Por Que Vivemos Coletivamente? (Os Clássicos e a Política II)

by Francisco on sábado, 27 de dezembro de 2003

José Luiz Ames

Qual explicação poderíamos oferecer ao fato de vivermos organizados em coletividades em vez de existirmos isoladamente? Qual a finalidade desse tipo de vida coletiva? Aristóteles, filósofo grego do século IV a.C., na sua obra "Política", traz uma explicação que se tornou clássica: "o homem é por natureza um animal político".

A explicação de Aristóteles aponta para o fato de haver na natureza humana uma tendência a viver em sociedade e que ao realizar esta inclinação o homem realiza o seu próprio bem. Quer dizer, se vivemos em sociedade é porque esta é a finalidade do ser humano. Isso é tão próprio do homem quanto é próprio da semente de pessegueiro tornar-se uma árvore e produzir pêssegos.

O fato de tender naturalmente à vida coletiva mostra que o homem é um ser carente. Carente de alguma coisa que o leve a desejar e carente de alguém que o leve a se associar. A carência aponta para a incompletude humana. O homem tem sempre necessidade de um outro semelhante a ele e tão imperfeito quanto ele. Ele se associa para alcançar uma vida perfeita e auto-suficiente. Um ser que não sentisse a necessidade de associar-se seria um Deus ou um animal, diz Aristóteles. Os primeiros não fazem política, porque são perfeitos. Os animais não fazem, porque não pensam, nem falam.

O homem tende à vida em sociedade, porque nela, e somente nela, se torna plenamente humano. Pode-se, portanto, dizer, que a vida política é para o homem a melhor das vidas possíveis. Um homem vivendo em sociedade está no seu lugar na hierarquia dos seres. Não é nem Deus nem animal, mas o melhor dos animais, porque capaz de justiça. Fora da cidade, o homem é o pior dos animais, porque dispõe de faculdades intelectuais que constituem armas temíveis sem a educação para a justiça.

A lição de hoje que Aristóteles nos proporciona é de que viver coletivamente é a única chance que temos de sermos humanos. Existir politicamente é viver solidariamente com outros seres semelhantes. O isolamento significa a destruição de nossa humanidade. Quanto mais interagimos tanto mais humanos nos tornamos.

A aspiração à felicidade só conhece um caminho: a vida em comunidade. Fora dela não apenas não há chance para uma vida plena, como simplesmente é impossível qualquer vida humana. Quem se fecha na vida privada da família, do clube, do trabalho nega a si próprio a possibilidade de ser plenamente humano.

A primeira lição de Aristóteles já nos abre o caminho para a segunda: se somos seres naturalmente inclinados para a vida em sociedade e se esta vida é a melhor vida possível, então ninguém pode dispensar-se da tarefa de pensar a coletividade. É o que nos aguarda na próxima lição.

* José Luiz Ames é doutor em Filosofia e professor da UNIOESTE/Campus de Toledo.

Aristóteles: o Intelectual da Política (Os Clássicos e a Política I)

by Francisco on terça-feira, 16 de dezembro de 2003

José Luiz Ames

Nossas reflexões sobre política começam com os gregos, pois ela é uma invenção grega. O vocabulário político deita raízes na cultura deste povo. Ainda hoje em dia empregamos termos cuja origem está na língua grega, tais como: "tirania", "monarquia", "oligarquia", "aristocracia", "democracia". Claro, em primeiro lugar, a própria palavra "política". É derivada de "polis", que significa "cidade" e que na nossa linguagem moderna pode ser traduzida por "Estado".

Não viver numa "polis" (num "Estado") é, para um grego da época clássica, o mesmo do que não viver "politicamente". Por "política", os gregos entendiam tanto o conjunto de práticas às quais os cidadãos se entregavam para coexistirem quanto o estudo ou ciência dessas mesmas práticas. É verdade que muito antes do surgimento da política, em ambos os sentidos, os homens já viviam em sociedades. Contudo, não "faziam política". Por quê? Porque não pensavam sobre esse modo de existir coletivo como algo que dependia deles. Submetiam-se ao poder dos chefes como a um destino contra o qual nada se pode fazer.

Os gregos inventaram a política, porque a compreenderam como aquilo que depende de nós. Para esta cultura, a maneira como o poder se organiza resulta da vontade dos homens. Por isso, a política sempre pode ser diferente, e melhor! A política para os gregos abarca todas as atividades práticas relativas a um mundo comum. Mesmo aquelas que nós hoje colocamos na esfera "privada", como a moral, a religião e a educação dos filhos, para os gregos são do domínio "público", isto é, político. Por isso, "fazer política" é uma atividade que toca a essência da vida humana. Recusar-se a praticá-la seria um absurdo impensável para um grego, pois seria a mesma coisa do que preferir ser um animal a ser um humano.

Vamos examinar a maneira como os gregos refletiam isso a partir do maior representante de seu pensamento, embora não tenha sido grego de nascimento: Aristóteles. Ele nasceu em 384 a.C. em Estagira, cidade na qual se falava grego, mas que pertencia à Macedônia. Aos 18 anos chegou ao maior centro cultural e artístico da Grécia, Atenas. Na época, duas escolas disputavam o interesse dos jovens. De um lado, a de Isócrates, um sofista que se propunha preparar os educandos através da retórica para se tornarem oradores eficientes na Assembléia. De outro lado, Platão, que ensinava que a base para a ação política deveria ser a investigação científica. Aristóteles preferiu o último e freqüentou a Academia, o nome da escola de Platão, por cerca de 20 anos.

Depois que Platão morreu, saiu da cidade. Em 343 a.C. Aristóteles foi chamado por Felipe para educar seu filho, Alexandre, entregando-se à missão até a morte de Felipe. Retornou, então, à Atenas e fundou sua própria escola, o Liceu, que passou a rivalizar com a Academia de Platão. Apesar da estima que Alexandre, o Grande, sempre teve por seu mestre, Aristóteles discordava da fusão da civilização grega com a oriental (processo conhecido por "helenismo") realizada por aquele grande estadista. Ele pensava que era impossível transferir e implantar o regime político grego em outros povos. Depois da morte de Alexandre, Aristóteles passou a ser hostilizado pela facção antimacedônica. Acusado de impiedade refugiou-se em Eubéia, onde morreu em 322 a.C. Nossos próximos encontros tratarão de algumas contribuições desse grande intelectual para compreender melhor nossa realidade política atual. Faremos isso partir de uma obra magistral escrita por ele chamada "Política".

* José Luiz Ames é doutor em Filosofia e professor da UNIOESTE/Campus de Toledo.