas “idéias.” Elas realizam-se e encarnam-se nas instituições ou aparelhos. São os aparelhos ideológicos do Estado, isto é, aparelhos que preenchem o papel de Estado sob o aspecto principal da inculcação ideológica: aparelho escolar, religioso, político, sindical, entre outros.

A escola9 é a instituição encarregada dessa formação ético-pedagógica, pelo conhecimento e valores que transmite. Para garantir a reprodução dos meios de produção, os sistemas políticos precisam garantir também a reprodução da força de trabalho, assegurada pelo sistema escolar, e pressupõe a submissão à ideologia dominante como meio de preservar os lugares sociais, de acordo com seu interesse.

A educação escolarizada é a responsável principal por esse processo pedagógico em todos os sujeitos das sociedades humanas e, conseqüentemente, pela reprodução das relações de bens político-econômicos que caracterizam estas sociedades. Esta educação é instrumento de reprodução das relações de força vigente na sociedade. Ela permite a reprodução da cultura em suas relações reais de poder, no interior das forças sociais.

Pelo exposto, de modo resumido, através da educação, ocorre um processo ideologicamente em dois níveis. Enquanto processo histórico, transmite e reproduz conteúdos culturais, impondo-os aos outros e, criando nelas um valor em aceitar a ação pedagógica da cultura.. É um instrumento que orienta suas ações. Por outro, como processo ideológico, é um sistema de pensamento que objetiva camuflar através do discurso articulado, as reais relações de violência material e de violência simbólica. É o pensamento pedagógico tentando mostrar sua autonomia e justificar sua validade.


Referências
1. CHAUÍ, Marilena. Crítica e Ideologia. in: Cadernos SEAF. Petrópolis: Vozes, ano. 1, n. 1, ago/1978, p. 18
2. ANSART, Pierre. Ideologias, conflitos e poder. (tradução de Aurea Weissemberg), Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978, p. 47.
3. CHAUÍ, Marilena. op. cit., p. 19.
4. ANDRADE FILHO, Francisco Antônio de. Igreja e Ideologias na América Latina. São Paulo: Paulinas, 1982, p. 131-165.
5. MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã, Lisboa: Presença, ed.3, p. 3-33, passim, s/d.
6. MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. op. cit., p. 48,50.
7. Idem, Ibidem, p. 25.
8. ALTHUSSER, Louis. Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado, São Paulo: Martins Fontes, s/d.
9. SEVERINO, Antônio Joaquim. Educação, Ideologia e Contra–Ideologia. São Paulo: EPU, 1986.

* Francisco Antônio de Andrade Filho é Doutor em Lógica e Filosofia da Ciência, na área de Filosofia Política, pela UNICAMP/SP. Professor Titular, aposentado da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Docente em Filosofia na Faculdade Maurício de Nassau, nos cursos de Administração, Direito e Enfermagem. Membro do Comitê de Ética de Pesquisas em seres humanos, do Hospital Oswaldo Cruz–UHOC/UPE. Avaliador do Curso de Filosofia/INEP/MEC.